Saving Me escrita por Luuh Jaxn


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Vamos lá, sentem-se no sofá, deitem-se, tirem seus sapatos, coloquem os pés pra cima e me digam no fim se ficou legal. Ahahaha!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/635255/chapter/1

O relógio já marcava onze da noite.

A xícara de café já estava em seu fim e não havia nada que eu pudesse fazer que me distraísse a atenção, além de brincar com aquele cartãozinho em minhas mãos, da qual estava o número de Boo, ou Serena - minha melhor amiga na época de escola. É uma das amigas mais próximas que tenho e a que tenho mais orgulho, afinal, ela sempre esteve ao meu redor nas horas mais complicadas, como quando alguém vinha zombar de mim e ela me protegia, ou quando conseguiam ainda sim me importunar, ela vinha ficar comigo para dizer que tudo ficaria bem, que tudo se resolveria e que nada mais aconteceria comigo. Eu sei o quanto ela queria que realmente parasse, mas jamais iria cessar de fato. Quando se tem tudo o que tenho, intelectualmente falando, sua vida é apenas resumida a isso quando se está na escola, mas eu não ligava. Serena sempre estava ali, pra quando tudo parecia desmoronar, influenciando quase todas as minhas escolhas e era só isso que me importava naquele momento. Até entrar para o FBI foi por influência dela, que disse que se eu quisesse provar a mim mesmo o quão longe consigo ir, deveria ser de uma utilidade ímpar e que, de algum modo, deveria usar de toda a minha inteligência para salvar vidas, ajudar pessoas através de palavras ou ações, fazer o bem ao próximo e a diferença na família de pessoas que me pedissem ajuda. Ponderei que o FBI oferecia as quatro opções citadas por ela, e foi exatamente o que fiz, conseguindo enfim cumprir a promessa que fiz a mim mesmo alguns anos atrás, quando entrei para a Unidade de Análise Comportamental. Conheci pessoas, vi rostos, sofri com os primeiros casos mais do que qualquer coisa, me senti aterrorizado em certos momentos, mas havia encontrado uma família naquela equipe da qual jamais iria me distanciar, e estava mesmo seguindo aquele conselho tão útil em minha vida. Mas, como toda ação tem sua reação, eu e Serena perdemos contato no meio tempo em que me dediquei a encontrar-me na vida, pois precisei me mudar para Quantico, enquanto que ela ficou em Vegas.

Talvez seja coincidência do destino, mas algumas semanas atrás a encontrei na biblioteca pública da cidade, e, para matar a saudade do tempo em que nos separamos, fomos direto para o Q Town Cafe, onde ficamos horas conversando, contando o que havia acontecido de bom e ruim desde que deixei Vegas. Ela estava em Quantico por sua professora, da qual a mãe estava bem doente, e ela veio acompanhar. Contou-me que estava estudando dança e teatro na Academia de Artes de Las Vegas, e até disse que se apresentou em alguns cassinos algum tempo atrás. Estava tão feliz de ver que ela estava, enfim, conseguindo realizar seu sonho de criança, de conseguir ser uma dançarina profissional e futuramente reconhecida. Estava torcendo para que ela conseguisse seu reconhecimento, ela merecia. Muita conversa e risadas depois, Serena me deixou seu cartão - exatamente esse em minhas mãos - e, desde então, temos nos falado durante quase todas as semanas desde o encontro na cafeteria. Saudade era uma palavra que não conseguia, simplesmente, definir tudo o que eu senti por ela naquela semana, e ainda tinha aquela sensação de que devia contar a ela tudo - exatamente tudo - o que havia acontecido desde que vim para Quantico, nem que isso demorasse dias, semanas. Mas nesses últimos três dias, Serena não havia me ligado em nenhum momento, nem mandado mensagem ou alguma outra coisa, como costumava fazer. Não estava estranhando ao todo, pois ela poderia estar ocupada com a professora, ou quem sabe até voltando para Vegas numa viagem de última hora. Mas algo me dizia que tinha coisa errada. Para ignorar essa sensação, tentei resolver algumas equações, analisei alguns relatórios de casos recentes da UAC, só para que pudesse me distrair, mas estava complicado. Onze da noite e ainda não tinha conseguido me concentrar no que devia. Suspirei, esfregando os olhos, tentando expulsar aquele mal estar de vez. Levantando os olhos, vi a estante de livros, e corri os olhos rapidamente pelas prateleiras, escolhendo algum livro aleatório. Puxando-o, apenas comecei a ler, sem perceber o tempo passar.

Onze e cinquenta e nove há batidas em minha porta.

Quem poderia ser tão tarde da noite? Tentei ignorar o alerta vermelho de que havia algo errado do meu subconsciente, e, hesitante, peguei o revólver de cima da mesa de centro e caminhei para a porta. Sabia que isso era contra as regras do FBI, mas não podia simplesmente rejeitar aquele alerta de que havia perigo. Abri a porta do meu apartamento o mais rápido que pude. Não havia ninguém no corredor, exceto àquela carta no chão que trazia as letras do meu nome.

**

– Espera, espera, para! – gritei, forçando meu corpo a parar de ser puxado por Morgan, que me olhou completamente em pânico. – A carta! É isso, aquela carta que deixaram no meu apartamento, endereçada com meu nome...

– Com uma data. – Morgan disse um pouco aflito.

Alguns flashes tomaram meus pensamentos, tão rápidos que quase mal conseguia acompanhá-los. Lembrei-me, enfim, daquele fatídico dia em que Sneddon havia conversado com Serena sobre um possível relacionamento entre eles, mas ela não havia aceitado e rejeitou-o de um jeito tão desprezível que nem mesmo eu havia passado por tanta humilhação. Ao menos não daquele jeito, na frente de quase toda a escola.

– Sete de setembro de 1999, claro, foi o dia em que Serena desprezou Sneddon na frente da escola inteira... Sneddon queria começar um relacionamento com ela, mas Serena odiou a ideia pelo simples fato de que Sneddon vivia me perseguindo quase que todo o tempo.

– O fator estressante. – Hotch disse.

– Sim, isso. Por isso aquelas mulheres todas eram parecidas com Serena, sequestradas no dia sete, mantidas refém por sete dias até então... – travei, antes de completar a frase.

Já se fazia seis dias que Serena havia desaparecido, e se chegasse ao sétimo... Eu nem queria pensar.

– Dia sete, sete dias, sequestro a cada sete meses, é uma simbologia para Sneddon. – Hotch voltou a falar, o usual tom de seriedade. – Reid, você se lembrou da data, agora diz que se lembra de algo mais que possa ajudar a encontrar Serena.

Respirei fundo, enquanto Morgan me puxava para longe da casa em chamas, e deixei minha memória voar em lembranças, tentando tudo o que poderia ajudar a nos levar ao próximo passo.

– Não, eu não sei, mas... Tenho a impressão de que Sneddon levou Serena para o lugar secreto, escrito no diário que encontramos na casa dele.

– Por que acha isso? – Morgan perguntou.

– Ele diz no diário que o arco se abrirá na sétima alma, no lugar secreto, o ponto de inicio e enfim será o palco da vingança divina, que se fechará em sua própria carne e seu sangue.

– Então não estava falando de Serena na última parte. – Morgan concluiu.

Olhei para Morgan, que mal parecia respirar.

– Sneddon voltará à marca zero, e se suicidará após matar Serena. – Hotch disse, tomando minha palavra.

Ouvir aquelas palavras fez com que meu coração afundasse no peito. Fechei os olhos para espantar o desespero e voltar ao profissionalismo. Enquanto corria para o carro, disquei o número de Garcia, sendo atendido por ela quase que no mesmo instante.

– Jogue todos os seus pecados em mim, querido.

– Garcia...

– Reid? – ela perguntou, pigarreando em seguida.

Sabia que ela esperava Morgan, mas não havia tempo paraformalidades.

– Preciso que cheque para mim se ainda existe o antigo ginásio da Southern Nevada.

– Hmmm... Não, foi demolido alguns anos atrás quando a escola foi reformada.

– Droga. – falei baixinho. – Tudo bem... Tem que ter algum outro lugar... – divaguei mais uma vez, buscando pela memória. – Sete, sete, sete... Hmmm... Meu Deus, era esse o fim do número de telefone da casa dos Sneddon! Eles moravam a alguns quilômetros, em uma fazenda... Garcia, procure pela fazenda dos Sneddon, veja se ela ainda existe.

– Sim. – Garcia respondeu, segundos depois. – O proprietário original do lugar é Vitoria Sneddon, mas ela morreu há algum tempo e desde então é Zach quem cuida de tudo.

– Vitoria... Sete letras.

– Qual o endereço, Garcia? – Hotch perguntou, ao volante.

– Estou enviando... Agora.

Desliguei o telefone e aguardei a chegada à fazenda dos Sneddon quase afundado no nervosismo, temendo a vida da minha melhor amiga e confidente. Já estávamos no fim do sexto dia, era agora ou nunca. E tinha que ser agora.

Hotch enfim chegou à fazenda, estacionando o carro atrás de um arbusto afastado da sede, para podermos adentrar a casa sem que notassem nossa presença. Assim que o veículo entrou em estado inerte, desci o mais rápido que consegui. Morgan já havia tomado à frente, correndo silenciosamente para a porta principal; segui-o, enquanto Hotch dava a volta na casa. Ao entrar, revistamos todos os cômodos sem tocar em absolutamente nada, e não havia ninguém na casa. Já me encontrava em pânico total.

– Céus, onde está Serena? – choraminguei, quase sendo tomado por todo aquele desespero.

Morgan se aproximou, chacoalhando meus ombros com delicadeza, para que permanecesse em meu lugar.

– Vamos achá-la, Reid. Vamos achá-la, nem que seja a última coisa que faremos. Agora se acalma, e tenta se lembrar de alguma pista que possa nos ajudar.

Respirei fundo e coloquei minha memória para trabalhar novamente. Regressei o mais longe que consegui, em conversas passadas com Sneddon na adolescência. Sua voz ecoou rapidamente em uma de suas incontáveis ameaças, e, então, uma pequena chama de esperança se acendeu em meu peito.

– O calabouço abandonado na mata! Séculos atrás, essa fazenda abrigava uma fortaleza, e, com o decorrer dos anos, a família que aqui morava, antepassados dos Sneddon, foi decaindo em próprio desgosto, sendo que tudo foi destruído, só restando o antigo calabouço. Serena só pode estar lá.

– Qual a localidade exata? – Hotch tomou a fala.

– Eu... Eu não sei, nunca vim para cá. Sei disso porque havia boatos na escola que diziam que o calabouço era mal assombrado, então um dia eu resolvi apenas pesquisar pra saber, mas nunca vim aqui de fato. E Sneddon nunca disse sua localidade exata, apenas confirmou que existia sim e que ficava a um quilômetro dentro da mata.

– Está de noite, Reid, não vamos achá-la a tempo. – Morgan disse, num medo transparecido em sua expressão.

– Vamos ter que tentar. – Hotch voltou a dizer.

– Nós vamos tentar. Não irei sair daqui antes de encontrar Serena. – murmurei. – Não vou desistir dela, assim como ela não desistiu de mim quando eu estive em situações parecidas. Serena é tudo que tenho de bom... Não posso perdê-la. Não posso! – e minha voz falhou.

– Você não vai. – e o olhar de Morgan caiu sobre mim.

Olhei para ele, deixando transparecer toda a súplica de ajuda e suporte que eu precisaria para poder prosseguir na busca por Serena, e, como que por resposta, Morgan deu um aperto no meu ombro, antes de nos alarmarmos com um ruído nos fundos da casa. Dispersamos através da escuridão dos cômodos, percebendo que era Sneddon voltando para a sede, quase caindo do tanto que havia bebido. Em uma sequência de ação quase que sincronizada, Hotch e eu demos voz de prisão e Morgan o surpreendeu, algemando-o. Aquele lixo humano parecia se divertir nas custas do meu sofrimento. Afinal, seria esse seu grande prazer, ver Serena morta e eu afogado na amargura e culpa, por não ter chegado a tempo. Tudo fez sentido. Motivado pela raiva repentina e não agindo com toda a absoluta razão, agarrei o colarinho da camisa de Sneddon com toda a força que tinha, fazendo-o ficar ereto à força.

– Onde está Serena? – falei para ele, pausadamente, soando como um rosnado.

Deixei o olhar enfurecido cair sobre ele, mas não adiantou toda a ameaça. Sneddon estava rindo de mim, bem na minha cara. Ele poderia fazer aquilo quando éramos mais jovens, da qual eu não tinha motivos para agir com raiva em defesa, mas ele havia pego uma das pessoas mais importantes em minha vida, e eu não deixaria aquele riso barato. Apertei as mãos ainda mais no colarinho, agora lançando toda a minha raiva pelo olhar.

– Oh, olá Spencer. Há quanto tempo! – ele disse, ainda sorrindo. – Como tem andado a vida brincando de anjinho da lei?

O primeiro murro acertou o nariz de Sneddon em cheio, obviamente quebrando-o. Não estava brincando, e a raiva agia em meus impulsos. Morgan, imediatamente, trouxe Sneddon para trás, enquanto já fechava o punho para o próximo murro.

– Diga onde Serena está, agora! – gritei, soando o mais exigente possível.

Hotch tomou o controle da situação, forçando-me a soltar Sneddon, que ria novamente.

– Acalme-se, Reid. – Hotch disse, parcialmente entre mim e Sneddon.

– Ele não vai dizer onde ela está. – falei, quase gritando, o que, lentamente, tornou-se num choramingado. – Ele não vai dizer. Mas ele tem que dizer!

– Ele vai falar, contanto que se acalme. Fora de controle você não chegará a lugar nenhum.

– Como não? Serena está por aí e precisa de ajuda o mais rápido possível! – voltei a falar no tom quase gritado, tamanho o desespero; Hotch segurou em meus ombros, certificando que ficaria parado onde estava. – Não deixarei Serena à mercê da própria sorte, seria injustiça... Depois de tudo que passamos... Ela merece se salva! Me entenda, Hotch!

Ouvi o ruído da risada daquele desprezível e avancei em sua direção; Hotch bloqueou meu caminho.

– Você não está agindo com razão, Reid. Isso é trabalho para as autoridades agora, e não para violência. Não tem porque sujar suas mãos por algo tão baixo, portanto recomponha-se agora. Se permanecer nesse estado, serei obrigado a afastá-lo das investigações.

– Me afastar? – perguntei, totalmente incrédulo.

– Não me obrigue a fazer isso.

Desvencilhei-me das mãos de Hotch com agilidade e me afastei.

Morgan, do outro lado do corredor que levava para fora da casa, me olhava com piedade novamente. Sei que implorava para que me controlasse melhor, mas ele sabia que não estava em razão alguma, nem mesmo havia porque agir assim. Respirei fundo, e deixei lágrimas caírem de meus olhos.

– Eu não me importo se isso que farei custará meu emprego na Unidade, se serei processado, ou até mesmo exilado para fora de todo o território americano, não mesmo, mas eu irei procurá-la a todo custo, sozinho. Sneddon não vai falar tão cedo, e eu simplesmente não suporto mais esperar um segundo que seja. Não tente me impedir, Hotch. - e me afastei cada vez mais dele, indo em direção à porta de entrada.

– Reid...

– Vou encontrá-la. Nem que isso custe minha vida.

Dando as costas, caminhei em direção à mata fechada, além dos limites cercados da sede da fazenda.

Calculando da posição da residência, segui em direção ao sul, para dar a volta por trás do lugar, em direção a uma clareira. A lua iluminava todo o caminho, e mudei o curso para o norte, seguindo a luz do luar. Gritei por Serena, andando o tanto quanto podia. Foram minutos inteiros, quem sabe horas. Quando as esperanças já estavam se esgotando e a sensação de andar em círculos preenchia meu ser, ouvi pequenos ruídos e um baixo grito de socorro. Andei em direção ao som, que aumentava de pouco em pouco, até, enfim, encontrar o lugar em que Serena estava. Havia um portão de barras de ferro bloqueando a entrada, trancado a cadeado, e, ao sacar o revolver, atirei na direção do fecho, que se estraçalhou. Abri a porta de ferro com certa dificuldade, devido ao cansaço, e entrei no lugar abandonado, encontrando Serena deitada num canto de uma das 'salas', encolhida como uma criança. Estava cheia de hematomas pelo corpo, coberta de sangue, seminua e quase inconsciente. Corri até ela o mais rápido que podia, tirando meu casaco e colocando sobre seu corpo trêmulo. Lágrimas já atrapalhavam minha visão.

– Meu Deus, Serena... – murmurei, a voz embargada.

Seus olhos acinzentados se esforçaram muito para poder me localizar. Parecia drogada, ou em estado profundo de dor, que talvez a estivesse fazendo ter delírios.

– Spence? – ela sussurrou, sem força.

– Sim, sou eu, querida. Sou eu. – respondi, fechando o casaco em seu corpo.

Puxei-a para mim e trouxe-a em meu colo, caminhando com ela para fora. Já era possível ouvir gritos em meu nome, da qual respondi a plenos pulmões, seguindo em direção ao som e às pequenas luzes cintilantes dos faroletes.

– É um sonho... Você é um sonho... – Serena disse, quase inaudível.

– Shiii. Não se esforce, Boo. Não se esforce... Fiquei quietinha.

Continuei andando, checando-a de minuto em minuto, com medo estar perdendo-a. Forcei meu corpo a caminhar mais rápido, pela vida de Serena, que estava por um fio.

– Tenho sede... – e se agitou em meus braços, fechando os olhos. – Sede...

– Seja forte, Boo. Estamos quase lá... Aguente firme. – falei, com toda a calma e serenidade do mundo, numa tentativa de fazê-la perceber que era real e que enfim, seu calvário estava acabado.

– Spence...

– Sim? – murmurei.

– Você é tão real... – e, de repente, seus olhos focalizaram os meus. – Você não é um sonho, Spence.

– Eu te disse que não era. – respondi, podendo ver as lanternas dos que vinham em minha direção. – Estou aqui com você, querida.

Sem achar outra saída para provar a ela de que não era apenas um delírio distrativo, beijei-lhe a testa. Soube que foi real para ela ao perceber que, quase caindo na inconsciência e num aparente surto de delírio, pude vê-la dar um lânguido sorriso e se aninhar em meu peito, como uma pequena criança desprotegida. Deixei-me sorrir por esperança, e apressei ainda mais os passos, saindo da mata e imediatamente colocando-a na maca dos paramédicos que já aguardavam.

– Reid! – Morgan gritou, na porta da casa e se apressou em vir ao meu encontro.

Hotch havia chegado de uma pequena busca em uma área ao redor da residência, e se aproximou, no encalço de Morgan.

– Você está bem? – Hotch perguntou, um breve traço de preocupação em seus olhos rigorosos.

– Sim, eu estou... Um pouco cansado, mas vai passar.

– Como a encontrou? – Morgan perguntou.

– Ela usou suas últimas forças para gritar por socorro, antes de enfraquecer o suficiente para apenas balbuciar. Acredito que ela esteja em estado de delírio devido às dores ou alguma droga, deve estar faminta, sedenta, perdeu muito sangue e, pela gravidade dos hematomas ao longo do corpo, até onde pude ver, Sneddon torturou-a por horas... Dias, talvez. – soltei as palavras, quase sem parar para poder respirar.

Hotch ouviu atentamente, e Morgan desceu os olhos para minha camisa branca, e, sem antes perceber, reparei que havia grandes manchas de sangue em minhas mãos e no tecido. Por um fio não voltei a chorar.

– Spence! – ouvi chamarem meu apelido.

Estava vindo de um dos paramédicos que socorria Serena.

– Sim. – respondi, caminhando para perto da ambulância.

O paramédico deu-me passagem.

– Ela não para de chamar por você.

Antes de olhar para trás, para Hotch e Morgan, vi Serena quase desfalecida na maca. Hotch deu-me permissão para seguir para o hospital com ela, e não demorei a fazê-lo. Não sairia do lado de Serena por nada, agora.

**

Duas paradas cardiorrespiratórias, início de desnutrição e um pequeno começo de hipotermia – era esse o estado clínico de Serena quando chegamos ao hospital naquele dia. Nunca havia passado por tamanho desespero em vida, nem mesmo quando havia sido sequestrado por Tobias Hankel eu havia sentido tamanho desespero e medo. Sentado na sala de espera, o tempo parecia parado. Nada me fazia distrair o suficiente, e não tive notícias de Serena durante quatro horas. Quando senti que não aguentaria mais um minuto dentro daquela sala, prestes a sair para ver o que poderia fazer para conseguir que ao menos me acalmasse, o médico apareceu, trazendo boas notícias. Serena havia se estabilizado, dormindo, tendo sido medicada para diminuir as dores. Segundo o laudo médico, Serena havia permanecido ao relento até o quinto dia, o que explica o início da crise de hipotermia, e então foi dopada, sendo torturada por horas a fio, dia após dia. Ao ouvir aquilo, senti meu coração afundar no peito, como se tivesse sido embalado por uma caixa de chumbo. Droga, por que raios tinha que ter sido ela? Sneddon poderia ter vindo atrás de mim, vingado o que tanto o perturbava em mim e tudo se resolvia. Mas descontar nela? Serena era pura, meiga, inocente, uma pessoa extremamente pacífica quando não a davam motivos para ficar com raiva, bastava não ultrapassar seus limites, mas, bem, Sneddon havia excedido. Não era culpa dela. A todo momento em que esteve internada, se recuperando, estive ao lado dela, mas sentia culpa. Foi culpa minha não ter tido a decência de ter ido atrás dela quando não me ligou, foi culpa minha ter deixado-a se aproximar de mim na época de escola – talvez se ela tivesse ficado longe de mim, nada disso teria acontecido. Mas do que adiantava me lamentar agora? Ela já havia sido drogada e torturada por dias e o que lhe restava agora era se recuperar desse trauma. E eu a ajudaria com tudo o que poderia fazer, como forma de arrependimento por ter sido tão... Inútil.

Ela estava indo bem. Muito bem. Fiquei em Vegas com ela, a hospedando no apartamento que eu mantinha na cidade - para em ocasiões de urgência, ou férias, em que eu visitava minha mãe. Nas primeiras semanas, ela se recusava a dormir, por medo de tudo ainda ser apenas um sonho. Quando, enfim, conseguia pegar no sono, ela caía em profundos pesadelos. Por dias acordei com ela gritando no meio da noite, completamente em pânico e ensopada de suor. Sofri todo aquele calvário sem dizer uma única palavra, mas louco para que tudo terminasse logo. E, de fato, já estava quase acabando. Serena parecia bem, agora. Já havia voltado a sorrir, e estava animada para voltar às aulas, ao palco, à sua vida, ansiando por se apresentar novamente. Foi onde eu percebi que não estava gostando da ideia de deixá-la partir. Serena esteve em minha vida quase que todo o tempo da minha adolescência, apenas havíamos nos separados para seguirmos nossos destinos, mas agora ela estava na minha vida outra vez, deixá-la ir não era uma ideia que me agradava. Ela tinha um papel significativo para mim... Pensar nesse sentido me fazia chegar à conclusão de que eu estava amando-a – e não apenas como uma amiga. Não... Serena estava além disso. Deus, era amor! Amor forte, límpido... Um amor que não sentia em anos. Não, um amor verdadeiro, algo que eu nunca senti antes. Ah, que ótimo, a primeira vez que consigo sentir algo parecido por alguém, e tinha que ser justo Serena! Por quê?

Juro por Deus, lutei contra esse sentimento com todas as minhas forças, mas parecia tarde. Quanto mais tentava reprovar a mim mesmo, mais ainda eu sentia que a amava. “Ela não é pra alguém como você, simplesmente!”, eu repetia a mim mesmo toda vez que a via, mas era quase impossível lutar contra aquele desejo insano de dizer a ela toda a verdade. Passando pelo seu quarto, observei-a dormir serenamente, o que injetou mais uma dose de amor em meu coração. Desde que havia assumido seus cuidados, eu passava todas as noites em seu quarto para ver como ela estava. Às vezes ela estava já dormindo, outras vendo TV, outras lendo alguns livros que pegava da minha biblioteca... Sempre à beira do sono. Desejava-lhe boa noite e então, caminhava para o meu quarto e demorava horas para dormir. Pensava no que estava acontecendo comigo, no trabalho, da qual estava longe desde o dia em que entrei na ambulância. Estava semanas voltado apenas ao cuidado de Serena. Ela não estava totalmente na ativa ainda, mesmo que apresentasse uma melhora impressionante, portanto eu demoraria mais um tempo à voltar para a UAC e ela para a escola. Estava apenas vivendo em sua função dela, e, olhando para o outro lado da moeda... Sim, talvez esse fosse esse o principal motivo por ter me apaixonado por ela, a convivência. Não demorou muito para que ela tomasse meu coração em suas mãos. Deus, ela era tão linda! Tão encantadora, tão simples, humilde, engraçada... Poderia ficar horas dizendo as qualidades impressionantes dela. Era como se um anjo à minha volta. Sim, de fato, ela era um anjo.

Interrompendo todos os meus pensamentos, ouvi seu grito romper o silêncio noturno costumeiro do apartamento, e, adiantando-me, acendi as luzes e corri para acordá-la. Era outro daqueles pesadelos que, embora estivessem diminuindo gradualmente ao longo do tempo, não haviam cessado ao todo. Sentei-me na cama rapidamente, puxando-a com delicadeza para mim, enquanto a chamava com calma. Era uma espécie de técnica que havia desenvolvido, para que ela não acordasse tão agitada. A maioria das vezes funcionava. Serena abriu os olhos segundos depois, a íris cinzenta focalizando meu rosto, enquanto respirava profundamente.

– Está tudo bem, Serena, tudo bem. – falei, calmo e baixo, que a fez me olhar com bastante alívio.

– Fiz de novo? – ela perguntou, a expressão culpada na voz.

– Fez. Mas não tem que se preocupar, já passou.

Serena sentou-se na cama, passando as mãos nos longos cabelos castanhos.

– Eu preciso parar de dar trabalho para você desse jeito. Tenho roubado sua vida, fazendo você viver em função minha todos os dias... Isso está errado. Você tem sua vida, seu trabalho...

– Já disse a você que por mim está tudo bem. Não se preocupe com meu trabalho, Hotch disse que posso levar o tempo necessário.

– Não parece certo. – ela retrucou, voltando seus olhos pra mim.

– Não tem que parecer.

Serena baixou a cabeça de repente, e trouxe os joelhos para o peito, abraçando-os. Só seriam necessários alguns segundos para que começasse a chorar. Bingo. Lá estava ela, chorando pelo estorvo que ela dizia ser em minha vida, e, mais uma vez, meu coração se encheu de piedade. Não era pra estar pensando assim. Não sabia o que poderia dizer a ela, então apenas esperei que ela se acalmasse sozinha, o que demorou um pequeno tempo.

– Foi diferente... – ela sussurrou, limpando as lágrimas. – Desde que comecei a ter esses pesadelos, este aqui foi diferente.

– Em que sentido?

Os olhos chorosos voltaram-se para os meus. Havia medo neles. Certamente, reviveu a tortura.

– Ele não estava chegando, como costumava fazer. Ele só estava lá... Sob meu corpo, e então veio a dor... Ele estava lá, sob meu corpo, usando aquela lâmina, e ele me cortava, como se... Como se eu estivesse sendo... Rasgada... – ela fechou os olhos, respirando fundo. – Deus, eu gritei para ele parar. Eu implorei para ele parar, eu chorei... Mas ele não parou. Ele não quis parar, não ia parar. E a dor, a dor era alucinante... Ele continuou, cravou aquela lâmina em mim... – havia pânico em seu olhar agora.

Serena ficou em silêncio de repente, deixando a frase vaguear.

– E então, você acordou.

– Foi tão real, Spence. Tão real... Eu senti que ele estava aqui, nesse quarto.

– Você sabe que isso foi apenas sua imaginação, Boo. – falei, tentando amenizar um pouco a tensão dela. – Você está comigo agora, nada pode alcançá-la sem que eu a proteja.

– De tudo o que pode me proteger, menos da minha própria mente. – lamentou. – Será que isso vai acabar um dia?

– Acabará, sim, é só você aceitar que Sneddon é passado, e o que ele fez pra você apenas a deixará mais forte. Você é mais forte que ele, Serena. Precisa lutar contra esse medo, antes que isso a vença.

– É assim que lida com seus demônios?

Acenei a cabeça em confirmação.

– Só precisa lutar.

Ponderando sobre minhas palavras, ela se calou. Passou minutos em silêncio, como se analisasse minuciosamente cada letra.

– Você está certo. – disse, enfim, bem baixinho. – Obrigada por estar me dando conselhos, Spence. Significa tanto...

– Não tem que me agradecer. Faço isso por dever, apenas. – sorri e beijei sua testa rapidamente.

Limpei algumas das lágrimas em seu rosto e, em seguida, pus-me de pé, para poder voltar ao meu quarto. Quando toquei na maçaneta, ao trazer a porta em meu encalço, a voz dela me fez parar.

– Spence?

– Sim.

Voltei-me para ela, prontamente. Observei seu semblante. Estava um pouco tímida.

– Dorme comigo, por favor?

Desde que havia pegado o ofício de tomar conta dela, Serena nunca havia tocado nesse assunto, embora eu já estivesse me preparando para ouvir aquela proposta há tempos. Pessoas quando se sentem ameaçadas, precisam de apoio em algo ou alguém para se sentirem melhores e protegidas. Quando os pesadelos dela começaram, não pensei que viraria parte da sua rotina, mas eu sabia que haveria uma hora que ela teria medo da distância entre nossos quartos, que pudesse me impedir de trazê-la de volta de reviver as piores horas ou dias da vida dela antes que acordasse todo o condomínio.

– Ahm... Você tem certeza?

– Tenho medo de voltar a... – e gesticulou. – E acabar atrapalhando alguém. Sabe, eu só quero ter certeza de que se eu voltar a dormir... Vai ficar tudo certo.

Dei um meio sorriso, voltando meu corpo para fora do quarto.

– Tudo bem, me dê só um minuto, vou buscar algumas almofadas, travesseiros e cobertas.

Ouvi seu riso antes de dar as costas e sair à procura dos objetos. Andei pela casa inteira atrás de itens fofos para eu amontoar no chão, perto de sua cama. Voltei para o quarto com os braços cheios de almofadas, travesseiros, cobertas e algumas mantas, claro que tudo isso em praticamente duas viagens. Serena observava tudo com humor em seu rosto.

– Pra que tudo isso? – ela perguntou, bem humorada.

– Onde mais poderia dormir a não ser o chão, mulher?

Aprontei uma cama improvisada enquanto perguntava, e, ao terminar, deitei-me ali. Serena apontou na beira da cama, sorrindo quando viu o resultado.

– Você é bom em construção. – ela comentou, um tom de brincadeira. – Olha só para isso, temos quase uma trincheira aqui.

Sorri com humor.

– Está sendo gentil. – e ajeitei-me no travesseiro.

– Não, estou dizendo a verdade. Acha que não me lembro de quando você costumava construir coisas pequenas quando éramos mais jovens?

– Era só um passatempo, além de ler...

– E escrever equações, e desenhar. – ela sorriu novamente. – Eu ainda tenho o caderno que você rascunhava seus monstros e ideias malucas.

– Sério? – perguntei, abismado.

– Super sério! Tenho várias coisas suas em casa, ainda. São como os troféus que seus bandidos levam quando matam alguém.

Ri levemente pela comparação.

– Também possuo algumas coisas suas em Quantico. Empate.

Foi a vez dela de rir.

– Não tem graça competir com você! Pensei que eu fosse a única a viver de lembranças aqui.

– Nunca. – suspirei, sorrindo em seguida. – Sinto falta da época que vivíamos juntos, de quando minha mãe a convidava para ir jantar em nossa casa... Nas vezes que ela sabia o que estava fazendo... – e vagueei o olhar.

Ela me olhou com ternura. Serena sabia o quão difícil era lidar com a esquizofrenia, e já tinha assistido muitos episódios em que minha mãe simplesmente tinha seus ataques esquizofrênicos, por isso toda vez que tocava nesse assunto, sentia seu olhar terno cair sobre mim. Embora hoje em dia eu lide com essa questão bem melhor do que anos atrás e ela saiba disso, ela nunca havia mudado seu sentimento de compreensão.

– Eu sinto falta disso também. – suspirou. – O tempo passa tão rápido... Parece até que foi ontem que você foi embora daqui. – baixei o olhar, ficando quieto, pensativo. – Sabe, desde que foi embora, visito Diana todos os domingos, para ela me contar sobre você. Sei que isso faz bem a ela.

– Como ela estado com a minha ausência? – perguntei, deixando um traço de preocupação transparecer.

– Bem. Os médicos dizem que ela se distrai bem fácil quando lê, portanto passa quase todo o tempo sem dar muito trabalho a ninguém. Ela sente sua falta constantemente. Todo domingo ela me pergunta de você... Às vezes pergunta se já marcamos nosso casamento, ou até mesmo dos netos. – rimos baixinho. – Sempre acho que isso é só uma brincadeira dela.

– Ela sempre quis que nos casássemos. Dizia que você é a pessoa certa pra alguém como eu... Mas, também sempre levei na brincadeira. Você é só minha amiga, nada mais.

Serena ficou em silêncio, o olhar baixo. Parecia um tanto quanto... Chateada, talvez? Estudei-a, enquanto ela permaneceu quieta, embora não tenha entendido ao certo o motivo pela qual se sentiu chateada ali naquele momento. Não quis raciocinar muito, além do mais, ela estava mudando a linguagem corporal e eu apenas quis observá-la. Eu não sei, mas parecia tomar coragem para dizer alguma coisa muito importante.

– Então... Mas e se Diana estiver certa sobre... Eu ser a garota certa para alguém como você?

Estreitei o cenho. Como assim?

– E por que ela poderia estar?

Ela sorriu e sentou-se na cama, de repente. Chamou-me para me sentar na beirada, perto da minha cama improvisada, enquanto ainda sorria, agora completamente indecifrável. O que poderia estar pensando? Colocando uma mexa de cabelo atrás da orelha, pude ver que se preparava para voltar a falar.

– Spence, eu não queria ser tão precipitada, mas... Deus, eu não sei como dizer isso pra você. – gaguejando, parou de falar.

Parecia ter medo da minha reação. Novamente suspirou forte, e eu apenas a observei.

– Tente dizer. – incentivei-a.

A íris acinzentada focalizou meu rosto, deixando um sorriso pequeno em seus lábios. Estava difícil saber o que pretendia dizer, e eu não quis criar falsas esperanças sobre o que estava prestes a falar.

– Não sei como começar, então vou tentar improvisar... Primeiro, queria agradecer profundamente por tudo o que fez por mim. Por ter se importado, por ter percebido que havia algo errado no meu desaparecimento repentino, por ter salvado a minha vida e por ter pausado a sua para garantir que eu pudesse voltar à minha vida normal. Obrigado de verdade. – balancei a cabeça, como se o agradecimento não tivesse sido por nada. – Mas, agora que acredito que posso ter minha vida de volta, eu comecei a perceber que... Eu percebi nesse tempo em que fiquei instável e debilitada que... É só você quem consegue me fazer voltar ao normal, Spence. Só você entende como é que pode me montar outra vez quando caio em pedaços. Só você sabe como emendar cada parte de mim, como um quebra cabeças, que um jeito que ninguém jamais conseguiu saber. – pausou, procurando por alguma emoção em minha expressão congelada. – Só queria dizer que... Eu te amo, por fazer isso por mim, quando não há ninguém mais para fazer.

Fiquei estático diante daquelas palavras. Havia sido bombardeado com uma possível resposta aos meus mais profundos pensamentos sobre o que ela poderia sentir por mim. Mas, também, havia a probabilidade dela apenas estar mesmo agradecendo, como uma amiga. Se havia feito isso, sua sentença estava cheia de buracos que podiam claramente me responder coisas que eu jamais iria perguntá-la. Havia outro fato de que eu não sabia o que raios estava mesmo acontecendo. Ninguém nunca havia se interessado por mim antes, tendo a proximidade que Serena possuía. A última vez que algo parecido havia ocorrido, fui puxado para dentro de uma piscina e beijado, sem nem ter ao menos chance de pensar ou mesmo entender o que estaria se passando. Lila não havia me dado a chance de nem mesmo raciocinar, fazendo-me agir como um paspalho automático, no calor do momento. Mas Serena me abriu a chance de pensar a respeito de suas palavras – belíssimas palavras, aliás – e agora estava ali, sentada bem na minha frente, à espera de uma resposta... Ou reação, já que desde que havia começado a pensar nisso, não havia sequer me movido.

Julguei, afinal, suas palavras numa veracidade amigável, tentando não me iludir se abrisse meu coração totalmente e ela ignorasse esse amor quente que borbulhava em meu peito.

– Eu... E-eu... Também a amo, Serena... – falei, soando amedrontado e inseguro demais. – Fico honrado em saber que consegui... Ao menos... Fazer algum bem a uma pessoa muito importante pra mim.

Soltei as palavras de uma vez, antes de tomar fôlego. Tinha medo de Serena agir de algum modo que pudesse me machucar. Embora tenha feito um esforço incrível para mascarar a verdade total, havia fissuras enormes naquele disfarce que poderiam dizer tudo. Mas, esperando por sua reação, me surpreendi com seu sorriso de canto. Parecia divertida demais. Mexendo no cabelo de novo, Serena ergueu o rosto para me encarar.

– Você não entendeu Spence...

Prendi a respiração. Caramba, ela estava se aproximando muito.

– O que eu não entendi? – perguntei, encolhido, com medo do que ela poderia fazer.

O que aconteceu em seguida foi como ser puxado para dentro de uma piscina e beijado sem sequer ter tempo para pensar no que estava acontecendo.

Serena continuou a se aproximar, mais e mais, até nossos lábios se encostarem. Deus, estava beijando minha melhor amiga! Havia sido surpreendido pela segunda vez, embora estivesse mais assustado agora. Era Serena ali e não Lila. Com Lila, eu me permitia agir como um idiota sem ter o que fazer, mas com Serena tinha que ser diferente. Mas, confesso, não existia nada que pudesse me deixar mais feliz, e ao mesmo tempo, tão amedrontado. Estava estático, embora deixasse transparecer que a desejava... Que a amava, do mesmo jeito que ela me amava. Ao nos separarmos do pequeno beijo, ela imediatamente abriu um sorriso estonteante.

– Eu te amo assim, Spence. – ela disse num tom baixinho.

– Eu... E-eu... D-deus... – gaguejei, passando as mãos pelos cabelos, ainda um pouco desacreditado.

Olhei para todos os cantos do quarto, no que poderia parecer num ataque de pânico. Minhas emoções estavam todas misturadas, bagunçadas, não sabia o que ao certo pensar. Era Serena! Tinha medo de dar o próximo passo e as coisas derem errado, e, Deus, se desse errado... Não queria nem pensar nisso.

Pisquei fortemente, espantando todos os pensamentos da minha mente e olhei para o rosto delicado, seguindo para a íris acinzentada de Serena, que esperava alguma reação coerente. Havia felicidade em seus olhos, embora eu estivesse agindo como um idiota, dava para ver isso claramente. Como se estivesse encarando o badalar de um relógio de bolso, mergulhei no fundo dos seus olhos hipnotizantes, sentindo urgência em beijá-la outra vez. Atendi a esse súbito desejo, puxando seu rosto para o meu.

O beijo foi mais urgente do que eu gostaria que fosse. Serena tentava acompanhar, de joelhos em minha frente, tocando toda a minha pele exposta, meus cabelos e o meu rosto. Sem parar de me beijar, Serena fez-me sentar na cama, de pernas esticadas, ao mesmo tempo em que já se sentava em meu colo. Embora o beijo dissesse que poderíamos seguir o que estávamos prestes a fazer, meu corpo ainda não obedecia e tinha receio de tocá-la. Compreenda-me, nunca havia estado daquela maneira com alguém antes. E só de pensar que, talvez, em breve estaríamos prestes a... Fazer sexo, eu já me sentia completamente nervoso. Por meu receio, Serena parou de beijar-me, apenas olhando em meus olhos. Tinha um sorriso doce nos lábios, da qual selou antes de parar de fato.

– Toque-me, Spence. – ela pediu, bem suavemente.

Ela sabia que eu não seria capaz de tocá-la por minha própria vontade, devido ao fato de que ainda não havia aceitado ao todo que era ela ali e não outra pessoa. Meus hormônios estavam me deixando maluco, mas ainda sim, possuía autocontrole demais, e isso a incomodara. Era a primeira vez que um toque mais íntimo iria rolar.

– Eu não sei se consigo. – falei, um pouco amedrontado demais. – Eu nunca...

– Eu sei. – ela me interrompeu. – Apenas se deixe levar, sem medo.

Voltou a beijar-me com delicadeza, enquanto as mãos procuravam e puxavam as minhas em direção ao seu corpo, onde ela mais quisesse. O calor dela, sentada em meu colo, emanando para as palmas de minhas mãos onde entrava em contato com a pele alva e macia me excitava deveras. Livros nunca seriam capazes de explicar aquela sensação que sentia ao deixar que Serena se apoderasse do meu corpo, do jeito que estava fazendo.

Também não havia imaginado que tocar alguém daquele jeito me faria tão extasiado. Serena agora já tinha até mesmo feito com que eu me deitasse na cama, tendo-a empoleirada em mim, enquanto seus lábios me faziam fechar os olhos em puro êxtase em toda a pele da qual me tocava. Já me sentia latejar por ela.

Suas mãos desceram por toda a extensão do meu corpo da qual podia alcançar, levando juntamente consigo o meu pijama, o que me fez sentir uma onda súbita – e bastante forte – de vergonha. Não queria quebrar o clima excitante que já estava formado, mas seria a primeira vez que uma garota me veria totalmente nu. Deixava-me nervoso e constrangido – as coisas estavam andando rápidas demais. Pela lógica, não era para estar acontecendo, devido à longa convivência com ele. Mas era complicado demais para mim, e Serena enfim percebeu.

– Relaxe. – sussurrou, perto do meu ouvido.

– Não sei se consigo. – falei, tendo-a parada para me ouvir em seguida. – Serena, é a primeira vez que tenho um contato assim com alguma mulher. Tenho medo. Medo de não agradá-la, de não corresponder suas expectativas... Não tenho experiência nesse assunto. Bem, ao menos não fisicamente.

– Então siga o modo verbal. – e selou meus lábios. – Estou disposta a um homem sem experiência física. É exatamente por isso que quero compensá-lo, pela sua dedicação a mim, mostrando a você o quanto eu posso, e quero amá-lo de um jeito que você nunca experimentou. – e beijou todo o meu peito exposto, como uma forma de me relaxar. – Deixe-me mostrar à você, Spence. Deixe-me mostrar à você o quanto quero e preciso ser só sua, para todo o sempre.

Assenti, mordendo o lábio. Deixaria ser dominado por ela, como forma de aprendizado. Assim, suspirei baixo ao sentir seu toque bem em minha virilha, antes de atingir o lugar que ela mais queria. Antes mesmo de continuar, Serena se ajoelhou entre minhas pernas e, como se fizesse um strip tease silencioso, ficou nua em questão de segundos. Era a coisa mais perto da perfeição da qual meus olhos haviam pousado, mas não tive tanto tempo para apreciar, já que Serena tinha urgência em me fazer sentir coisas que simples teorias não me mostrariam.

Assim que se livrou da última peça que a incomodava, Serena tomou-me entre seus dedos. Tudo o que conseguia fazer era apenas deixar que meu corpo reagisse à carícia, como o modo natural das coisas. Sem medo, apenas deixando. Logo, peguei-me de olhos fechados, com a cabeça afundada entre os travesseiros dela, os lábios entreabertos, gemendo bem baixo. Era tão bom! E, muito melhor, quando senti seus lábios úmidos rodearem-me. Não contive o retesar do meu corpo e o gemido grave que acabou escapando de minha garganta. Era uma sensação imensamente deliciosa, definitivamente. Não havia nada com que havia passado que se comparasse àquilo. Mas, a completude total apenas viria quando Serena me lançasse ao topo de seu universo. O que estava prestes à fazer, julguei, já que havia parado o que estava fazendo e voltando ao meus lábios, deixando uma trilha de beijos ao longo do meu corpo. Deitada sob mim, deixei que os impulsos masculinos guiassem meu saber, e fiquei sobre ela em questão de segundos.

Imitando-a, desci meus beijos, distribuindo-os sob aquela perfeita estrutura que era seu corpo. Talvez, até ali naquele momento, sentir a pele macia em meus lábios fosse a melhor sensação da qual havia sido submetido. Serena era a mulher mais linda qual conseguia me lembrar de ter visto. Antes que pudesse completar tudo, para compensá-la pelo intenso prazer pela qual havia me feito passar, Serena tomou meus lábios em um longo beijo, trazendo-me de volta para o topo de seu corpo.

– Eu quero você, Spence. Não consigo mais esperar. – ela disse, entre os beijos.

Atendendo a esse pedido rouco, mergulhei em seu corpo vagarosamente, sentindo a completude. Deus, nada se comparava aquelas meras palavras escritas em livros sobre o assunto, nada! Era milhões de vezes mais satisfatório do que se poderia imaginar. Era como abrir uma porta para um universo completamente diferente. Mas ainda havia aquela estranha dúvida sobre o que de certo fazer. Serena incentivou-me com suas mãos a começar o vaivém correto, da qual, certamente, me faria conhecer um pequeno pedaço do paraíso. Segui o que me ensinava, e, como que se fosse algo muito natural, fechei meus olhos, amplificando todos aqueles sentidos. Parecia algo como ter um raio atingindo seu corpo em cheio. Poderia dizer que estava amando Serena com todas as minhas forças.

– Eu te amo tanto, Serena. Tanto. – sussurrei.

Minha voz soava completamente em êxtase, refletindo o que meu corpo sentia.

– Eu te amo muito mais, Spence.

A voz de Serena soou completamente excitante, como se tivesse sido possuído por alguma coisa que me fizesse sentir coisas diferentes da qual estava acostumado a sentir. O beijo em meu pescoço me fez tocar o céu em questão de segundos.

O quarto estava muito quente. Parecia queimar em labaredas altas. O suor colava ambos os corpos que buscavam o prazer completo juntos. Serena acariciava-me entre os flancos e os cabelos, completando toda aquela fantasia. Beijou-me novamente, separando-nos para poder respirar, levando consigo meu lábio inferior. Aquilo foi como a gota d’água. Disse que estava atingindo meu ápice, da qual ela também havia alegado ter o feito também. Liberando-me dentro dela, pude sentir nossas essências misturarem-se, o que me empurrou para o pico do penhasco mais alto do prazer. Nossa!

Deitados lado a lado. Serena brincava, fazendo círculos na pele do meu peito, enquanto nossos corpos se acalmavam da intensa onda de prazer recém-adquirido. Agora tinha certeza que nada do que ela havia dito era brincadeira. Sorri, beijando-lhe o topo da cabeça.

– Talvez minha mãe esteja certa, afinal. – comentei, depois de um longo tempo em silêncio. – Talvez você seja mesmo a pessoa certa para alguém como eu.

Apoiando a cabeça em minha caixa torácica, seus olhos caíram sobre os meus e seu sorriso preencheu todo aquele silêncio em que ficamos nos recompondo. O sorriso mais lindo de todos.

– Talvez? – ela perguntou, humorada. – Diana tem absoluta razão. Somos mais que certos um pro outro e eu acredito nisso desde sempre.

Sorri, pensando que, de fato, era verdade. Tanto tempo juntos, tantas memórias... Não era algo como se pudesse ser jogado fora. Talvez termos nos aberto à chance de sermos um casal, enfim, fosse só um complemento do que já era perfeito. Talvez já fôssemos um casal antes mesmo de percebermos... Mas, como minha mãe costumava dizer, éramos perfeitos um para o outro, absolutamente. Como se, ao nascer tivéssemos sido predestinados, para sermos os anjos protetores de cada um. Com ela, eu sabia que nada de ruim, de qualquer modo, me atingiria em cheio e me faria um homem perdido, como quando me recuperava do sequestro alguns anos atrás sem saber que, na verdade, estava me afundando na lama no vício daquela droga. Serena jamais deixaria que algo como isso me acontecer, por isso dar a ela um papel tão importante em minha vida significava tanto. E eu também estava disposto a protegê-la do que quer que fosse – jamais suportaria ter que passar por tudo que havia passado quando Sneddon havia capturado ela. Talvez agora tudo fizesse sentido – era essa a minha vida. Meu trabalho e cuidar da mulher que mais me fez feliz até hoje. E, nossa, estava tão feliz! Parecia que tudo, enfim, caminhava para algo verdadeiramente bom. E estava ansioso para isso, pois então eu poderia dizer que minha vida valia a pena.

Fui arrancado dos meus pensamentos ao sentir um beijo casto na pele do peito. Serena assistiu meu corpo se arrepiar e sorriu, tocando-me no peito, onde desenhava pequenos círculos. Parecia assistir a seu filme favorito, tamanho era o prazer da qual via meu corpo eriçado. A íris acinzentada procurou meus olhos e, assim que mergulhei na vasta imensidão de seu olhar, senti seus lábios moldarem-se nos meus com delicadeza. Correspondi o beijo com todo o amor que podia demonstrar. Serena parou de beijar-me apenas quando já estava sentada em meu colo.

– Eu te amo, Spencer Reid. – ela disse, antes de selar meus lábios.

Tirando uma mecha de seu cabelo e colocando atrás da orelha, acariciei lhe o rosto com suavidade, descendo para os braços até enfim chegar a suas mãos, onde entrelacei nossos dedos.

– Eu te amo muito mais, Serena Bailey Jumanah.

Sorrindo, puxei Serena para um novo beijo.

**

Já havia se passado alguns anos desde que Serena e eu descobrimos que amizade não era mais o suficiente naquela noite da qual fazia questão de jamais tirar da minha memória. Desde aquele dia, tentamos de tudo para conviver mais perto um do outro, o que ainda parecia complicado. Serena ainda cursava a faculdade e por mais que eu quisesse tê-la por perto, não iria sair de Quantico; não abriria mão daquela família incrível e isso, por sorte, ela compreendia. O jeito foi deixar as coisas obedecerem seu curso natural, pois eu não iria desistir da UAC e nem ela do sonho de ser bailarina, então nos demos espaço e tempo. Quando tudo estivesse bem, ela poderia se reaproximar e eu a receberia de braços abertos.

Acredito que aquela noite, quando fizemos amor até amanhecer, foi como um ato de descoberta e libertação. Depois daquela noite, os pesadelos de Serena reduziram tanto a ponto de quase não acontecerem mais. E, mesmo quando os tinha, raramente eu sabia sobre eles, já que ela não mais acordava em pânico, gritando. Eram apenas sonhos ruins da qual não valia a pena pensar, como ela mesma dizia. Claramente havia se libertado do trauma psicológico e podia, enfim, retomar sua vida sem medo. A culpa que antes me consumia por não tê-la protegido deu lugar ao carinho, ao amor e a vontade de cuidar dela, e agora, tudo para o que poderia viver era apenas para aquela família que havia me ajudado em horas tão difíceis em minha vida e àquela da qual escolhi amar.

Assim que ela terminou a faculdade, saiu em viagem num espetáculo com a companhia de dança da qual havia sido aceita – sendo essa a primeira conquista dela desde o sequestro. Por meses nos falamos apenas por telefone. Mas, assim que foi dado fim ao espetáculo, Serena rapidamente cuidou para que pudesse, enfim, estabelecer residência em casa e, a partir de então, passamos a viver juntos. Era como viver no paraíso. Com a vinda para Quantico, a companhia achou melhor se deslocar para Dumfries para ajudar Serena, já que o grupo era basicamente pequeno. Isso facilitou toda a nossa vida, da qual não poderia estar melhor.

Ou poderia. Ainda no fim daquele ano, pedi Serena em casamento na festa de véspera de natal da UAC. Nunca havia visto-a tão animada quanto estava quando disse sim, ela e as meninas da Unidade. Fomos parabenizados na hora – Morgan quase me jogou no chão, de tão feliz que ficou, já berrando que seria o padrinho. Claro que seria, se não desse a ele essa honra, quem sabe ele não morreria? Brincadeiras à parte, todo o desejo de felicidade parecia compensar todo o sofrimento da qual passamos juntos, e eu só podia agradecer por tudo.

Serena estava estonteante no dia do nosso casamento. Completamente linda naquele vestido de noiva. Mal podia acreditar que estava prestes a selar nosso compromisso, e me sentia emocionado. Troca de sim, fotos, cumprimentos, sorrisos, mais fotos, festa, a valsa. Noite de núpcias... Noite de núpcias! Lua de mel na Grécia. Parecíamos viver um sonho, da qual nunca queria que tivesse fim.

Quase um ano desde a lua de mel, Serena deu à luz a Arthur Joy Reid, nascido no dia 29 de agosto de 2010, às 10h07min da manhã, pesando 3,300kg e medindo 53 cm. Era a coisa mais perfeita da qual meus olhos já haviam pousado. Jamais poderia imaginar que conseguiria amar alguém o tanto quanto amava aquela criança. Tão pequena e tão desafiadora em meus conceitos. Mas havia tempos em que já estava com o coração mole de amor. Jamais imaginaria que minha vida iria coincidir naquilo... Alguém como eu sendo esposo e pai de família, tendo a capacidade de realizar essas tarefas quase que ao mesmo tempo. Quando em anos imaginaria que minha vida daria essa volta tão grande? Talvez tudo tenha sido por causa de Sneddon, e graças a ele eu vivia em um mundo completamente meu, com a minha família. Por esse ângulo, talvez, no final, não tenha sido de todo ruim o que havia acontecido – não havia cicatrizes, não havia medo, não havia ressentimento, não havia mais nada que impedisse Serena e eu de sermos felizes tanto quanto sofremos naquela época. Tudo o que agora importava era a nossa nova e pequena família, da qual faria o impossível para proteger, até o dia em que der meu último suspiro.

“O sofrimento físico não é nada comparado com o espezinhar desses ternos laços de afeição que formam a base da instituição do matrimónio e da família que une homem e mulher.”

– Nelson Mandela


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!