- Eu sinto falta dos meus cachorros. – disse Will olhando para as “camas” vazias pelas casas, e depois voltou o seu olhar para Hannibal. – Eu não vou sentir a sua falta. Não vou te encontrar. Não vou te procurar. Eu não quero saber onde você está ou o que está fazendo. – Will respirou fundo. – Eu não quero mais pensar em você.

Hannibal desvia o olhar, antes de responder.

- Você se deleita com fraqueza, e então se repreende pelo deleite.

- Você se deleita. – Will o corrige. – Eu tolero. Eu não tenho seu apetite.

As palavras simplesmente saíram, porque ele sentiu a terrível necessidade de se libertar de Hannibal, de uma vez por todas.

Aquele homem, sentado na sua frente, tinha mudado completamente a sua vida. Eles tinham se tornados obcecados um pelo outro. Tudo isso por se entenderem e se aceitarem como mais ninguém no mundo.

Separados, eles eram miseráveis. Ambos passaram muito tempo vagando na Terra, sozinhos. Por serem únicos demais, e terem uma mentalidade específica e elevada demais. Will se sentia como se fosse um jogador de xadrez, um ótimo jogador, mas o único no mundo. E de repente, ele foi apresentado a alguém que também sabia jogar. Finalmente tudo fez sentido, bom, por um tempo.

Hannibal não era bom para ele. Will sabia disso. Ele trazia de si, fazia com que se revelasse o lado sombrio de si mesmo que tanto tentara esconder. Até as partes escuras que ele nem sequer sabia que existiam, apreciam quando ele estava na presença do psiquiatra.

Com os olhos pesados, e a respiração irregular, as palavras saíram, doendo mais do que ele imaginava que doeria.

- Adeus, Hannibal.

Isso surpreendeu Hannibal. Porque Will tinha essa capacidade, desde o primeiro momento em que se conheceram, ele sempre o surpreendia.

Para Hannibal, as pessoas sempre foram quebra-cabeças fácies demais para resolver. Geralmente com uma conversa, ele já decifrava a maioria, e até quando encontrava uns mais complicados, nunca demorou muito para que ele entendesse a pessoa. Mas Will era diferente, e um lado seu gostava disso. O modo como ele nunca seria capaz de prevê-lo completamente.

Além disso, Will tinha a capacidade única de compreendê-lo, e por mais incrível que pareça, mesmo podendo enxergar por trás da máscara, através da alma sombria de Hannibal, conhecendo tudo de ruim que havia nele, Will conseguia ignorar essas coisas, e o aceitava. E quem entre nós não quer entendimento e aceitação? Em outras palavras, quem entre nós não quer um amor incondicional? Embora esteja mais para um amor doentio, quando se tratava de Will e Hannibal.

Depois de olhar Will por mais alguns segundos, Hannibal saiu do quarto, onde tinha passado horas olhando o seu precioso Will. Ele tinha o salvado das mãos de Mason, porque prometera a Alana, e por se importar demais com ele para deixá-lo para trás.

Tinha o carregado nos braços, trocado a sua roupa e cuidado de suas feridas. Hannibal o colocou na cama, e o observou por um longo período, até resolver sair para ir falar com Chiyoh.

Chiyoh. Ela estava esperando Hannibal do lado de fora, e quando percebeu o seu olhar distante e triste, vendo que Will não tinha saído junto com ele. Ela soube, e quis empurrar Will do trem novamente por isso.

- Você não vai embora.

- Ainda não decidi. – ele respondeu.

Ele realmente poderia ir para longe e perder de vez a sua ligação com Will? Ele poderia se afastar tanto dele a esse ponto? Temia não poder.

- Se você ficar...

- Eu sei o que vai acontecer. – ele sorriu, tristemente. – Mas como eu poderia deixá-lo?

Ela suspirou pesadamente. Não conseguia entender como ele tinha se levado levar por sentimentos assim. Logo Hannibal. Além do mais, ela tinha conhecido Will, e ele era um pé no saco.

Parte era ciúme, parte proteção, e parte raiva por Will ter a libertado de seu prisioneiro. A vida fora da sua antiga casa, o mundo ali fora não era do jeito que ela queria, era cruel e o culparia eternamente por ter que conhecê-lo de novo.

- Por que, Hannibal?

Ele a olhou por um longo momento, antes de responder. – Todos fazem coisas estúpidas por amor. Até o mais inteligente de nós.

Chiyoh o deixou para trás. Ela ficaria de longe olhando ele se entregar, porque precisava ver com os próprios olhos que ele realmente o faria. Hannibal torceu para que ela não matasse Will por isso.

Ele fechou os olhos, e foi para o seu palácio mental. Caminhando em seu consultório, onde não pisava há meses, caminhando em Florença... E em todos os lugares que ia, mesmo em sua cabeça, sentia a presença de Will.

Não entendia exatamente o porquê, mas até quando estavam separados, ele tirava alguns minutos do seu dia para imaginar Will sentado em uma poltrona na sua frente, conversando e rindo ás vezes, de piadas internas que só Will acharia graça. Eles estavam unidos. Eles se completavam.

O barulho dos carros o despertou de seus pensamentos. Viu de longe Jack saindo do carro, e Will indo até a varanda dizer que “Ele partiu”. Will usava os óculos agora, se perguntou o que isso queria dizer. Respirou fundo, antes de se levantar e caminhar até os policias.

- Jack. Eu estou aqui. – disse alto e claro, fazendo todos os olhares se fixarem nele. Andando com as mãos atrás da cabeça, se ajoelhou na frente de um Jack surpreso, ainda evitando olhar para Will. – Finalmente pegou o Estripador de Chesapeake, Jack.

- Eu não te peguei. – disse Jack o encarando, embora ainda soasse vitorioso. – Você se rendeu.

- Eu quero que você saiba exatamente onde eu estou. – disse Hannibal, e completou, olhando diretamente para Will. – E onde você pode sempre me encontrar.

Will estava surpreso, obviamente. Ele nunca imaginaria que ele ter rompido relações com o Hannibal faria com que ele se entregasse. Ele realmente era louco o suficiente a esse ponto? Foi nesse momento que ele percebeu o efeito que tinha sobre Lecter.

Não conseguiria ficar ali o encarando, sendo levado pelos policiais. Então, virou-se e entrou na casa de novo.

Enquanto Hannibal era levado, com a voz de Will ecoando em sua cabeça. “Você acredita que pode me mudar, do jeito que eu mudei você?” “Eu já mudei”.