Red Velvet escrita por Joan Moss


Capítulo 4
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Notas iniciais do capítulo

Mais um! Um pouco grandão, mas tá valendo! Espero que gostem e não esqueçam de comentar.
Beijos!!



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– E isso é tudo o que posso lhe oferecer – Mark estendeu o braço me mostrando seu quarto.

– Então, você mora nos fundos da loja? – o perguntei entrando em seu quarto que parecia diferente de todo o resto fedorento e sujo da loja. Não pode-se dizer que era o lugar mais limpo do mundo, mas em contraste da loja o carpete estava ainda bege e não marrom. Sua cama ficava na parede, em frente a porta, encostada perto da janela, o banheiro era mais ao lado e ele tinha um espaço bem grande no resto do quarto, sendo este espaço bem utilizado com um guarda roupas e uma pequena mesinha com o notebook em cima.

Ele sorriu balançando a cabeça – É meu cantinho, e afinal, não tem muitos caras por ai quem tem licença para o uso de armas e, principalmente, que queiram dormir nos fundos de uma loja vinte e quatro horas.

– Faz sentido – dei de ombros.

Ele apontou para outra porta fechada – Ali é o banheiro, fica a vontade.

– Obrigada – virei-me de frente para ele – mesmo, obrigada.

Ele segurava a maçaneta com um sorriso nos lábios – Está tudo bem.

Ele logo fechou a porta e fui caminhando até a janela trancando-a por dentro, lentamente voltei até a porta e a tranquei tentando ser o mais silenciosa possível. Estava desconfiada, e quem não ficaria com um cara, mesmo que esnobe, tão prestativo? Afinal, ele me viu sendo procurada na televisão, me deu dicas sobre como disfarçar e agora me cedeu sua cama para que eu possa dormir enquanto ele trabalha pacificamente no “cômodo” ao lado. Era um tanto estranho, mas não tinha muitas opções a não ser aceitar e ser o mais rápida possível.

Entrei no banheiro com minhas coisas e liguei o chuveiro, deixaria a água escorrer e não entraria no banho por enquanto, afinal, se houvesse alguma chance de me entregar ou tentar fazer algo contra mim seria na hora em que eu estivesse indefesa embaixo do chuveiro. A verdade é que eu estaria indefesa o tempo todo, afinal, eu lá sei como me defender? Ou fazer algo contra alguém? Não, eu não sei. Sequer sei segurar uma arma e muito menos atirar.

Matar Jeff foi uma ação refletida em tamanho desespero e vontade de viver.

Deixei o kit em cima da pia junto do descolorante e da tinta verde, fiquei um tempo parada me fitando no espelho, ainda estava maquiada e com a mesma roupa de quando matei Jeff, ainda estava suja de sangue e por mais que quisesse tirá-la e fazê-la sumir de minha vida de modo que não me incriminasse mais e nem ninguém, ficava observando o sangue já seco em minha calça jeans e minha blusa.

Eu realmente era como ele. Eu tinha matado alguém, tinha gostado daquilo e agora estava me tornando uma fugitiva assim como ele, como meu pai quem passa a vida toda fugindo não só da polícia, mas também do homem morcego, seu maior inimigo. Olhei para a caixa de tinta verde e abri o kit pegando a tesoura, não poderia mais manter meu cabelo longo e castanho, por mais que o adorasse. Sem pensar muito segurei um tanto de cabelo e cortei-o de uma vez só, tive que apertar a tesoura com força, mas lá estava eu: com metade do cabelo mal cortado. Ergui a tesoura logo cortando outro pedaço e soltando o que um dia fez parte do meu cabelo no chão.

Fiquei um tempo congelada e me fitando no espelho, meu cabelo não estava nada legal, mas a minha intenção não era ficar bonita e sim irreconhecível. Precisava passar despercebida na maioria dos lugares, e um cabelo diferente ou uma peruca me ajudariam nisso. Eu esperava.

Misturando as substancias – como mandava na caixa do pó descolorante – comecei a passar no cabelo todo, o que não demorou muito, pois ele estava extremamente curto, tão curto que meu coração chegou à doer quando vi o que restou do meu cabelo para cima e cheio de pó descolorante misturado com um creme branco. Sentei-me em cima da privada, com a tampa fechada, enquanto esperava a tinta agir.

A água do chuveiro ainda caía e não ouvi nem um barulho estranho ou alguma tentativa de abrir a porta do banheiro. Parecia que estava tudo bem, mas era cedo demais para dizer que eu confiava. E, na presente circunstância, isso era algo que eu não podia dizer.

Entrei no chuveiro depois de notar que estava mais do que suficiente, tirei todo o creme com o pó do meu cabelo enquanto esfregava meu corpo com o sabonete líquido de uma cor rosa com um odor incrivelmente bom. Não demorei mais que o necessário no banho, enrolei-me na única toalha que vi e voltei para a frente do espelho. Passei minha mão no mesmo, pois estava embaçado, e assim que vi meu reflexo, com o cabelo tão loiro que parecia branco, me assustei.

De certo modo estava contente, pois estava irreconhecível, afinal, a não ser nesta situação extrema eu jamais pintaria meu cabelo e muito menos de um loiro tão branco, estava parecendo dez anos mais velha do que realmente era e isso era o que realmente me deixava assustada. Passei a mão no cabelo ondulado e loiro e logo peguei a caixa da tinta verde, não aguentava me olhar no espelho por mais um único segundo, estava completamente estranha.

Novamente misturei as substancias, verdes, e antes que começasse a pintar dei um pulo quando escutei alguém bater na porta, sequer foi uma batida forte, mas estava com o coração acelerado, abri a porta do banheiro e calmamente fui para dentro do quarto esperando outra batida e talvez uma voz para que eu pudesse identificar apenas se era do Mark ou não.

Uma nova batida e a voz de Mark me gritando.

– Ei, garota assassina!

Corri até a porta abrindo-a – Cala essa boca.

– Sabia que atenderia – ele sorriu olhando para a loja, mas assim que me fitou, paralisou.

– Que cabelo é esse?

Eu ri – Eu sei, tá terrível.

– Você parece com a minha vó com, sei lá, vinte anos – ele riu entrando em seu quarto.

– Sim, claro – revirei os olhos ainda segurando a maçaneta – o que está fazendo aqui?

– Ah – ele jogou-se na cama – achei que este fosse meu quarto

– Achei que tivesse me emprestado – dei de ombros indo até o banheiro.

– Gostei da toalha – ele disse e riu em seguida.

– É sua.

– Eu sei.

Uma breve pausa, mas ele logo perguntou

– Você vai pintar esse cabelo, não vai?

– Sim – respondi enfiando a mão na vasilha da tinta passando-a no meu cabelo.

– Verde, ham?

Não disse nada.

– Igual ao seu pai...?

– Não é da sua conta.

– Certo.

Mais uma vez o silêncio, e preferia mil vezes que se mantivesse assim do que ter que falar do meu pai. Talvez seria bom falar com alguém e em alguns casos com algum desconhecido. Pode-se dizer que eu estava na situação perfeita para desabafar, afinal, eu não o veria novamente, mas não era tão simples quanto diziam. Talvez falar de problemas bobos e inúteis fosse diferente do que dizer à qualquer um que seu pai é um louco e assassino, um dos mais procurados da cidade em que você quer sair urgentemente.

Não tinha ideia para onde iria, na verdade, nem sei se iria. Talvez mudasse de ideia depois de algumas horas de sono, talvez não. Tudo estava de cabeça para baixo e não sabia como colocaria as coisas no lugar de volta. Não podia voltar para meu apartamento como se nada tivesse acontecido, até porque Jess estaria metida junto comigo e jamais me perdoaria se ela fosse culpada por ser cúmplice. Se eu simplesmente for embora, para onde vou? Como vou viver? O que farei para ter minha vida de volta? Ela nunca mais será a mesma.

– Acho que verde ficará mais legal.

Assustei-me dando um pulo para trás e o fitei ficando de costas para o espelho, estava com o cabelo todo para cima, pintado de verde e com as mãos sujas da mesma cor, porém, mais escuro.

– Você não tem o que fazer?

– Na verdade não.

– Uma loja pra tomar conta, talvez?

– São duas da manhã e tem uma garota estranha pintando os cabelos de verde no meu banheiro, então – ele deu de ombros – isso é a coisa mais divertida que a madrugada me reservou.

– Por que está me ajudando? – perguntei sentando em uma cadeira de plástico perto de sua cama.

– Já respondi – ele colocou os braços atrás da cabeça e ficou fitando o teto.

– Só não faz sentido – abri minha bolsa pegando um chiclete.

– Você se importa demais, tô te ajudando e é isso que importa.

Fiz um breve “hum” com a boca assentindo, ele estava me ajudando e por que a quantidade de perguntas? Não havia necessidade de um interrogatório, havia? Não sabia dizer, mas é certo que eu fiquei quieta assim que ele disse que me importava demais, mas eu era uma fugitiva tinha que me importar com tudo ao meu redor para não ir presa. Era tudo minha culpa, afinal, eu quem tinha escolhido fugir.

Fiquei o fitando em silêncio sentada na cadeira e mascando meu chiclete de menta de boca fechada, não havia um mísero barulho naquela sala e até o barulho do meu mascar estava me deixando sem graça, mudei o olhar de direção e notei alguns posters de banda, algo realmente presente em quartos de meninos adolescentes, mas não sabia sua idade então, quem sou eu para julgar.

Alguns caras com cara de raiva e braços cruzados com seus cabelões escorridos e mal cuidados até os ombros me encaravam. Por que todos eles faziam aquelas caras boladas olhando para a câmera tentando mostrar algum perigo? Não dava medo em ninguém, talvez nas crianças, mas ela são incompreensíveis de qualquer maneira. Bem ao lado estava o pôster de um filme, lançado em 2007 e considerado o meu favorito. Sua capa era incrivelmente psicodélica com um morango um pouco estraçalhado em um fundo branco, não tinha como não gostar daquele filme e agora sentia saudades, e um pouco culpada, por deixar Jess sem mais nem menos. Mas a minha decisão já estava tomada e não a colocaria em perigo, nem que isso custasse minha vida.

Jess era minha melhor amiga desde o meu primeiro dia no orfanato, ela sempre fora tão alto astral que logo no primeiro dia me tranquilizou dizendo que ficaria tudo bem, e tínhamos acabado de nos conhecer. No dia em que chegamos, em uma manhã chuvosa, no outono, no orfanato de Gotham City, éramos as únicas garotas no meio de vários garotos que, segundo as irmãs, eram mal feitores que estavam ali para “encontrar Jesus” e reerguerem suas vidas. Vários dos órfãos iam e voltavam, já que as famílias, por algum motivo relevante ou não, não os queriam mais. Eu fui uma dessas que ia e voltava até que resolvi tomar uma providência: toda família que ia para nos adotar eu colocava um certo “medo”, a princípio eu apenas os assustava fazendo de conta que era uma garota com milhares de problemas – quem nunca assistiu a Órfã? –, mas depois eu não precisava mais colocar fogo nas barras de suas roupas, ou algum bicho perto de seus rostos, bastava apenas eu usar uma única frase, frase esta que eu usava negando à mim mesma sua veracidade:

“Eu sou a filha do Coringa!”

Eles se assustavam de uma maneira que não há palavras para descrever, se eu desse uma gargalhada com bastante “HAHAHAHAHAs” era pior ainda. Ele assombrava a cidade já há algum tempo e essa desculpa ficou eficaz apenas nos meus últimos dois anos. Fui repreendida e castigada severamente por dizer isso à todos que viam me ver, os quais não eram muitos, mas cada dor e cada dia com pouca comida, banho rápido e tendo que rezar o terço mais de dez vezes valiam a pena.

Era terrível você sentir a esperança fluir dentro de você de que, enfim, você teria uma família, talvez um ou dois irmãos, um cachorro ou um gato, ou a porra de um passarinho e, depois, por alegarem não terem condições, ou qualquer merda do tipo – uma comum desculpa para: “Ela é estranha e não a quero perto de mim e da minha família” – nos devolviam. E eu me sentia um lixo todas as míseras vezes, não só eu, claro, mas foi então que passei a ter dúvidas se era parecida com meu pai, antes de saber quem ele realmente era e, principalmente, depois de saber quem ele realmente era, o Coringa.

Coringa é meu pai, seu verdadeiro nome? Não tenho ideia. Ele sofreu muito durante a infância e blábláblá, eu fui um acidente e, ainda adolescente e completamente insano, após matar seu pai ele simplesmente matou a minha mãe, também com a intenção de me matar, e eu fui salva. Não sei como ele se sente sobre isso, ele sabe da minha existência, eu sei. Um dia chegava do banho rápido, em uma dessas noites do castigo em que alguma família desistia de me levar, e tinha um bilhete seu na minha cama. Era pequeno e em uma folha simples e branca. Estava escrito:

Estou Orgulhoso

Embaixo, riscado estava “Sr. C.”, mas logo a frente estava “Papai C.”, demorei tanto tempo para entender quem era “Papai C”, afinal, ele não estava morto há alguns pouco anos? Não era essa a única coisa que sabia sobre ele? Como, de repente, um bilhete destes estava em minha cama? Jess me ajudou a encontrar milhões de pistas, invadimos a sala da diretora para olharmos em minha ficha, mas lá não tinha nada além da informação de que ele estava morto. Então, mesmo a invasão e meu machucado na perna não adiantaram de nada.

Já havíamos desistido quando, quase um ano depois, no dia do meu aniversário de dezessete anos, a televisão ficou ligada na sala de visitas, como ninguém estava presente podíamos ficar vendo televisão por lá, mas o desenho parou de passar subitamente por causa de uma notícia. Nesta a jornalista falava sobre uma enorme explosão na fábrica de balas de Gotham, ela estava com uma capa de chuva, pois estava chovendo muito e, no chão, haviam milhares de balas e doces esmagados, esfacelados e molhados. E, bem ao centro, uma mensagem. A imagem mudou para uma evidência do crime: um papel molhado com algumas letras borradas dentro de um saco plástico e um policial com um bigode grisalho falando sobre bem ao lado. A mensagem, com a mesma caligrafia que o bilhete uma vez deixado em minha cama, a mesma assinatura e a mesma folha de papel branca e simples dizia:

Parabéns, querida!

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Sr. C.

Naquele momento eu estremeci e fiquei tão assustada quando o policial disse ter sido obra do macabro Coringa. Ele não sabia ideia para quem fora direcionada a mensagem, mas eu sabia e, acredite, pensar que meu pai era um assassino insano me deixava tão assustada e, milhões de vezes mais infeliz do que não ter tido ele em minha vida. Eu preferia não ter um pai do que ter o sangue de um insano.

E olha onde estou agora: em um quarto mofado, repleto de posters fugindo da polícia com uma tinta verde no cabelo.

Exatamente como ele.


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Notas finais do capítulo

E ai?! Sintam-se a vontade para comentar o que quiserem e o quanto desejarem! Espero que tenham gostado! Beijos!!