Montanhas do Tibet, 1743.

Louco, estou certo de que a loucura havia me dominado finalmente. Sim, que outra explicação poderia ser dada, aqui sentado em uma rocha, olhando o pôr-do-sol, conversando com ela, que morreu horas atrás?

Eu a perdi... Jamais poderia tocar novamente em seus longos cabelos tão negros quanto a noite e nem desfrutar da doçura e do mel daquele corpo, que se tornava tão feminino em seus braços... Apenas para ele.

Não queria deixar de ouvir a voz dela, talvez por isso conversasse com minha amada, ali e agora. Olhei para o lado e ela estava ali, sentada, parecendo que admirava o pôr-do-sol também. Em seguida ela fitou-me e sorria exatamente como ela sempre fizera quando estávamos a sós em meus aposentos, em sua cama.

Pensei em desabafar, procurar em vão um conselho, qualquer coisa apenas para ouvir sua voz novamente.

E claro, não haveria ninguém ali para julgar-me por falar sozinho. Afinal, fui abandonado aqui, considerado imprestável.

Pensei em falar com ela sobre o fim deste dia, sobre tudo. E ela sempre ouvia com um sorriso nos lábios, com paciência. E continuei a falar, agora fitando o horizonte, dizendo o que havia abandonado, o que havia perdido, que não via nada a minha frente e desejava apenas morrer.

Ela me repreendeu. Era a única que fazia isso, sem medo.

-E o que devo fazer?-perguntei-lhe.

Falei do que fora dito a mim por um ex-companheiro, que perdi meu posto de Juiz e ela ficava em silêncio. Enfim, comentei com casualidade que, naquele instante, Atena já deveria estar no meio do caminho para chegar ao imperador e comecei a rir. Intimamente, estava desejando que ela fosse vitoriosa em sua jornada. E ela sempre ouvia com um sorriso nos lábios, com paciência.

Depois, perguntei se ela me amava. Ela riu, respondendo que sim e por que ainda perguntava por algo se sabia a resposta.

-Então, por que quando disse que queria ir com você, não me deixou?

Ela me dizia que não era ainda o momento. Que não podia deixar eu morrer. Que me amava, mas ainda não podia permitir que estivesse com ela.

Eu a fitei seriamente. Ela me fitava com serenidade, mas parecia querer segurar o desejo de chorar. Isso me surpreendeu. Jamais a vi chorar antes! As lágrimas não combinavam com seu rosto.

Voltei a lhe perguntar se acaso estivesse em seu lugar, o que faria? Continuaria a lutar ou desistiria de tudo só para ficar ao seu lado.

Ela não me respondeu. Não com palavras, mas seu olhar me dizia tudo. A minha pergunta a deixou entristecida. Ela sabia o quanto a dor, a culpa e a saudade me castigavam, e a minha dor era dela também.

-Você se lembra o que era antes de me conhecer?

Ela me perguntou, a sua pergunta direta me deixou desconcertado, e antes que eu pudesse responder, ela foi embora.

-Perdoe-me...-ele murmurou.-Já não sou mais aquele...

Talvez ela não estivesse ali. Estava certo de que tudo isso estava acontecendo em minha mente, que a loucura finalmente me dominava. Sim, estava louco...

Não importa. Ela estava lá e só fez isso para ficar ao meu lado mais um precioso instante. Ela era a única parte racional no Inferno. Foi a única razão para estar ao lado de Hades e sua lealdade durou apenas enquanto permanecesse viva.

E agora o que eu deveria fazer? Ficar ali sentado naquela montanha, esperando para voltar a conversar com uma mulher morta, ou...

"-Você se lembra o que era antes de me conhecer?"

Tomei minha decisão. Novamente por ela. E só poderia estar louco em fazer isso.

Sim, definitivamente louco.

Fim...