"-Você vai voltar Jade, sempre voltam para a Tia! -Berrava a mulher com rugas com um cinto na mão enquanto a menina se afastava.
–Saia de perto de mim! -Nada adiantava, a mulher sempre vinha atrás dela com o cinto em mãos.
A apertava com força e ria com maldade cuspindo em seu rosto falando coisas horríveis.
Mãos a puxaram para trás e então tudo se apagava novamente..."
Então acordei, era o mesmo pesadelo de sempre desde os meus dois anos, mas mesmo assim, ainda acordo com as mãos suadas e algumas lágrimas que ameaçam cair.
–Merda. -Falo de costume me levantando da cama, provavelmente Derek ainda não acordou, ele teria me chamado. Ainda mais hoje, que é dia de colheita.
Paro em frente ao espelho localizado na parte de trás da porta. Meus cabelos cacheados e castanhos estavam embrenhados e os olhos ficavam meio verdeado devido à luz que adentra pela janela.
Sacudi a cabeça tirando o espelho de minha mente, se deixasse eu ficaria o dia inteiro apontando meus erros na frente dele.
Entrei no banheiro já tirando a roupa sentindo dor no roxo do braço esquerdo.
–Merda de garoto. -Falei esfregando com força o local. Foi ontem, numa briga de rua. O garoto era tão covarde que desistiu, mas não antes de me atingir um soco.
Sempre foi assim, desde pequena sempre me meti em brigas de rua, principalmente com meninos metidos e machistas são os piores! Mas agradeço um pouco à essa minha brutalidade, se não fosse por isso, Derek nunca haveria me visto.
Quando eu era bem pequena com dois anos me largaram no orfanato do distrito, lembro que o nome da mulher era Tia e que ela era malvada, mas também é a única coisa que me recordo. Derek me conheceu quando eu tinha treze anos, eu estava na rua brigando com um garoto que ficava puxando meu cabelo, naquele dia eu tomei uma surra, mas ele nunca mais mexeu comigo. Derek me adotou em seguida, achou minha personalidade muito forte e que eu era uma jóia rara no meio de tantos cacos de vidro, a partir daí até que ele me treina para os Jogos, acho que ele tem esperança de me fazer cansar de brigar nas ruas do distrito, mas está no meu instinto.
Jogo-me dentro do chuveiro de água quente e então consigo relaxar meus músculos na água aquecida, aqui no distrito seis é sempre úmido e frio, um banho quente é sempre bem vindo.
Lavo meus cabelos com um shampoo de ervas cidreiras e passo condicionador na tentativas de desembaraça-los.
Dia de colheita é sempre a mesma coisa, eu acordo mais cedo do que de costume, me arrumo, faço café e vou acordar Derek.
Saio do banheiro e vou direito para minha cômoda de roupas pegar algo adequado. Nas colheitas somos obrigados à vestir roupas bonitas, mas eu não sou assim, visto o que me faz se sentir bem.
Boto uma calça legging preta, suéter de cashmere azul claro e botas marrons de couro que tenho faz tempo, estou até apresentável.
Penteio os cabelos e os parto para o lado, eles nunca me obedecem mesmo.
Dou uma ajeitada em meu quarto e desço para fazer algo para comermos.
Faço uns ovos com bacon e café bem forte, cafeína é sempre bom para dias agitados.
–Bom dia Jade. -Fala Derek entrando na cozinha com cara de sono ainda com um samba-canção cor de abóbora.
–Olá, to fazendo comida.
–O cheiro está indo lá em cima. Tem café?
Apontei para a cafeteira e eles pegou duas xícaras nos servindo com ovos e bacon também.
–Nervosa com a colheita? -Perguntou mastigando um bacon.
–Por que estaria?
–Sei lá, de qualquer forma seu nome está lá.
–Uhum, e se eu for sorteada eu volto. Você sabe disso...
–Sei, mas torço pra isso nunca acontecer. -Ele dá um gole em seu café e já até sei o que ele vai falar "É um inferno lá dentro" -É um inferno lá dentro. -Eu disse.
–Deve ser mesmo. -Comento comendo meus ovos. -Você é afortunado por ter vencido.
–Realmente sou. Ninguém põe fé em distritos sem ser os carreiristas.
–Isso é uma babaquice, algum que tinha que dar uma lição nesses metidos, os odeio, só porque são de distritos mais...
–Ricos?
–Isso, eles acham que podem ser os maiorais sempre? Se acham estão muito enganados, lá dentro a chance de todos são iguais!
–Realmente eles treinamento diferenciado e tal...
–Eu também tenho e aí?
–É verdade, minha princesa você é tão boa quanto eles! Agora eu vou me arrumar para já irmos ok? Me espere aqui.
O que seria de mim nos Jogos? Será que eu sobreviveria? Uma coisa que eu tenho certeza é de que não teria pena de matar meus oponentes, sou persistente, uma verdadeira guerreira.
Só seria voluntária no caso de algum conhecido meu for sorteado, ao contrário, ficarei no distrito com o desejo incubado de ir aos Jogos e mostrar para aqueles mesquinhas como é que se faz!
Arrumo a mesa, aproveito para já lavar a louça para não deixar acumulada.
–Como estou? -Perguntou Derek descendo as escadas com um blusa de botão verde e calças marrons.
–Está ótimo! Você é bom nisso de escolher roupa relaxa!
–Vamos?
–Vamos.
Nossa casa é na Vila dos Vitoriosos, ou seja, é bem perto do Edifício de Justiça então podemos nos dar o luxo de sair um pouquinho mais atrasados.
Em menos de dez minutos estávamos na Praça e alguns jovens já estavam lá, incluindo Maggie Penner, minha única amiga confiável, ela tem quinze anos e não é muito minha cara... Ela é toda fresca e mesquinha, o que mega dificultou nossa aproximação no início.
–Olá Jade! -Exclamou ela com sua voz doce depositando um beijo em minha bochecha.
–Oi Maggie, como vai? -Perguntei retribuindo a delicadeza, mesmo que eu esteja mais nervosa que nunca, não seria capaz de berrar e brigar com Maggie, a única vez que fiz isso foi um pouco depois de nos tornarmos amigas, ela chorou o dia inteiro e teve medo de ficar perto de mim, eu tive que pedir seu perdão.
–Nem te falo! Não dormi a noite inteira, estou mais nervosa do que nunca.
–Relaxa! A probabilidade é mínima!
–Sei disso, mas sempre tem aquele zero virgula um por certo.
Quando ia falar algo, nossa representante Tani entrou no palco com sua roupa de ervas.
–Olá distrito seis! Está um dia adorável não? -Silêncio. -Isso mesmo! Então vamos ver o vídeo vindo especialmente da Capital para vocês! -E então começou aquela merda.
–Todo ano torço pra aquela telão cair em cima da Tani, dois coelhos numa tacada só. -Murmurei para Maggie que riu.
–Você é maluca. -Murmurou de volta, me sinto bem quando estou perto de Maggie.
–Ah que lindo! -Exclamou Tani fingindo animação. -Agora, vamos sortear a menina e o menino que terão o prazer de participar dos Jogos! Como sempre primeiro as damas. -Ela caminhou até a bola de vidro e pegou lá dentro um dos milhares de papeizinhos. -O tributo feminino será... Maggie Penner!
Senti o tremor de Maggie mesmo a uma certa distância a ela.
–Meu deus... -Ela murmurou abaixando a cabeça e vi as lágrimas escorrerem em seu rosto.
–Megan pode subir aqui. -Chamou Tani procurando na platéia.
–Eu sou voluntária! -Gritei bem alto com força, com tanta força que senti meu coração bater em uma sequência totalmente desconhecida por mim.
–Oh! -Berrou Tani, eu era a primeira garota voluntária. -Então suba aqui! Sai do meio dos jovens e olhei fixamente para a frente tentando tirar qualquer vestígio de medo. -Qual é o seu nome minha querida?
–Jade, Jade Laiynster.
–Como você é corajosa... -Murmurou ela fora do microfone para só eu ouvir.
–Eu sou mesmo. -Falei e observei o meu distrito, trarei honra a eles, honra para Derek, honra para mim!