Acasos escrita por Renata Guimarães


Capítulo 8
Capítulo 8




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Abri meus olhos com dificuldade, eles estavam sensíveis a luz que entrava pela janela, minha cabeça doía muito parecia que ia explodir a qualquer momento. Me espreguicei e olhei a minha volta, não tinha ninguém, apenas eu deitada em minha cama ainda vestindo a mesma roupa da noite anterior. Não tem ninguém no quarto… Só eu… Será que realmente era sonho isso tudo? Me levantei da cama e puxei a cortina, a luz parecia estar fritando meu cérebro e meus olhos, precisava fechá-la. Sai do quarto procurando por alguém, mas não tinha ninguém ali, ninguém no sofá. Será que ela está na cozinha? Pode estar fazendo café da manhã ou algo do tipo. Não… Ela não está na cozinha, não tem ninguém na cozinha. Puxo uma cadeira e me sento.

— Meu Deus, será que eu to ficando louca? – Falo comigo mesma.

Será realmente que era um sonho? Não… Não é possível… Ela pode ter ido embora enquanto eu dormia… É uma possibilidade… Mas ué, como eu fui parar na cama? Eu não tava no sofá? Senti um calafrio percorrer todo meu corpo. Será que eu to imaginando coisas agora? Era só o que me faltava! Eu já sonhei com garotas maravilhosas e quando acordei não existia ninguém e fiquei meio perdida. Só que essa sensação é diferente, não é nada parecido com isso. Que aflição! Aff! Calma, Alana. Respira e pensa! Respira! E pensa! Ta… Então se ela foi embora, a porta deve estar destrancada porque ela não tem a chave. Fui andando até a sala calmamente tentando não surtar e fiquei parada em frente a porta com a mão na maçaneta, girei a maçaneta e a porta simplesmente não abriu. A porta não abriu… Será que a chave tá do lado de fora e eu to trancada aqui dentro?

— É só o que me faltava! Ela teria que ser muito filha da puta pra me trancar aqui dentro.

Fui primeiro ao local onde eu sempre deixava a chave quando eu chegava em casa depois do trabalho, na mesinha de canto perto da porta e gelei frio quando vi minha chave lá.

— É oficial, eu to maluca ou então Gabriel me drogou. – Fui andando em direção ao banheiro e falando sozinha. – Aquele filho da puta me drogou, só pode ser, aquelas porra daquelas bebidas naquele bar suspeito, única explicação. – Entrei em baixo do chuveiro. – Mas ele vai ver, eu vou matar ele.

Tomei meu banho e a minha frustração era tamanha que eu esfreguei o shampoo na cabeça com tanta força que minha dor de cabeça pós ressaca/pós drogas, não faço ideia do que me deram, só fez aumentar. Fiz tudo em modo zumbi, tranquei a porta em modo zumbi, dei tchau pro porteiro e meti um óculos escuro na cara. Fui como uma defunta, ou coisa pior, caminhando em direção ao metrô para poder chegar no estúdio, não sei como eu seria capaz de tatuar alguém estando nesse estado isso é o que o Gabriel vai ter que se virar ligando e explicando para quem tá marcado pra adiar ou remarcar pra depois. Metrô modo zumbi, normalmente eu reparo nas coisas dentro do vagão, no livro que as pessoas tão lendo ou invento uma historia na minha cabeça com uma garota que eu achasse bonita no vagão, mas dessa vez só modo zumbi.

Já estava a poucos passos do estúdio então larguei meu modo zumbi e assumi meu modo “Gabriel que porra você colocou na minha bebida?”. Pisei dentro do estúdio e vi a cara dele no balcão, fui caminhando na direção dele pensando em como bater nele tendo dois clientes sentados nas poltronas ao canto.

— Gabriel que porra você… - ele me interrompeu.

— Nossa que cara é essa?

— Que cara é essa Gabriel? – sussurrei para os cliente não ouvirem. – Cara de alguém que foi drogada ontem a noite.

— Você se drogou? Não foi pra casa depois que eu fui preso?

— Vamos lá fora!

— Pra que?

Eu já estava a meio caminho pra fora do estúdio, eu precisava gritar com ele, eu não estava nada bem, nada controlada, na verdade é raro eu ficar assim, mas minha cabeça latejava e eu não conseguia pensar direito. Quando vi ele saindo pela porta já apontei o dedo pra ele.

— Você é um filho da puta!

— O que eu fiz, garota?

— Você me drogou!

— Eu te droguei, Alana? Ta doida? Primeiro que drogas são caras, tu acha que eu ia te dar droga sem você saber?

— Você não me drogou?

— Não! Pra que eu faria isso?

— Não sei! Não to conseguindo pensar, minha cabeça tá a ponto de explodir – levei a mão a cabeça.

— Você comeu alguma coisa?

— Não, só bebi um copo d'água que minha boca tá igual um deserto e minha cabeça não tá ajudando.

— Eu vou comprar alguma coisa salgada e doce pra você comer, um suco alguma coisa assim, daqui a pouco você melhora.

Ele pegou e saiu andando para o restaurante que tinha ali perto.

— Espera! Eu vou contigo. – Fui apressando o passo pra alcançar ele. – Gabriel olha pra mim.

— O que foi, fala, não preciso olhar pra você, eu escuto com os ouvidos.

— Onde você tava quando o cara tava tentando me beijar a força?

— Eu tava beijando a garota lá, alias, tenho que te esclarecer isso… Não sou nenhum fura olho, a outra garota tinha namorado, tanto que logo que eu cheguei lá não demorou muito o namorado dela veio, a outra tava solteira e quis ficar comigo.

— Ta tanto faz isso, não to nem ai pra isso, eu conheci uma garota.

— Aé? Que garota?

— A garota do longboard, é disso que eu quero falar.

— Que garota?

— A que me atropelou, você lembra dela? Quero saber se você lembra.

— Alguém te atropelou? – ele me olhou com uma cara de estranhamento.

— Você não viu ela?

— Não lembro de garota nenhuma, eu tava bêbado, não lembro nem como a briga começou.

— Você foi me defender.

— O motivo eu lembro né, só não lembro como começou.

Ele pediu um prato salgado, um prato doce e um suco pra acompanhar e eu puxei ele pra sentar na mesa.

— É por isso que eu achei que você tinha me drogado, eu me lembro dessa garota, me lembro até do apelido dela que é May. – Ele tirou os óculos da minha cara.

— Você tá acabada eim, parça. Para de arregalar esses olhos, você fica parecendo uma noiada.

— Fica quieto e me escuta, por favor! – ele ficou calado então eu prossegui – Lembro que eu beijei ela e…

— Espera um segundo, você beijou alguém? Não acredito!

— Deixa eu concluir! Eu não sei se beijei alguém ou se é tudo coisa da minha cabeça.

— Como assim? Você bebe e fica confundindo não sabe o que é real ou não?

— Eu não sei, eu não sou de encher a cara, esse pode ter sido o primeiro porre da minha vida.

— Conta como foi então.

— Eu to tentando, você não deixa – respirei fundo e contei tudo que eu consegui lembrar – então eu fui atropelada e beijei a minha atropeladora, lembro dela estar lá no meu apartamento, de ter me levado pra lá, não lembro do caminho nem de detalhes, lembro de brincar que ela era de sonho alguma coisa assim enquanto eu tava deitada no colo dela no sofá e quando acordei hoje de manhã eu estava na cama, não tinha ninguém em casa e a porta estava trancada e a chave dentro de casa.

O garçom colocou o prato na mesa e eu comecei comendo pelo doce.

— É meio estranho, já pensou em perguntar para o porteiro?

— Não adiantaria, cada porteiro tem seu horário, isso foi de madrugada eu teria que perguntar pro da madrugada.

— Vai ver ela é uma vampira e saiu voando pela janela. Come!

— Deixa de ser babaca – comecei a comer e ficar preocupada.

— Olha vamos se ater a realidade, você tem a imaginação muito fértil sabe? Eu fui atropelado, ai você sonhou que foi também, sabe confusão do cérebro? Ou ela existe e você foi atropelada, ela deve ter te levado até a porta do apartamento o resto você sonhou. Eu já cheguei em casa sem nem lembrar como eu cheguei é o poder da bebida. É uma explicação que faz sentido, mas de madrugada você passa um interfone para o seu porteiro e pergunta e acaba com o mistério. Só sei que eu não te droguei. Eu sei que tenho essa minha cara, mas eu não uso drogas tá bom? Eu sou assim de natureza.

Continuei comendo e enquanto eu comia eu sentia como eu precisava comer alguma coisa, era como se a cada garfada eu conseguisse um pouco da minha sanidade de volta.

— Tem como você cancelar qualquer coisa que eu tenha pra fazer hoje? Diz que é um mal estar e que eu vou fazer um desconto pelo inconveniente.

— E o que você vai fazer o dia todo?

— Não sei, to pensando em ir pra casa.

— Fazer o que em casa? Você veio aqui atoa?

— Vim falar com você, saber se você tinha me drogado e se tinha visto a garota, mas não adiantou de nada né, vou fazer o que?

— Já ouviu falar em telefone?

— Já, mas eu queria te bater caso você confessasse que me drogou.

— Você acha que eu confessaria? - olhei bem seria pra ele. – Eu to brincando, você é a pior pessoa de ressaca, de onde veio todo esse mal humor?

— To um saco né? Desculpa, é que parece que meu corpo tá lutando contra a mente e vice-versa.

— Daqui a algumas horas você vai estar melhor e pronta pra tatuar.

— Eu tenho medo de tatuar assim e fazer alguma cagada.

— Eu vou adiar os de agora de manhã e os de mais tarde você atende.

Eu passei boa parte do tempo que eu tive disponível deitada dormindo na cadeira de tatuagem, com a porta trancada e um pano na cara até me sentir bem o bastante pra poder tatuar alguém. A primeira cliente se chamava Alycia ela queria fazer uma tatuagem em homenagem ao cachorro dela que tinha acabado de falecer a poucos dias. Ela trouxe várias fotos dele e me mostrou em seu celular, alguns vídeos também para eu poder fazer um desenho que parecesse com ele. Eu pedi pra ela me falar o brinquedo favorito dele porque eu iria desenhá-lo com ele na boca.

— Ele é um bulldog francês, ele tinha essa cara dele de imponente mas o Rufus sempre foi o mesmo filhotinho bobão, mesmo depois de ter crescido.

— Eu também tenho um cachorro, só que infelizmente depois que eu me mudei não pude trazer ele, ele fica na casa dos meus pais.

— Você vê ele com frequência?

Preparei o desenho que ela aprovou para desenhar em sua panturrilha.

— Infelizmente não, falta de tempo.

O motivo real não é falta de tempo, eu tenho tempo de ir na casa dos meus pais, só prefiro não ir, prefiro evitar aquele ambiente ao máximo. Normalmente quando eu vejo a Doris é porque eu vou até a casa dos meus pais e fico olhando ela no quintal sem nem ter a coragem de entrar na casa.

— Qual a raça?

— Ela é uma Welsh Corgi, sabe aqueles cachorros da rainha? Com perninha curta? Meus avós por parte de mãe sempre foram meio fascinados pela rainha, viajavam para o Reino Unido depois de aposentados e como eu queria muito um cachorro eles juntaram o útil ao agradável e trouxeram um filhotinho, a Doris.

Eu desenhava o contorno com o máximo de concentração que eu podia obter, tentando ignorar o sinais da ressaca que meu corpo ainda não tinha eliminado da minha mente e do meu corpo. Durante a tatuagem não pude evitar de lembrar como minha vida era antes. De ir pra igreja com a bíblia embaixo do braço. A igreja as vezes pode parecer um ambiente imaculado e livre de intriga, mas existe uma briga de egos interna. Meus pais sempre queriam exibir seus filhos perfeitos. Era uma competição estranhe que existia lá dentro. Tenho certeza que até hoje eles devem contar uma historia mentirosa para todos do motivo pelo qual eu desapareci. Alguma historia se vangloriando e mentindo que eu estou fazendo algo genial como “uma missão para pregar evangelho” ou alguma coisa do tipo. Engraçado é que eles me faziam acreditar inocentemente que a verdade me libertaria. Só que a verdade foi algo que eles sempre tentaram esconder. Uma família fundada sobre bases cristãs, meus avós maternos e paternos e seus filhos que se conheceram na igreja e casaram virgens. Pelo menos é isso o que eles contam pra gente, só Deus sabe as mentiras que eles contam. Eu não quero mais ter relação com nada que envolva a família Garner. Eu adoraria poder ir ver a Doris, mas não consigo olhar aqueles hipócritas nos olhos e ouvir mais uma propostas para que eu siga “o caminho correto” o medo deles é que meu pai se torne alguém mais importante na hierarquia da igreja e que todos fiquem sabendo da “vida depravada” que eu levo.

Chego exausta em casa, exausta de pensar, exausta de tatuar, exausta de tudo, ainda mais que eu passei o dia todo pensando na minha família, foi uma bosta. Eu não queria pensar, mas eu não consegui tirar isso da cabeça. Queria que eles mudassem. Nem o meu irmão tenta contato comigo, ele que sempre foi muito mais rebelde que eu, só que sempre soube manter a imagem que meus pais esperavam dele, como eu também fazia até cansar de viver uma mentira. Chega de pensar nisso! Chega! Estou exausta. Me jogo no sofá e puxo o notebook da mesinha. Vou assistir um filmezinho no Netflix e depois falar com o porteiro, abro a tela e tem um post-it amarelo colado escrito um numero de celular e embaixo escrito “May”. Abro um sorriso imediato e adiciono o numero na agenda do meu celular e mando um “olá” no Whatsapp. Ela existe! Eu não to louca, ufa!


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