Tango escrita por Blood Mary


Capítulo 1
Capítulo único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/635076/chapter/1

- Eu ainda não acredito que vocês me trouxeram pra cá – Shaka tomou mais um gole do drink que já estava começando a esquentar na sua mão. Casais passavam rodopiando, animados, perto de onde estava sentado.

- Vir a Buenos Aires e não conhecer uma casa de tango é impensável – Milo, sentado ao seu lado, jogou os cabelos loiros para trás. Mexia os pés ao som da música, inquieto.

Casa de tango... Shaka deu mais uma olhada pelo lugar. Não que tivesse muita coisa para se olhar; o lugar era relativamente pequeno, até. Um salão quadrado, cheio de modernas luzes coloridas que contrastavam com o assoalho antigo, brilhante do polimento dado por tantos sapatos que ali haviam dançado. Mesinhas de madeira espremiam-se contra a parede, com o intuito de aumentar a superfície “dançável”, onde várias garotas de minissaia e meia-calça dançavam coladas a garotos de chapéu. O som era uma mistura do ritmo tradicional rio-platense e batidas eletrônicas modernas. Às vezes um ou outro casal arriscava passos mais complicados, sendo aplaudido logo em seguida.

- Em primeiro lugar, não sei nem como conseguiram me trazer para Buenos Aires! – retrucou.

- Ou como a gente conseguiu arrancar você de casa? – Milo riu.

- O que ele está querendo dizer – Camus, que estava ao lado do loiro, interveio – é que faria bem pra você sair um pouco, se distrair.

- Precisa ficar corrigindo tudo que eu falo? – Milo virou-se para o namorado, indignado. – Isso é só uma forma sutil de dizer que ele está encalhado e que nós...

- Milo!

- Nós, como bons amigos, resolvemos dar uma ajudinha! – o loiro completou, a despeito da censura.

- Mas precisava ser tão longe? – Shaka ignorou sabiamente o fato de ser considerado “encalhado”.

- Mudar de ares faz diferença. E não é todo dia que achamos um pacote de viagem tão bom quanto esse! Deus, Shaka, será que dava pra você parar de reclamar um pouco e curtir?

- Hum – fez Shaka, dando mais um gole na bebida para se abster de responder. Fez uma careta quando o líquido quase morno passou pela sua garganta. “Curtir” não era exatamente a palavra... Nunca fora muito chegado a esse tipo de festa, mas os amigos queriam agradá-lo, e ele também não queria estragar a noite dos dois como se fosse um velho chato.

- Acho que você está precisando de mais uma dessa – Milo riu e tirou a bebida quente das mãos do amigo. – Vou pegar mais bebidas pra gente, volto já – levantou-se e foi em direção ao bar.

Shaka voltou a atenção para a pista de dança. Os casais rodopiavam a um ritmo cativante, e ele começou a reparar que aqui e acolá havia casais do mesmo sexo. Pensou vagamente que os amigos haviam escolhido bem o lugar.

- Não é tão ruim depois que você se acostuma – disse Camus, a voz o chamando de volta à realidade. – Na verdade, é bem divertido.

Shaka olhou para ele, e viu que o ruivo sorria com cumplicidade. Era verdade que, antes de namorar Milo, Camus não era muito de “sair pra balada”. Preferia ficar em casa lendo um bom livro ou mesmo em um jantar mais reservado. Mas agora, acabavam saindo de vez em quando. Era estranho ouvir o amigo falar sobre “experiência” nesse tipo de coisa, e Shaka sentiu-se de repente muito inexperiente.

- Parece que tenho 15 anos – riu. – Exceto que não estou numa matinê.

Camus riu também.

- Não que eu seja alguém pra falar sobre isso, mas pode ser muito bom se você souber aproveitar. E ir aos lugares certos, claro.

“Pelo menos você não tem a pressão de ser ‘encalhado’”, Shaka pensou, com uma pontinha de amargura, no termo que Milo havia usado para defini-lo. Fazia algum tempo que não se envolvia com ninguém, certo, mas e daí? Suspirou e apoiou o queixo na mão, o olhar perdendo-se novamente entre os casais na pista.

“E daí...?”

Milo chegou com as bebidas, e logo eles mudaram o rumo da conversa. Era fácil se distrair com os amigos, afinal. Quando Shaka menos percebeu, estava rindo junto com os dois, e já no final do drink.

- Então – começou Milo, depois de uma boa dose de causos e risadas, brincando com o copo nas mãos. – Eu estava aqui me perguntando quando você vai me tirar pra dançar, Camie.

- Bem... – o ruivo lançou um rápido olhar a Shaka, que logo retribuiu erguendo uma mão.

- Não se preocupem comigo! Vão lá dançar. Estou bem aqui.

- Tem certeza? – Camus não parecia muito convencido.

- Absoluta. Podem ir.

- Anda, ele já é grandinho, sabe se virar – Milo riu, puxando Camus pela mão, e os dois foram pra a pista de dança.

Shaka tomou o último gole de seu drink e pousou o copo na mesa, pensativo. Havia se animado um pouco. Tinham mudado de assunto, riram, a música era boa. Nem teve dúvidas quando encorajou os amigos a irem dançar, claro, ele estava ótimo. Mas essa confiança se esvaiu um pouquinho quando ele se viu sozinho na mesa. E mais um pouquinho quando tornou a olhar para os amigos, dançando juntos. De repente, ele pareceu estar longe de tudo aquilo de novo.

O garçom passou, viu o copo vazio e perguntou se ele queria outra bebida. O loiro murmurou em concordância, não querendo arriscar o pouco de espanhol que sabia.

A música mudou, e aparentemente era uma conhecida, pois várias pessoas aplaudiram. Shaka não prestou atenção.

Foi uma cor que chamou a atenção de Shaka.

Lilás.

Alguma coisa lilás estava se movendo entre as pessoas que dançavam. Subitamente, todos se afastaram para dar espaço a um rapaz que vestia um paletó aberto preto – um tanto sóbrio se comparado aos seus cabelos que, Shaka viu quando ele rodopiou, formavam uma longa cascata de fios lilases. O loiro piscou para ter certeza de que não era efeito da luz.

Todos – inclusive Camus e Milo – haviam parado para olhar o rapaz dos cabelos impossíveis dançar com uma garota de cabelos ruivos. Os movimentos eram tão fluidos que eles faziam aquilo parecer fácil.

A bebida de Shaka chegou, e ele começou a beber sem perceber, enquanto observava, admirado, aqueles dois dançarem sozinhos envoltos pelos aplausos de todos. Era provável que tivesse se esquecido de piscar.

A música terminou, todos aplaudiram ainda mais efusivamente e o rapaz beijou a mão da moça, sorrindo para ela enquanto ela voltava para sua mesa.

Aquele sorriso. Não parecia ser um sorriso de um conquistador, como Shaka pensara a princípio. Era um sorriso... sincero. De quem está se divertindo.

O loiro ergueu o copo para tomar mais um gole do drink, mas percebeu que já estava vazio novamente. Sinalizou para o garçom. Mais um, apenas mais um e ele teria coragem. As pessoas voltaram a se aglomerar e recomeçaram a dançar. Ele tomou cuidado para não perder os cabelos lilases de vista enquanto a outra bebida não chegava. Seu coração batia alto nos tímpanos, e a palavra “encalhado” ecoava na sua mente.

Milo e Camus voltaram para a mesa quando Shaka já estava terminando o drink seguinte. Assim que eles se sentaram, Shaka se levantou.

- Shaka...?

O loiro não respondeu. Sua cabeça estava leve e ele teve a impressão que as paredes giraram rapidamente assim que ele levantou. Mas ele havia tomado a decisão.

- Eu vou tirá-lo para dançar.

- Hein? – Milo exclamou. – Quem?!

Shaka achou desnecessário responder, e apenas foi para a pista. Estava complicado andar, ainda mais com tanto álcool no sangue, mas ele sabia onde queria chegar. O rapaz de cabelos lilases estava escorado no bar, sozinho, olhando distraidamente para as pessoas que dançavam. Ele só pareceu notar quando Shaka parou na frente dele, e seus olhos se encontraram. O loiro estendeu a mão, trêmulo. Ele não sabia quase nada de espanhol e menos ainda de tango, mas nenhuma dessas coisas passava pela sua cabeça agora.

- Dança comigo? – Shaka arriscou dizer em inglês.

Para sua sorte, o rapaz pareceu entender, e sorriu. De repente, todos os olhares pareciam estar neles. Ele segurou a mão de Shaka e o levou para a pista.

- Sabe dançar tango? – ele perguntou também em inglês.

O loiro mordeu os lábios, e o outro riu.

- Tudo bem. Eu te ensino.

Já no meio da pista, o rapaz segurou Shaka pela cintura com uma das mãos e o trouxe para perto de si.

- Não se preocupe – ele sussurrou. – É simples... prometo não ir tão rápido... e nem tão devagar. Respire fundo e esqueça de todo o resto.

Shaka sentiu um arrepio no pescoço, perto de onde ele tinha sussurrado. Ele respirou fundo. Os cabelos eram mesmo lilases... e tinham um perfume bom...

Ele se entregou totalmente nos braços daquele rapaz misterioso. No começo parecia que ia tropeçar nos próprios pés, mas quanto menos ele se preocupava, mais a dança fluía. Ele sentia o corpo quente dele perto do seu, os passos e as viradas sensuais. As luzes da casa de tango rodopiavam em volta dos dois – eram as luzes que estavam rodopiando? – e refletiam naqueles cabelos tão incríveis, e nos olhos daquele rapaz que sorria e que o encantava.

Agora as luzes pareciam também dançar junto com eles, como se não houvesse mais pista, nem mais pessoas, nem música – apenas os dois.

“Quem é você? Quero saber seu nome...”

Aquilo foi um sussurro, ou apenas um pensamento? Saiu mesmo de seus lábios?

“Eu quero te ver de novo...”

Os lábios dele estavam muito próximos... ele beijou aqueles lábios e eles eram como seda, e eram doces, e ele nunca mais queria parar de beijá-los.

Shaka abriu os olhos e viu a claridade.

Demorou alguns minutos para as coisas entrarem em foco. O barulho da cidade foi entrando devagar em cena, e ele percebeu que estava no quarto do hotel.

- Bom dia, dorminhoco.

Oh... essa não era a voz que ele queria ouvir...

Ele olhou para o lado e viu Milo e Camus olhando para ele. Milo sorria de lado, e Camus parecia um pouco preocupado.

- O que... aconteceu? – ele tentou se levantar e sentar na cama, mas sua cabeça começou a latejar e ele desistiu.

- Você apagou na pista de dança – Milo começou. – Ai a gente teve que te trazer pra cá meio carregado.

- Se não fosse pelo Mu...

- Mu? Quem é Mu?

Camus e Milo se entreolharam.

- Você não lembra? Você dançou com ele um tempão...

- Eu dancei? – o loiro sentiu seu coração dar um salto. Ele não lembrava nem do nome do rapaz... pelo menos agora ele sabia.

- Nossa, deve ter sido muito boa a festa pra você, não? – Milo riu, antes de levar uma cotovelada de Camus.

- Não liga para ele, não aconteceu nada de mais. Bem, nada que... você vá se arrepender depois.

Camus também sorriu. Aquilo estava começando a ficar estranho.

Diante do olhar inquisidor de Shaka, Milo respondeu:

- Acho melhor você se olhar no espelho.

Devagar, tentando fazer a cabeça não latejar, o loiro se levantou da cama e caminhou até o banheiro. A princípio não notou nada de diferente no seu reflexo, fora as olheiras um pouco maiores e o cabelo um pouco bagunçado.

Até que ele olhou um pouco para baixo.

Em seu pescoço havia uma marquinha vermelho-arroxeada, e embaixo havia uma coisa escrita. Um número de telefone, e uma mensagem:

“Me liga. Você dança bem. Mu"

Ele arregalou os olhos e de repente os flashes da noite anterior começaram a voltar um por um, a dança, os beijos e os amassos na pista de dança, os arrepios, a troca de sussurros. De fato, aquela festa havia sido boa.

Muito boa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, e não esqueçam os comentários! Deixem uma autora feliz ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tango" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.