Sabor de Sangue escrita por Angie


Capítulo 17
Capítulo 14




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Era verdadeiramente incrível o modo como Erin podia passar diferentes impressões dentro de um espaço tão curto de tempo. Após os gritos, o silêncio cobriu a sala como um pesado manto e enquanto a expressão de fúria era substituída pelo nada, a mão dela apertou o celular com tanta força que Hyden o ouviu trincar antes que ela o atirasse com ainda mais força para o outro lado da sala. O som de vidro se estilhaçando foi o próximo a ser ouvido.

— Eu gostava daquele porta-retratos – Gabriel comentou, mesmo sem olhar a peça atingida. – Acho que você ouviu alguma outra coisa da qual não gostou, estou certo?

— Você pode dizer isso – ela murmurou, agarrando sua bolsa. – Preciso ir agora.

Antes que pudesse sequer entender o que estava fazendo, Hyden levantou do chão e segurou o braço dela, impedindo-a de ir.

— O que aconteceu?

— Aconteceu que eu acabei de me dar conta de que sou uma aberração ainda pior do que eu pensava – respondeu, olhando fixamente a mão dele em seu braço. Deu dois passos para trás, em direção a porta, e ele foi com ela. – Eu simplesmente preciso ir.

Isso não parece nada bom, pensou. Foi tão automático que ele não soube discernir se o que estava sentindo era preocupação ou desconfiança.

— Você quer dizer que não pode…

— No momento, eu não posso fazer o que eu quero, Hyden. Elora ordenou que eu fosse pra casa, ela disse um nome que eu sequer conhecia, mas eu sinto que ele é meu. Tem algo como um elo me prendendo a ele, me obrigando, sequer estou conseguindo pensar direito. Você tem ideia do que acontece com um fae quando ele não obedece uma ordem?

— Por favor, me diga que está mentindo – Hyden não pensou que fosse capaz de pedir o que quer que fosse a ela, mas no momento se viu obrigado a fazer aquilo. Ele não queria que fosse verdade. Porque tudo estava parecendo piorar exponencialmente em um curto período de tempo. Novamente.

— Está doendo – ela disse sem qualquer tom particular na voz e Hyden soltou seu braço. Erin suspirou. – Eu não quis dizer isso. Ficar aqui, dói. Enquanto eu não obedecer essa ordem, a dor só vai piorar. Já vi isso acontecer antes e nunca pareceu nem um pouco divertido.

Erin fechou os olhos com força e deu-lhe as costas, então balançou a cabeça, como se quisesse se livrar de um pensamento ruim.

— Há algo que estou deixando escapar – disse, como que para si mesma. – Tchauzinho, menino bonito, continuamos nossa conversa depois. Isto é, se você quiser falar algo ao invés de deixar toda a palavra com seu irmão. Tchau, Gabriel.

Ainda de costas, Erin acenou para eles com a mão que não segurava a alça da mochila e se encaminhou em direção a porta.

— Ela não é uma fae – Hyden murmurou para si mesmo, assim que a viu sair.

— Não é – Gabriel ecoou. – Mas isso não deixa de ser interessante.

Hyden suspirou.

— Diz o cara que ficou em silêncio ao ouvir uma maluquice dessas.

— Ei, cara, ainda estou tentando digerir a ideia. Não vai atrás dela? Você é o noivo.

— Não sou.

— Tem que admitir que está preocupado. Você é bom demais para não ter ficado.

— Isso não me obriga a nada. Além disso, não quero me meter onde não…

A porta voltou a ser aberta abruptamente e Erin entrou com uma expressão estranha e raivosa.

— Quer saber? – perguntou, cruzando os braços de frente ao peito. – Mudança de planos, vocês vem comigo.

Gabriel sorriu para Hyden.

— Aí está sua permissão, maninho. Vamos fazer uma visita a sua sogrinha – passando por ele e indo em direção a uma Erin obviamente mal-humorada, ele concluiu: – Isso vai ser muito divertido. Eu não me canso de vocês dois.

♥♥♥

— Será que dá pra parar de parecer tão desconfiado? – Erin perguntou entredentes. – Isso está me deixando louca.

Hyden a ignorou e olhou em torno enquanto Erin continuava a caminhar em direção a sua casa. A pressão, a dor que estava sentindo, diminuía significativamente a medida que cobriam a distância. Mas não era na dor que ela estava pensando realmente, procurava apenas se apegar o máximo possível a maneira como o fato de Hyden agir tão cautelosamente em torno dela a estava deixando louca do que continuar vendo aquelas imagens. Chamar Hyden e Gabriel não tinha com o propósito de confrontar Elora de uma vez, o problema é que ela acreditava que poderia desmaiar a qualquer momento.

Havia tanto sangue. No instante em que pisou fora do apartamento dos garotos as imagens passaram por sua mente numa sucessão de flashes tão violenta que ela achou que fosse vomitar. Estar acostumada a caçar não era nada comparado com aquilo.

O que ela viu… o que ela sabia… eram apenas motivos para que sua raiva aumentasse ainda mais.

“Ira despertou.”
“Você devia ter contado a ela antes. Sobre Angela.”
“Isso não foi uma luta, foi um massacre, Elora.”
“Temos que começar tudo do início.”
“O pecado a está corrompendo. Três já foram. Uma hora ou outra ela terá que saber.”
“Em algum momento, ela irá quebrar.”

O que diabos era tudo aquilo?

Sem diminuir o passo, Erin abriu a mochila e retirou um caderno espiral e uma caneta de dentro, então voltou a fechá-la.

— Gabriel – chamou, olhando de relance para ele. – Não me deixe ser atropelada, ou algo parecido, está bem?

— O que você…?

Ignorando-o, ela abriu o caderno e começou a escrever, ainda que continuasse andando. Seus sentidos estavam sendo tão preenchidos pelo ódio que tentar se focar em algo que não parecesse irritante, no momento era uma ótima ideia. A única outra coisa, que não fosse o caminho para casa, da qual ela estava consciente era da atenção que Hyden estava lhe atribuindo cada vez mais. Ele devia estar sentindo seu tormento, era quase uma certeza. E por mais estranho que lhe fosse, por mais desagradável que pudesse parecer, ela se sentia até mesmo um pouco agradecida. Porque sabia que se suas emoções assumissem e ela tentasse fazer algo irreparável, talvez ele pudesse impedi-la. Talvez.

E Erin também sabia que poderia sim chegar a esse extremo, pois agora lembrava. Lembrava que segredos, eram as únicas coisas no mundo além de traição que ela não perdoava e indo contra toda sua crença, Elora tinha escondido mais do que ela podia perdoar.

Parando de escrever, olhou de um lado para o outro. A mágica que a amarrava ao seu nome instintivamente a puxava na direção certa, guiando-a pelo caminho que passara a apenas poucas horas antes. De repente, Erin parecia conhecer aquele lugar como a palma da sua mão. Semelhante a quando caçava, quando o cheiro do sangue da criatura que perseguia a guiava até sua presa. A ideia era desnorteante.

Quando as ruas foram se tornando cada vez mais e mais vazias, quando a distância entre ela e Elora se tornava cada vez menos existente, Erin sabia que, tal como ela, Elora já devia ter sentido sua presença. Por isso, que assim que a porta foi arremessada aberta e Elora saiu agilmente para o lado de fora com facas em punho, não foi surpresa alguma que ela tenha se atirado sobre Hyden sem qualquer pergunta do porque ele estava ali.

— O que pensa que está fazendo? – Hyden perguntou, segurando-a pelos pulsos, sem motivo algum para esconder sua fúria, demonstrado tanto por sua postura, como por seu olhar.

O corpo de Erin começou a tremer inexplicavelmente e ela percebeu, vendo as tentativas de Elora de se livrar do aperto de Hyden, que talvez seu ódio tenha se multiplicado mais e mais depois de ver as ações de sua mãe, ainda que Hyden a irritasse profundamente uma boa parte do tempo.

O caderno caiu no chão.

Ela estava em casa, tinha cumprido a ordem, não havia qualquer amarra prendendo seu corpo agora. Cada grama de controle mental presente era seu corpo tinha se dissolvido, era totalmente irrelevante. Ao cair de joelhos, ela percebeu que se mundo repleto de orgulho se fechava mais e mais na escuridão de algo que teimava em se alimentar do desespero que ela só estava começando a conhecer.

♥♥♥

O problema não era a mulher furiosa tentando atingi-lo por todos os lados, era Erin. Segui-la tinha sido uma ideia pior do que Hyden imaginara, afinal. Principalmente porque desde o começo Gabriel se preocupara apenas em se afastar alguns passos e assistir o espetáculo em silêncio e Kaz estava recostado no batente da porta aberta, olhando para nada mais que uma Erin impotente que tinha caído de joelhos segurando as laterais da cabeça como se temesse enlouquecer e permanecia imóvel, aparentemente alheia a todo o resto. Ele não sabia porque, mas as emoções dela lhe pareciam tão evidentes que por um instante ele se deixou sentir pena… até que tudo sumiu. Aquela torrente de emoções tinha sido como algo físico, preenchendo todo local, uma força obscura empurrando-o para baixo, incomodando-o como uma dor de cabeça, que de forma impressionante sumiu de um segundo para o outro, surpreendendo-o, ao ponto de fazê-lo afrouxar seu aperto nos pulsos de sua oponente.

Hyden percebeu que abriu uma brecha apenas no momento em que seu corpo foi empurrado para baixo com força e a dor preencheu todos os seus sentidos, uma ardência irradiando de seu ombro, onde Elora cravou uma das facas. Com um joelho sobre o peito dele, o outro prendendo seu braço esquerdo e o direito quase incapacitado pela dor, Hyden se encontrava nada menos do que imobilizado, com uma faca em seu pescoço e outra enterrada em sua carne. O calor do sangue lhe era tão familiar quanto foi o do fogo azul que consumiu a faca, saindo de sua ferida. Hyden sorriu cinicamente ao ver a expressão desagradável de Elora, ao puxar a mão para trás.

— Você é uma mulher miserável – ele disse, ainda sorrindo com ironia.

— E pelo que vejo, você é realmente filho de seu pai – as palavras dela, cheias de desprezo, foram o suficiente para fazer seu sorriso desaparecer. Ele entendeu muito bem o que ela quis dizer com aquilo.

— Não me compare aquele homem.

— Suma daqui, moleque.

— Não lembro de obedecer suas ordens, senhora. Agora vamos acabar com a brincadeira.

Hyden estava pronto para usar sua força, girando o corpo para derrubá-la e tirar-lhe aquele ar de superioridade, quando, num borrão, algo acertou a lateral direita da cabeça de Elora, que foi atirada de lado, tateando o chão as cegas. Um cheiro de sangue que não era dele, preencheu o ar.

— Não seja tão sedenta, mamãe, o seu assunto é comigo, certo?

Ao se levantar, Hyden tentou comparar a Erin a beira do desespero que ele tinha visto anteriormente, com o que estava naquele momento ao seu lado, empunhando um par de facas similares às de Elora e sorrindo como se o ferimento que causara a mãe não fosse nada.

— O que é isso? – ainda no chão, Elora inclinou a cabeça, olhando-a por entre olhos estreitos. A posição que se encontrava e o sangue manchando o lado de seu rosto e pescoço, davam-lhe uma aparência de certa forma indefesa. – Kaz…

— Levante-se, “mamãe”. – Erin simplesmente ordenou.

— Kaz – ela continuou, ainda olhando fixamente para Erin –, eu espero que você esteja pensando em alguma coisa, porque…

— Eu estou – a voz tensa do príncipe Unselie foi quase inaudível.

— Afaste-se – Hyden quase não reagiu ao ouvir a voz de Gabriel pela primeira vez desde que chegaram ali e sentir o mesmo puxá-lo pelo cotovelo. – Continue observando.

— Levante-se, Elora! – o tom de Erin voltou a mudar, puxando a atenção de Hyden de volta para ela. Era apenas uma ordem fria.

Era como se ele a estivesse vendo com outros olhos, ou de um ângulo completamente diferente a cada vez. Era apenas como se aquela garota complicada lhe parecesse mais fraca a cada instante, ainda que suas mudanças de humor, tais como tristeza, ironia e frieza, pudessem torná-la algo ainda mais perigoso.

Cautelosamente, Elora a obedeceu, não desviando o olhar por um segundo. O corpo relaxado e ainda assim alerta, tal como esperado de uma Hunter, demonstrava claramente que ela sabia o que vinha a seguir. Quando, sem hesitação, Erin avançou, Hyden não moveu sequer um músculo. Tal como disse Gabriel, ele observou. E não foi o retinir das lâminas se chocando, os golpes trocados em qualquer oportunidade ou o modo fluído como seus corpos se moviam, quase como uma meticulosa dança, que o fez estremecer. Foi o riso de Erin, propagando-se pelo ar, como se não tivesse outro lugar para ir.

Haviam alguns pontos que se destacavam muito bem naquela luta; Ambas conheciam as fraquezas uma da outra muito bem, era claro que tinham passado por situações similares por mais vezes do que ele podia imaginar; Havia também o fato de que Elora parecia estar dividida entre lutar seriamente e se conter para não machucar Erin de forma grave; E por fim, aquela era uma luta unilateral. Erin estava apenas brincando, sem se preocupar com mais nada.

O que está acontecendo?, perguntou-se, sentindo uma impotência atípica de si mesmo. Porque estava se preocupando com aquilo? Não era da sua conta.

— Faça isso – disse Gabriel calmamente. – Faça o que quer fazer.

“O que ele queria fazer”?

Hyden girou o ombro, incomodado por seu irmão lê-lo tão bem – e por entendê-lo melhor do que ele mesmo entendia a si próprio – e percebeu que sua ferida já havia se curado por completo.

Ele olhou para Elora, que havia perdido as facas em algum momento durante o tempo que ele passou perdido em pensamentos, agora com as mãos consumidas por chamas. Ela vocalizou um feitiço e então ele percebeu: por mais que o cheiro de sangue persistisse no ar e em seu corpo, a bruxa já não tinha ferimento algum. Até que, antes que ela pudesse se defender, Erin a chutou diretamente no estômago, fazendo-a dobrar-se ao meio. Quando tossiu, seu sangue manchou seus lábios e salpicou o chão, um filete descendo pelo canto de sua boca.

— Hyden?

Erin agarrou os cabelos vermelhos de Elora e inclinou a cabeça dela para cima, numa expressão que ele só poderia descrever como satisfação doentia.

— Eu sei, irmão. – Ele disse. – Definitivamente odeio Elora NightShade e o dia de hoje. Tenho certeza que vou me arrepender por isso.

Foi nesse momento que ele ergueu a mão direita e estalou os dedos.

E então, consumido pela cor cinza, o tempo simplesmente… parou.

— Se não fosse o fato de eu querer saber o que está acontecendo com Erin, definitivamente teria deixado essa mulher apanhar mais um pouco – comentou secamente, antes de se virar para Kaz. – E então? O príncipe irá oferecer uma luz para esses reles plebeus ou nós teremos que tirar as respostas de você a força?


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