Projeto Princesa escrita por Suéllen Costa


Capítulo 17
POV Calian Emmerich


Notas iniciais do capítulo

Recomendo ler ouvindo I Lived, do OneRepublic. A música não tem muuitoo a ver com o capítulo, porém foi através dela que a pequena Calian surgiu, e como eu amo essa canção... Vale a pena ouvi-la ^^



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“Senhorita?” Ouvi um toc toc vindo da porta, e estremeci embaixo das cobertas. “Ainda estás indisposta, senhorita?”
“Sim!” Gritei para que ela pudesse me ouvir de onde estava, a porta ainda fechada abafando o som de nossas vozes. “Uma dor de cabeça, apenas. Nada de mais, não precisam se preocupar!”

Principalmente pelo fato de que não estou com dor alguma, acrescentei em silêncio.

“Talvez se sentisse melhor se saísse um pouco do quarto, senhorita.” A voz da criada, embora ela parecesse se esforçar muito para passar apenas sua gentileza, também tinha um quê de insegurança. Respondi que faria aquilo, mentindo pela segunda vez naquele dia, desejando poder me livrar logo dela e voltar a apreciar o silêncio do cômodo muito espaçoso.
“Ah, que ótimo!” Exclamou ela, abrindo a porta e entrando rapidamente, como se temesse que eu a chutasse pra fora do quarto caso ela não se apressasse – O que eu provavelmente teria feito se não estivesse coberta até o pescoço em um breve aviso de que nada me tiraria daquela cama. Suas companheiras entraram logo em seguida, os sorrisos tão esticados que os lábios chegavam a ficar brancos, ignorando a cara de horror que se instalou em meu rosto.
“Tivemos esperança de que a senhorita aceitaria ir almoçar no salão hoje, por isso nos ocupamos nesta manhã para fazer um vestido!”
Abri a boca pronta para negar tudo, dizendo que não sairia daquele quarto nem para almoçar e nem pra coisa alguma, mas elas continuaram a tagarelar sem nem me dar chance de protestar, duas delas me puxando pra fora da cama enquanto a outra corria pro banheiro para preparar meu banho.
“Na verdade, era um vestido antigo. Fizemos algumas alterações nele, apenas. Não tínhamos tempo para fazer um novinho em um período só, mas esperamos que a senhorita goste!” Dizia uma, a voz tão alegre que quase conseguia me entusiasmar também.
“Estávamos tão cansadas de ficar sem fazer nada!” Continuou outra, tão animada quanto. “Eu seria capaz de costurar cem vestidos hoje!” Ela estendeu então o vestido que trazia com cuidado nos braços, a cor clara do cetim dando a ilusão de que era uma fina cascata ou um pedacinho do céu. A criada sorriu gentilmente, agora mais calma, e não fui mais capaz de continuar séria. “Azul. Combina com seus olhos.”
Sorri da minha melhor forma, a boca meio torta e os lábios um pouco trêmulos.
“O vestido é lindo,” falei com cuidado, observando os olhos delas ganharem mais brilho a cada segundo. “mas não acho uma boa ideia eu sair daqui.”
Esperava ganhar olhares decepcionados, ou que elas apenas se retirassem sem dizer mais uma palavra, porém, me contrariando muito, as duas trocaram olhares cúmplices e risadinhas, suas mãos agarrando cada lado de meus braços com entusiasmo, como amigas prestes a fazer um passeio pelo shopping. 
“Bobagem!” Exclamaram elas juntas, já me arrastando para o lavatório, onde uma banheira lotada de espumas esperava por mim. Acabei desistindo de lutar contra elas quando senti a água quente passar por todo meu corpo, aquecendo cada parte de mim, o perfume doce de rosas mexendo com meus sentidos e me fazendo permanecer lá.
Durante toda minha vida, o medo foi meu companheiro fiel. Anos atrás, quando ainda era uma garotinha, tinha medo de não conseguir mais correr, de que a dor que eu sentia no peito se tornasse maior que minha vontade de poder voar. Esse medo nunca foi embora totalmente, mas foi mudando de foco. Passei a temer não ser mais livre, dona de meus próprios desejos. De não poder mais caminhar onde quisesse, e de que quando chegasse meus quinze anos, a valsa sempre esperada nas festas não acontecesse. De que meu corpo tornasse a obedecer minha doença, e não a mim. De que cada respiração, cada suspiro que eu conseguisse dar, já não fosse mais um ato comum, mas que se tornasse uma dádiva. Sim, eu também temi essa parte. É a que eu mais temo hoje, e na verdade, era bem este o motivo para eu estar participando dessa seleção. Minha vida, que corria risco de se perder a cada dia, cada vez mais abraçando a morte. Não foi algo muito pensado a minha entrada no castelo como selecionada – Uma carta de inscrição e um pedido de me manter na seleção o tempo que fosse possível. A parte mais engraçada – ou estranha – foi o consentimento do príncipe por algo tão ridículo.
Pena.
Esse era o único motivo para eu estar aqui, e eu não via razão alguma para ter de jogar. Meus pais podiam até achar que a Seleção fosse a minha única solução, mas para mim, a resposta era bem clara, e não tinha nada a ver com vestidos e realeza; A minha única forma para sobreviver era deixando de viver. Eu precisava morrer.  
“Você está linda.”
“Quê?” Perguntei para a criada que me olhava com carinho, e ela simplesmente apontou o espelho na minha frente, a imagem de meus olhos muito azuis se arregalando enquanto corriam o olhar pelo vestido perfeito e a maquiagem bem-feita. Meus pensamentos voaram tão longe que eu nem tinha percebido elas me arrumarem. E agora, encarando meu reflexo, era como se eu conseguisse me enxergar pela primeira vez.
“Você está magnifica, senhorita.” Ela disse, e dessa vez eu não discordei.
Me afastei da penteadeira com cuidado, sem perder o contato com o espelho um só segundo, e lentamente me virei até estar de frente para as três mulheres que me sorriam felizes – uma delas, a mais jovem, ainda com a aparência de uma adolescente, até dava pulinhos alternados entre risos. Agradeci a elas e caminhei até a porta do quarto.
Eu me sentia tão segura, tão bonita, tão viva! Um sentimento que eu não experimentava há anos! Eu nem conseguia acreditar na alegria que brotava de mim, parecendo pulsar pelas minhas pernas que começaram a acelerar o passo pelo corredor, como se estivem prestes a levantar voou. E eu queria tanto correr, pular e só parar quando eu estivesse no ar, como um pássaro. Como eu me imaginei em todos os meus sonhos.
“Ei, atrasada também?” Ouvi uma risada, mas ela parecia tão distante que me assustei quando vi um vulto passar por mim como um raio.
Sem pensar, parei de correr, o impulso me fazendo derrapar um pouco no piso liso de mármore.
Ele também parou, olhando pra trás onde eu me encontrava paralisada como uma estátua, arfando. “Acho que não está tão atrasada assim.” Ele riu de sua própria piada, e lentamente uma careta se formou em meu rosto. “Isso quer dizer que não está atrasada?” Ele insistiu, me fazendo emburrar ainda mais.
“Eu estava correndo!” Falei, ofendida. “Só correndo.”
Ele pareceu confuso com a situação, o sorriso saindo do rosto.

Como você pode não entender?, tentei gritar, mas a minha voz não quis sair. E de repente, entendi porque ela não saiu quando meu peito deu seu primeiro aviso, a dor parecendo ser uma enorme mão cutucando minhas costelas.
Curvei um pouco pra frente, minhas mãos apertando minha cintura como se tivessem o poder de fazer meus ossos não explodirem.
“Você tá legal?” O rapaz voltou a falar, se aproximando de mim e prendendo meus ombros com as duas mãos. “É dor de cabeça? Enjoo? Tontura? Você tomou o café-da-manhã? Não me lembro de voc-”
“EU. TÔ. BEM.” Respondi entredentes, minha voz guinchando. Respirei fundo e forcei a me recompor,  tentando provar a ele que o que eu disse era real, mesmo a verdade sendo bem diferente daquela. “Viu só? Estou ótima. Já pode voltar a correr, campeão!” Dei um sorriso amarelo, me afastando dele tão rápido que o rapaz nem teve tempo de tirar suas mãos de mim, seus braços caindo mortos a cada lado do seu corpo. Ele me mirou com um olhar preocupado, parecendo não acreditar em uma só palavra que eu disse.
“Calian.” Ele disse lentamente, os olhos grudados no bottom, parecendo querer ver como cada sílaba de meu nome soavam ditas em voz alta. “Por que eu não consigo me lembrar de você, Calian?”
“Talvez porque tenhas uma péssima memória.”
“Ou porque você está se escondendo.”
“Eu sou uma selecionada, não uma criminosa.”
Ele sorriu, quase que debochando. “Uma selecionada que não participa da seleção? Essa é nova.”
Suspirei alto, a raiva começando a aumentar dentro de mim. Por que ele queria tanto se meter nos meus assuntos?
“Hmm, Oliver?” Imitei ele, olhando para seu nome pendurado na camisa. “Faça-me o favor de cuidar do seu jogo, e eu cuidarei do meu.” Voltei a sorrir, cruzando os braços na frente do peito.
Observei ele ainda parado em minha frente, esperando que ele desse meia volta e retornasse o seu caminho. Mas em vez disso, ele riu, como se eu tivesse falado uma grande bobagem.
“Você não acha isso estranho?” Seu sorriso esticou ainda mais no rosto, parecendo querer tocar as pontas das orelhas. “Os bottons. As pessoas daqui nem se dão o trabalho de se apresentar ou perguntar o nome dos outros. Eles destruíram a primeira regra de como começar uma conversa ao criar esses bottons.” Ele segurou o seu próprio, o nome ‘Oliver’ desaparecendo de meus olhos por um segundo sob o reflexo da luz. “Eu odeio essas coisas.”
“E eu odeio a regra de não poder bater em nenhum selecionado.” Disse, sem deixar minha raiva de lado. “Era a coisa mais útil nessa seleção toda.”  
Dessa vez ele gargalhou, alto e abertamente. E eu senti uma enorme vontade de pergunta-lo como ele conseguia fazer aquilo. Correr tão rápido como ele correu antes, e rir com tanta força. Como ele não sentia dor ao fazer isso? Como ele podia não sentir nada, quando eu tinha que me esforçar ao máximo somente para respirar?
“Me lembre de agradecer ao cara que criou essa regra, por favor.” Ouvi sua voz dizer, mas eu só conseguia prestar atenção nas suas risadas. Ele definitivamente não sentia dor. Ele não parava de rir! E nada disso era tão engraçado assim...
De repente, me vi com uma incontrolável vontade de gargalhar, soltando risadas abafadas. Meu pulmão já começava a dizer ‘pare, agora!’, as dores nas costelas começando seu ritual, porém eu não me importei. Continuei a rir, sem me importar, acompanhando Oliver da minha melhor forma.
“Ei, quer saber?” Ouvi ele dizer entre seus sorrisos. “Vem comigo, quero te mostrar uma coisa.”
“O fato de eu saber que és um selecionado e o seu nome não faz de você menos desconhecido.” Tentei parecer séria, meu sorriso largo estragando minha atuação. “Pra onde vamos?”
“Bom,” Ele começou, um brilho se instalando em seus olhos. “uma selecionada fugitiva precisa de um bom esconderijo.” 


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Notas finais do capítulo

A doença que a Calian tem chama-se Fibrose Cística, também conhecida por Doença do Beijo Salgado (tem esse nome por conta da pele que, em alguns casos, é um pouco salgada!) Fiquei sabendo dessa doença através de um vídeo clipe da música I Lived que acabou chamando minha atenção, onde então surgiu-se a ideia de criar a Calian. Não sou uma especialista na doença (obvio!), e tudo o que sei é por meio de pesquisas que fiz no nosso amigo Google. Então, se encontrarem alguma informação errada, me avisem!
Uma coisa que me incomoda um pouco em A Seleção é essa questão do "as mais belas" serem escolhidas. E no meio de toda essa minha procura sobre a doença, encontrei uma página de um fotógrafo que fez exatamente isso; Mostrar a beleza das mulheres que tem essa doença. Achei um trabalho incrível dele, e pra quem se interessar em visitar o site e conferir o ensaio fotográfico, aqui o site: http://www.ianpettigrew.com/salty-girls.html
É isso, gente! ^^ E lembrem-se, todas nós somos lindas e lindos. Todas merecemos ser selecionadas.
#EuSouSelecionada #ACaçadaDosSelecionados



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