Maddie Em Ação escrita por Uma Qualquer


Capítulo 3
Fanfarrões


Notas iniciais do capítulo

Atrás do trio elétrico só não vai quem é tetraplégico ou metaleiro.



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Faltava uma semana para o carnaval, e a escola estava em polvorosa. Ou pelo menos, a parte dela que se importava.

Nesse caso estamos falando da Fanfarra Montada.

Era tradição da escola botar sua charanga particular na rua, quando boa parte dos habitantes da cidade tinham viajado para curtir o carnaval em locais mais glamorosos. A charanga atraía velhinhos, cães de rua e crianças catarrentas, que dançavam e brincavam como se não houvesse amanhã. E num momento em que praticamente não havia concorrência das outras escolas, era o momento da Maddie brilhar.

Naquele ano os integrantes da fanfarra estavam celebrando um ano de trégua com a orquestra sinfônica municipal. Ambos usavam o mesmo conservatório para praticar, mas os integrantes da orquestra detestavam os da fanfarra, por motivos puramente elitistas. Mas a Maddie havia conseguido uma conciliação entre os dois grupos, graças a uma ajuda inesperada: Hugo, o irmão caçula da Maddie.

Aos onze anos, Hugo era um poço de candura e bondade, tendo todo o coração que a Maddie não tinha. Depois de se destacar na fanfarra tocando trompete, ele surpreendeu o maestro da sinfônica com seu talento, e agora fazia parte dos dois grupos. Toda a sinfônica aceitou o garoto com um pé atrás, porque além de ser da fanfarra ele era irmão da Maddie, uma pilantra renomada. Mas era difícil não gostar do Hugo, então eles acabaram aceitando o garoto mesmo com reservas.

O Hugo tinha acabado de voltar de uma aula prática de luta livre que o Koba tinha resolvido lhe passar, quando ouviu a voz da coordenadora vindo da secretaria. Ele não era um menino enxerido, mas as palavras “fanfarra” e “mascote” ditas com seriedade lhe despertaram preocupação.

— Por que chongas esses meninos querem um mascote? Já não basta a tal da fanfarra ser montada?

— Em países mais civilizados, uma “fanfarra montada” geralmente trata de integrantes sobre cavalos – o assistente comentou distraído.

— Hah! Se tivéssemos que contratar cavalos, teríamos que cortar a merenda escolar por três anos. Mas afinal, de quem foi essa ideia disparatada? Espera. Não precisa responder.

Ela deixou escapar um longo suspiro. – Tudo que eu queria era ver minha escola de samba desfilar ao vivo uma vez na vida... Mas pelo jeito vou ter que adiar esse sonho por mais um ano, ou esse lugar vai ter virado um curral quando eu voltar.

Um toque de telefone, e segundos depois o assistente avisou:

— Chefe, a fantasia do mascote já chegou.

— O quê? O mascote ainda vai usar fantasia?

— Desculpa, eu me expressei mal. A roupa de mascote é a fantasia.

— Ah, que seja. Avise que estou indo buscar.

Hugo deu um pulo quando a porta da secretaria se abriu de supetão.

— Oh, Huguinho– a expressão dela amenizou ao ver o garoto. Ela se abaixou e afagou os cabelos negros dele. –Está sem aula?

— Sim, a profª de geografia quis adiantar o recesso de carnaval.

— Claro. Ela ainda tem salário do ano passado pra receber, então esse recesso vai ser um pouco longo... Enfim. Procure ficar na sua sala, e tente não se tornar um delinquente como a sua irmãzinha, certo?

Ele assentiu e obedeceu imediatamente. Mas antes de chegar à sua sala, lembrou de passar na sala da Maddie e contou para ela tudo o que acabava de ouvir.

— Hmmm. – Ela passou a mão pelo queixo, alisando um cavanhaque imaginário e maligno, e totalmente inadequado. – Quer dizer que a fantasia chegou. Agora, só falta o nosso mascote contratado experimentar, e a fanfarra desse ano vai ser um sucesso total.

— ...Mascote contratado– indagou a Paulinha. –Quem contratou?

— Eu, oras. Mandei o pedido no formulário da secretaria. Uma fantasia + uma pessoa pra usar.

— Eu só ouvi eles falando da fantasia– o Hugo disse.

— Sério que você conseguiu contratar alguém pra usar essa droga? – o Jonas riu. –Em pleno verão? No meio da bagunça da fanfarra?

A Maddie sentiu todas as suas certezas se abalarem, mas não deixou que os amigos percebessem. Empinou o nariz e anunciou que tinha assuntos ‘de negócios’ a tratar com a coordenadora, e rumou para a secretaria.

O toque do intervalo havia acabado de soar, e um jogo confuso de basquete e esconde-esconde ocupava o pátio. Maddie atravessou o espaço como uma ninja, desviando da bola e dos pegadores que corriam soltos atrás dos outros jogadores. Estava sem fôlego quando alcançou a secretaria, e ao abrir a porta, perdeu o ar de vez.

A roupa de mascote estava sobre a mesa da coordenadora. O assistente examinava a cabeça, pensativo.

— Isso é um macaco, certo?

Era um macaco. Cabeça de macaco, orelhonas de macaco, corpo de macaco, braços compridos de macaco, rabo de macaco. Pra que não houvesse dúvidas, costuraram uma banana estufada com espuma numa das mãos.

— Mas... Mas eu pedi um bode!

— Pois é– a coordenadora deu de ombros. – Estranho seria o pessoal da Cultura enviar exatamente o que foi pedido a eles.

— Mas o que eu vou fazer com uma roupa de macaco?!! Será que eles não entenderam a importância da droga do mascote de bode?

— Nem a gente entendeu, pra falar a verdade.

Maddie respirou fundo. Em momentos de crise, manter a calma era fundamental.

— Tudo bem– ela deu de ombros. – Ótimo. É isso que se ganha por querer inovar e tirar a escola da lama do esquecimento em que ela chafurda pelo resto do ano.

A coordenadora revirou os olhos. O assistente repousou o queixo sobre a mão, assistindo com atenção a aquele interessante espécime humano dar um chilique.

— Você queria um mascote, está aí– a coordenadora estalou a língua, irritada. –Garanto que no meio de uma festa de carnaval, ninguém vai dar a mínima pra que animal é o mascote da banda.

— Acontece que essa dita banda não monta em macacos quando vai se apresentar, senhora coordenadora.

— Ah, sim– ela deu um riso sarcástico. –Porque uma banda de fanfarra montada em bodes é muito menos absurdo.

— Mas é a realidade– Maddie arrematou. Pegou a cabeçona de macaco e examinou seu interior. –E cadê a pessoa que vai vestir essa coisa?

A coordenadora piscou. –Desculpe, quem?

Sem acreditar, a menina a encarou. – Você tá de brincadeira. Tá, não tá?

— Pois eu achei que você é quem estava. Tem ideia de quanto custou essa coisa? Achou mesmo que a Cultura ia liberar verba pra mais alguma exigência sua?

— Mas eu posso pagar! Eles não precisam liberar verba nenhuma!

— Ótimo, então saia atrás de alguém que se disponha a ficar dentro desse forno por uma tarde inteira. Porque eles não achariam alguém, nem que quisessem pagar por isso.

A Maddie olhou para a coordenadora, cheia de rancor. A solução era óbvia e ela sabia, porque ninguém seria louco de usar uma fantasia de lona e pelúcia pra pular o carnaval. Ela também não era louca, não a esse ponto.

Mas aquele era um tempo de desespero.

— Vou ver como ficaram as medidas– ela agarrou o corpo e a cabeça do macaco, saindo da secretaria feito um furacão.

O assistente e a coordenadora se entreolharam, incrédulos.

— Ela vai...?

— É, ela vai.

Maddie rumava para o banheiro furiosa. Só o que faltava agora era alguém pegar ela usando a merda da roupa de macaco. Ela avistou o irmão sentado num banco e gritou por ele.

— Você vai ficar na porta– instruiu quando ele se aproximou. –Não deixe ninguém entrar. Use de todos os meios pra manter esse banheiro livre de acesso. Entendeu bem?

— Sim– ele bateu continência. Era um irmão muito obediente.

Para o azar da Maddie, obediente até demais.

Quando ela tinha acabado de se enfiar dentro do macacão que... Bem, era o corpo do macaco, ouviu gritos e uma balbúrdia se seguiu exaltada. Ela retirou a roupa às pressas e chegou na porta do banheiro. Metade da escola rodeava o seu irmão, que olhava de volta para eles aturdido, e uma menina que estava caída no chão, o nariz pingando sangue.

— Meu Deus Kobayashi, depois desses anos todos? – A coordenadora tinha certeza de que tinha sido ele, mas ao não encontrá-lo em lugar nenhum, encarar Hugo e sua cara de culpado e o punho manchado de sangue, seus ombros caíram em derrota. – Huguinho... Foi você?

— Eu não podia deixar ela entrar no banheiro– ele murmurou tristemente, encarando o sangue em seu punho. –Foi necessário.

— Eu sabia– a garota nocauteada gritou para ele. – Tinha que ser irmão daquela doida varrida! Você nunca mais vai pisar os pés na nossa orquestra!

— Putz que pariu– a Paulinha murmurou. –Ela é da sinfônica.


Como resultado óbvio, o maestro teve que expulsar Hugo da orquestra. A trégua estava oficialmente rompida, e a fanfarra tinha que ceder o conservatório por tempo indeterminado. A flautista derrubada por Hugo não tinha sofrido nada além do rompimento de um vasinho sanguíneo no nariz, mas de algum modo a questão estava sendo tratada como se ele tivesse aleijado a garota.

— Não podemos ensaiar em lugar nenhum– disse o condutor da fanfarra a Maddie. –Sei que concordamos com a sua ideia do mascote, mas se eu soubesse que tudo ia acabar assim...

— Calma, nem tudo está perdido– ela retorquiu, como se estivesse tentando convencer a si mesma. Afinal, suspirou fundo e se decidiu. –Só há uma coisa a ser feita.

Os membros da orquestra tinham levantado das cadeiras, surpresos. Um silêncio sepulcral tomava o conservatório.

Maddie e Hugo estavam de joelhos, as cabeças encostadas no chão.

— Sentimos muito– ela exclamava solenemente. – Agimos com o desrespeito característico de um grupo de baixo nível musical como a fanfarra, mas estamos dispostos a corrigir esse erro. Sabemos que não podemos repor o sangue e recompensar o sofrimento de vossa preciosa flautista. Por isso, estamos aqui à vossa disposição, para o que façam o que acharem melhor de nós.

O maestro não podia deixar de rir por dentro. Aquela menina era uma figura. Só ela podia se humilhar na frente dos membros da orquestra, e ao mesmo tempo tirar com a cara deles.

— Podem levantar– disse em tom conciliador. – Apreciamos o seu gesto. Primeiro, digam o que pretendem no momento.

— Nada de muito exigente, senhor– Maddie respondeu curvando-se. –Só precisamos do conservatório por uma semana. Depois do carnaval, ele está à disposição de vocês.

— Parece justo – o maestro concordou, e então voltou-se para os outros membros. –Alguém tem mais alguma exigência?

O primeiro violino se apresentou. Cochichou algo ao ouvido do maestro, que assentiu e juntou-se a Maddie e Hugo. – Eles não estão contentes de a fanfarra ter um mascote, e eles não.

— Podemos providenciar isso– a Maddie sorriu amistosa, dando um tapinha no ombro do Hugo.


Então chegou o dia, e a fanfarra desfilou alegremente pela cidade.

Como de costume os integrantes vinham montados em bodes. Ninguém sabia quem tinha iniciado aquela tradição esquisita, mas o fato era que fazia muito sucesso. Bombos e tubas, surdos e marimbas, pratos e cornetas, todos eram tocados em cima dos pobres animais, que precisavam usar protetores de ouvido para não saírem desembestados pelas ruas por conta do barulho. Crianças e velhinhos e várias pessoas metidas a descoladas pulavam ao som do samba-frevo, usando colares coloridos e balançando pandeiros e chocalhos. A coordenadora, também usando protetores de ouvido, organizava os alunos mais novos que puxavam a fanfarra. O sol estava quente até poucos minutos antes de se pôr, e os vendedores de bebidas estavam muito ocupados no meio da multidão.

Uma das grandes atrações da charanga foi o seu mascote oficial, um macaco descoordenado que ora ameaçava cair na frente dos bodes, ora pulava como se pudesse sentir o calor do asfalto sob os pés. O bicho encantou as crianças que assistiam o desfile, e o condutor da fanfarra já imaginava a possibilidade de lucrar com bonequinhos do mascote. Quando a noite caiu, a fanfarra tocou a saideira e todos foram para casa descansar.

Maddie passou a quarta-feira de cinzas largada na cama, sem forças pra apanhar um copo d’água. O Hugo cuidou dela diligentemente, e num certo momento do dia, atendeu um telefonema que chegou para ela.

— É o Jonas– ele lhe passou o telefone.

— Então, como tá a reidratação? Ouvi dizer que água de coco é uma maravilha.

Antes que a Maddie xingasse um nome bem feio ele acrescentou: –Sua última proeza saiu na gazeta da escola, já viu?

O Hugo trouxe o notebook até ela. Maddie abriu a página do informativo, criativamente chamado de Gazeta da Escola. O jornal era comandado por uma equipe de veteranos da escola, e dentre eles, Ivan. Era ele quem assinava a matéria sobre a fanfarra.

— O que foi que aquele cérebro de pitanga escreveu dessa vez...? –ela murmurou, alisando seu cavanhaque inexistente e definitivamente não apropriado.

Mas dessa vez, ele parecia não ter brincado em serviço. Começou dando uma indireta no prefeito, que havia ido festejar o carnaval em Nova Orleans, e narrou como o festejo havia trazido vida à cidade (embora os bodes a tivessem sujado consideravelmente). Por fim, salientou a presença do macaco-mascote, simbolizando o animal chinês que regeria aquele ano, e como ele alegrou ainda mais o desfile.

— Sério? –ela riu, surpresa. – Animal do horóscopo chinês? De onde ele tira essas coisas?

— Mas é verdade– Hugo murmurou. –Estamos no Ano do Macaco.

— Aposto que ele me detonaria feito um rojão se soubesse que eu estava dentro daquele mascote – Maddie fechou o notebook e entregou de volta ao irmão. – Bem, tanto melhor.

— Aliás Maddie, já terminei a fantasia da mascote da orquestra– ele exclamou.

— Sério? Deixa eu ver.

Ele trouxe a cabeça do macaco. Era o mascote da fanfarra, com a diferença de que havia um laço vermelho enfeitando uma das orelhas.

— Fiz como você mandou.

— E ficou ótimo – ela sorriu em aprovação. –Já que você não pode mais tocar na orquestra, ao menos pode ser o mascote dela, certo?

Ele colocou a cabeçorra e saiu pulando pela casa.

Maddie deitou a cabeça no travesseiro. Os pés estavam cheios de bolhas e as pernas pareciam ter virado água, mas ela estava contente.

Se aquele era o ano do macaco, era um ótimo sinal para ela, certo?


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Notas finais do capítulo

Maddie especial de carnaval!
Quando comecei essa história ano passado eu tinha esse cap na cabeça, mas faltava a inspiração certa. Ela apareceu hoje à tarde, depois que vi a charanga da cidade passar pela minha rua :3
A você que leu, meu muito obrigada! Se puder deixar um comentário, duvida, opinião, sugestão ou apenas um OLAR, fique à vontade, inclusive adoro! Té maisinho :***



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