Steve entra na casa, tentando fazer o mínimo de barulho possível, já era tarde e provavelmente todos os moradores já estariam dormindo, entretanto, assim que cruza o hall de entrada, o som dos gritos é ouvido. Ele larga a mala no chão e sai correndo, chamando pela esposa.

“Natasha!” a voz não sai mais alta que um sussurro. O pânico prestes a lhe sufocar. Ele adentra a sala e estaca diante da cena: Pietro e Wanda estavam abraçados no canto do sofá, à morena escondia o rosto no peito do irmão que tinha os olhos arregalados. Natasha usava uma almofada para cobrir o rosto – que estava apenas parcialmente coberto – e encarava a TV com os olhos tão arregalados quanto os de Pietro. “O que diabos...?” Steve não completa a pergunta, pois uma nova onda de gritos o interrompe.

“Quer saber? já chega!” Natasha exclama se pondo de pé e desligando a TV. A sala mergulha na mais completa escuridão e quando Natasha encontra o interruptor e acende as luzes, Pietro e Wanda começam a protestar, mas Natasha se mostra inflexível. Aparentemente a presença de Steve ainda não havia sido notada.

“Tudo bem aqui?” ele pergunta dando mais alguns passos, ficando realmente visível agora. Wanda solta um berro e Natasha dá um pulo, devido o susto.

“Mas que droga!” exclama Natasha com a mão no peito. “Não sabe anunciar que chegou não?”

Steve ri diante daquele absurdo.

“Foi mal, eu achei que vocês já estivessem dormindo, então entrei sem fazer barulho.” Explica “o que vocês estavam assistindo? Acho que até os vizinhos da rua de trás conseguiam ouvir os gritos de vocês.”.

“O exorcista.” Informa Pietro. “Versão sem cortes.” Completa. Steve finalmente nota o rosto machucado do cunhado e Pietro percebe, pois afirma: “está tudo bem.”.

“Hum, que bom então.” Diz por fim. Natasha já havia lhe relatado o ocorrido e se já havia sido resolvido, não havia necessidade de voltarem a falar sobre aquilo. O melhor era seguir o conselho de Bucky e não se meter. “Então, gostaram do filme?”

“Odeio essas coisas que envolvem o demônio.” Wanda comenta distraída.

“Então por que sugeriu esse filme?” Natasha questiona confusa.

“Sei lá.” Ela dá de ombros e Natasha encara Pietro que também dá de ombros. ‘maluca’ pensa Natasha.

“Já jantaram?” Steve pergunta quebrando o silêncio que se instalou.

“Humrum.” Todos concordam.

“Melhor vocês irem dormir. Amanhã vocês tem aula.” Natasha avisa e os irmãos se levantam.

“Boa noite Steve.” Wanda diz se aproximando dele, que lhe dá um beijo na testa. “Boa noite.” Ela diz, se virando para Natasha que responde com um sorriso mínimo. Pietro segue a irmã e logo Steve e Natasha estão sentados no sofá. Ele tem um braço esticado no encosto do sofá enquanto Natasha apoia a cabeça ali.

  Eles permanecem em silencio por um tempo, apenas apreciando o silêncio e a companhia um do outro. Natasha adorava quando aconteciam momentos como aquele, de pura normalidade entre o casal. Durante as duas ultimas semanas, eles não haviam tido muito tempo para apreciar aquela calmaria. Steve acariciava lentamente o braço de Natasha, e ela tentava memorizar as sensações.

“Então, vai me contar o que aconteceu para tamanha evolução?” Steve pergunta, interrompendo o momento de Natasha.

“Eu os convenci a praticar algum esporte e ensinei o Pietro a se defender e dar um soco decente.” Começa “depois me ofereci para ensinar a Wanda, mas ela se recusou, segundo o Pietro ela prefere usar o cérebro... tenho de pensar em alguma coisa...” divaga.

“Clube do Xadrez, talvez?” sugere Steve.

“Hum, pode ser.” Natasha fica pensativa. “enfim, ela preparou o jantar e depois que jantamos, ela sugeriu que assistíssemos algum filme. Depois de 47min de debate sobre qual filme assistir, ‘O exorcista’ foi o vencedor. Sinceramente, acho que ela só escolheu esse filme para tentar me assustar.”

“E pelos seus gritos eu acho que conseguiu...” insinua Steve.

“Infelizmente sim.” Admite pesarosa “nunca pensei que fosse ficar tão assustada com um filme.”.

“Hollywood meu amor. Hollywood.” Comenta desdenhoso.

“Idiota!” Natasha se levanta e puxa o braço do marido. “Melhor você ir tomar banho. Quer que eu prepare alguma coisa?”

“Você? Preparar alguma coisa? Okay, que tipo de piada é essa?” Steve pergunta irônico e Natasha fecha a cara.

“Então durma com fome!” retruca e sai pisando duro. Steve ri alto.

“Eu tô brincando! Desculpe-me!” pede “admita, não faz seu estilo preparar algo para alguém comer.”,

 Natasha finge que não ouviu e continua andando. Steve a alcança e antes que ela pudesse subir as escadas, a puxa pelo braço, fazendo a ruiva girar sobre os calcanhares. Natasha estava pronta para continuar seu teatro de “esposa ofendida” quando seus olhos se deparam com uma figura parada atrás da janela da sala onde há poucos minutos ela estava sentada com Steve. Ela sente cada musculo do seu corpo se retesar e Steve parece sentir também, pois encara a esposa com os olhos semicerrados.

“Nat? Você tá bem? Eu realmente não quis te ofender...” Natasha retira os olhos da figura com relutância e encara o marido.

“Tá tudo bem sim.” Afirma porem sua voz a trai. Ela olha novamente por sobre o ombro de Steve e ele segue o olhar da ruiva.

“O que você tá procurando?” pergunta preocupado.

“Nada.” Ela responde de forma mais natural agora. A janela estava vazia. “melhor você ir logo tomar banho, está ficando muito tarde.” Comenta distraída e Steve começa a subir a escada.

“Você não vem?” ele pergunta quando Natasha não o segue.

“Hã... vou beber um pouco d’agua. Gritar de medo deixou minha garganta seca.” Ela pigarreia para dar mais ênfase.

“Hum, certo.” Steve sobe as escadas de dois em dois degraus e quando Natasha ouve a porta do quarto deles ser fechada, ela corre para a cozinha.

  Com destreza, ela destrava o balcão e retira uma arma dali. Ela a destrava e alguns minutos depois, está do lado de fora, circulando toda a área da casa. Ela vai até a janela, onde havia visto o suposto alguém. Não havia nada nem ninguém, obviamente. Por alguns segundos ela cogita a ideia de não ter passado de uma ilusão criada por sua mente – ainda – assustada com o filme. Era possível. Afinal, ela não conseguiria dar detalhes da aparência da tal pessoa. Não passou de uma forma humana, parada, a observa-la por trás da janela. Ilusão. Alucinação. Paranoia. Era isso.

 Ela caminha novamente para o interior da casa, contudo, seu sangue gela ao ver o que a espera no hall de entrada. Brilhando ao luar, está uma pequena ampulheta. A areia fina caia lentamente através da estreita garganta. O recado estava claro: O tempo está passando.

 Natasha corre em direção à rua e apura os ouvidos, pronta para reagir ao menor sinal de movimentação, porem nada acontece. Ela sente a frustração e o medo subindo pelo seu corpo. Ela precisava se controlar. Escondendo a arma na parte de trás do short que usava, ela retira sua blusa de flanela e agarra a ampulheta, entrando em casa. Tranca a porta atrás de si e volta a esconder a arma – ainda engatilhada – no seu local de origem. Ela checa os irmãos, que estão dormindo profundamente, cada qual no seu quarto, e vai para o seu próprio. Ela podia ouvir Steve cantarolando baixo no banheiro, então corre para o closet e guarda a ampulheta cuidadosamente. Ela duvidava que a pessoa responsável pela tão desagradável visita e presente tivesse sido idiota o bastante para tocar na ampulheta sem luvas, contudo, ela não podia arriscar.

  Ela ouve Steve sair do banheiro e respira fundo, era de extrema importância manter a calma naquele momento. Steve usava apenas uma calça de moletom, o que seria um convite e tanto para a ruiva, mas os recentes acontecimentos haviam-na trazido novamente para o problema da sua segurança. Ela continuava pensando nele, obviamente, mas saber que estavam um passo a frente da Harrison havia dado esperanças a ruiva de que logo tudo seria resolvido sem mais empecilhos. Porem, ali estava ela, na sua própria casa, com uma ampulheta guardada no closet, enquanto alguém em algum lugar estava com uma margem infinita de possibilidades a frente dela.

 Eles sabiam onde ela morava – o que ela nunca ousou acreditar no contrário – possivelmente sabiam onde Steve trabalhava. E agora ainda tinha que se preocupar com a segurança dos irmãos. Será que já sabiam a respeito deles também? Pensando melhor, teria sido ótimo que Pietro e Wanda tivessem sido expulsos do colégio, seria mais fácil vigia-los enquanto estivessem trancados em casa.

 Natasha suspira e se aconchega melhor em Steve. Infelizmente, naquela noite, os braços dele não traziam a segurança que ela precisava. Alguém havia estado ali. Na casa dela. No lugar sagrado, onde ela escolhera morar com o marido. Céus! Como a vida insistia em dar altas guinadas. Ela se obriga a dormir um pouco, afinal, não adiantaria nada perder uma noite de sono.

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 Natasha tentava disfarçar as olheiras com corretivo, porem suas tentativas se mostraram infrutíferas. Com um grunhido de frustração ela sai do banheiro e ruma para a cozinha, onde Steve e os gêmeos a esperam para o café da manhã. Ela dormira muito mal a noite, sonhando que ora os irmãos estavam morrendo, soterrados dentro da ampulheta, ora Steve e até mesmo suas amigas. E ela sempre lá, assistindo tudo sem poder fazer nada. Aquela sensação de impotência era pior que tudo.

“Bom dia!” ela saúda com o máximo de entusiasmo que consegue forçar.

“Bom dia!” os três ocupantes da mesa respondem. “Você parece péssima.” Pietro comenta observando as olheiras da irmã.

“Você se olhou no espelho agora de manhã?” Ela pergunta com um sorriso irônico na cara.

“Touché!” Pietro diz com um sorrisinho de lado. Seu olho esquerdo estava arroxeado e o lábio inferior parcialmente inchado. “Eu levei uma surra. E você?”

“Tive alguns pesadelos.” Responde se sentando.

“Hum... deve ter sido por causa do filme. A Wanda também ficou bastante assustada. Ela até achou ter visto alguém no quintal pela janela do quarto dela.” Pietro conta rápido, levando uma tapa de Wanda e fazendo Natasha engasgar com a torrada.

“V-Viu alguém?” Natasha pergunta em meio a tossidas. Wanda fuzila o irmão com os olhos, obviamente ela não queria parecer medrosa perante a irmã mais velha.

“Não foi nada.” Dá de ombros.

“Eu faço questão de saber.” Natasha insiste.

“Por quê? Eu nem tenho certeza do que vi.” Wanda não parece disposta a dar detalhes.

“Foi só por curiosidade. Ouvi dizer que o bairro está bastante violento.” Natasha dá uma desculpa qualquer. Steve já observava a cena com a testa franzida, provavelmente tentando entender o motivo do súbito interesse da esposa.

“Então pode ter sido mesmo alguém?” Wanda pergunta com os olhos arregalados.

“Não, não pode.” Steve nega “eu não ouvi essa historia de que o bairro está violento.” O tom dele deixa claro que é uma reprimenda a historia da mulher.

“Enfim, acho que nosso cinema está suspenso por tempo indeterminado.” Natasha informa e Pietro começa a protestar. “pelo menos de filmes de terror.” Completa.

 Os gêmeos são os primeiros a terminar o café da manhã e logo saem para a escola. Quando estão sozinhos, Steve decide falar com Nat sobre a ideia de Bucky.

“Eu estive conversando com o Bucky e ele sugeriu que você e os gêmeos fossem jantar lá.” Natasha o olhar curiosa.

“E o que você estava conversando o Bucky para ele sugerir isso?” Natasha não estava mais chateada com Bucky. Eles tinham se visto uma única vez desde que o pai dela falecera, e na ocasião, ele fora extremamente respeitoso e prestativo.

“Sobre o pouco avanço que vocês vinham fazendo.”

“Você chama isso de pouco?” Natasha questiona se referindo ao programa entre irmãos na noite anterior.

“Admito que em menos de 24hrs vocês evoluíram mais do que nas ultimas duas semanas.” Ele começa “mas acho que eles precisam sair um pouco. Conhecer outras pessoas.”.

“E por conhecer outras pessoas, você quer dizer conhecer o Bucky?” pergunta com uma sobrancelha arqueada. Steve cora.

“É, quer dizer, ele é meu melhor amigo, não vejo problema, mas se você não quer, tu...”.

“Certo. Quando?” Natasha o interrompe.

“Amanhã está bom pra você?”

“Ótimo.” Natasha concorda.

“Fechado então.” Steve volta sua atenção para a louça.

 Natasha divaga sobre a importância de Bucky conhecer seus irmãos. Ela poderia usar essa oportunidade para acabar de vez com a ponta de desconfiança que Bucky ainda tem em relação a ela. Mostrar a ele que ela era completamente dedicada ao marido e agora aos irmãos, sem tempo para ficar andando por ai disfarçada. Tantas coisas para resolver. Natasha suspira, cansada.