Um novo trilhar escrita por Nyne


Capítulo 14
Capítulo 13 - Revelações


Notas iniciais do capítulo

Olá queridas leitoras, como estão?
Leitores fantasma, apareçam! Deixem um review, mesmo que um simples "oi". Isso faz toda a diferença na vida de um autor.
Ótima leitura.



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Com o passar dos dias Suzana foi retornado ao seu normal. Voltou a se arrumar, sair de casa e também a fazer suas pinturas e esculturas.

Carlos ficou feliz com o progresso dela, mas notou que um pouco do brilho que ela costumava ter nos olhos já não existia mais.

Ele próprio já não se sentia como antes. Não mostrava tanto quanto a esposa, mas não havia se perdoado por tudo o que havia acontecido com ela. Achava-se culpado por tudo o que a esposa havia passado. E tudo por não conseguir superar uma ferida passada. Uma ferida antiga, mas que ainda doía.

Lembrou das palavras ditas por sua mãe dias antes.

"- Exponha seus medos pra ela, conte sobre o seu passado Carlos. Todo ele."

Expor seus medos... Eram tantos. E como se não bastasse agora havia mais um para a coleção. Medo de expor seus medos e perde-la depois disso.

Valeria à pena arriscar ou seria melhor deixar Suzana permanecer na ignorância?

Ele não sabia.

**************************************************************

Carlos procurou Suzana por toda a casa, mas não a encontrou, o que o deixou preocupado. Tentou o ateliê, mas ela também não estava lá.

Ele observou que a porta estava aberta, então decidiu entrar.

Não era a primeira vez que ia até lá, mas nenhuma dessas vezes esteve no local sem Suzana.

Olhou as paredes e viu vários dos quadros dela. Alguns eram bem realistas, fáceis de discernir as imagens, enquanto outros eram semelhantes a rabiscos de uma criança na pré escola.

Um dos quadros era bem nítido para Carlos. Era uma mulher grávida. No quadro ela tinha as mãos sobre a barriga, mas lágrimas eram destacadas em seus olhos.

Não muito longe Carlos pode notar outros quadros retratando diferentes cenas, mas em todos havia um ponto em comum. Em todos eles havia um menino. Chegou a cogitar que ela havia feito aqueles quadros assim que perderam a filha, mas esse foi o período que Suzana mal saia da cama, sequer ia até o ateliê. Mas ainda assim ficou se perguntando: Porque ela retratava um menino? Perderam uma menina e Suzana sabia disso.

Carlos se perguntou quando ela havia feito aqueles quadros. Olhou mais de perto e viu a data. Coincidiam com a melhora de Suzana.

Ainda estava pensativo quando ouviu a voz de Suzana atrás de si.

– Está tudo bem?

– Sim, tudo bem. Eu estava te procurando e como não te achei em lugar nenhum, imaginei que estivesse aqui.

– Estava, mas fui comprar uns pincéis novos. Esses estão muito gastos já.

Carlos continuava olhando os quadros. Ela fez a pergunta que ele mesmo se fazia internamente.

– Não está entendendo o porquê do menininho nos quadros não é?

– Na verdade não.

Suzana deu um riso tímido.

– Você vai achar que sou louca...

– Prometo que vou pelo menos tentar não achar. - brinca ele recebendo um soco leve no braço.

– Eu tive um sonho uma vez. Sonhei que estava no cemitério colocando flores no túmulo da Isabela e uma menininha aparecia atrás de mim. Disse que conhecia a minha filha e que ela disse que não queria mais me ver triste e que ia mandar um menininho pra eu tomar conta.

– Quem ia mandar? A Isabela?

– Sim. Desde esse dia eu sonho com esse menino quase que todos os dias.

– E você pinta os quadros como aparece nos seus sonhos, é isso?

– Sim. Pode parecer loucura, mas depois que tive esse primeiro sonho me senti bem melhor.

Carlos sorri enquanto olha um dos quadros.

– Suzana... Vai fazer alguma coisa agora?

– Nada que não possa adiar. Por quê?

Carlos olha para o quadro da mulher grávida. Quero... Na verdade não quero, mas preciso muito falar com você.

– O que aconteceu Carlos?

– Acho que está mais do que na hora de você saber algumas coisas sobre mim que você não sabe. Coisas que... Eu não soube como te contar.

– Você está me assustando. O que aconteceu?

**************************************************************

Eles estão no escritório de Carlos agora. Apesar de não ter mais ninguém na casa ele resolve fechar a porta. Hábito que adquiriu no decorrer dos anos, antes mesmo de ter um escritório em casa.

Suzana estava sentada na cadeira que ele usava quando trabalhava lá enquanto ele permanecia de pé. Não por falta de outra cadeira, mas por nervoso.

– Você está me assustando Carlos. O que aconteceu que você não soube como me contar? Tem a ver com a Isabela? Com o dia que fui para o hospital?

– Não. São coisas minhas, sobre a minha vida.

Suzana o olhou confusa. Carlos parou na frente dela, se encostando a mesa. Buscou as palavras certas para começar aquela conversa. Até mesmo chegou a ensaiar algumas vezes em como ter aquela conversa com ela, mesmo sabendo que na hora tudo tendia a sair diferente.

– Você já se perguntou o porquê eu ser tão avesso a adoção?

– Várias vezes.

– Nunca teve a curiosidade de me perguntar?

– Já. Algumas vezes até joguei um verde, mas você ficava nervoso, desconversava. Eu respeitava isso.

Ele leva as mãos à nuca e entrelaça os dedos lá. Dá dois passos para frente, o suficiente para se afastar da mesa.

– Vou te contar uma história e quero que escute até o fim.

– Isso tem a ver com o que você precisa me falar?

– Tudo a ver.

– Estou ouvindo.

Carlos passou a andar pela sala, mexendo no rosto, no cabelo, nas mãos. Não olhava diretamente para Suzana quando começou a falar.

– Existia um casal rico, não milionário, mas muito bem de vida. Eles tinham um filho. Mas esse filho era doente. Tinha um tipo de anomalia muito rara no sangue. Levaram o menino em todos os médicos que se possa imaginar, dentro e fora do país, tudo na busca de encontrar uma cura pra ele.

Carlos não parava de se mover, de andar de um lado para o outro. Suzana ouvia a história atentamente.

– Um desses muitos médicos disse que talvez a única coisa que pudesse salvar a criança seria um transplante de medula óssea, uma coisa que pra aquela época era muito difícil, porque não existia o avanço da medicina que existe hoje. Enfim, mas pra esse transplante apenas um parente direto poderia ser o doador, coisas ligadas à compatibilidade sanguínea, não entendo bem sobre isso. A questão era que o pai e a mãe eram os parentes mais próximos, mas mesmo assim devido ao fator Rh do sangue não podiam ser os doadores.

Suzana se ajeitou na cadeira e continuou prestando atenção a história que Carlos contava.

– O médico disse que era uma pena não terem tido outros filhos, pois geralmente irmãos costumam ser compatíveis entre si em mais da metade dos casos. Foi ai que o casal desesperado pra salvar o filho teve uma ideia.

– Ter outro filho. - Completou Suzana.

Carlos fez um maneio positivo com a cabeça.

– Eles nunca planejaram ter além de um filho, mas ter um segundo passou a ser uma atitude desesperada, a salvação do filho que foi realmente desejado.

Carlos usou um pouco de amargura na frase e Suzana percebeu, mas não o interrompeu.

– Conseguiram. A mulher engravidou e teve uma gravidez saudável, cheia de mimos e cuidados, até que enfim a criança nasceu. Outro menino.

Ele dá um suspiro longo e para a alguns metros de distancia de Suzana, ficando de costas pra ela.

– O menino mal tinha nascido já correram para fazer o transplante. Foi usado o sangue do cordão, algo assim. Hoje isso é normal, mas na época era uma coisa pouco conhecida. Em outros termos, o menino que tinha acabado de nascer serviu de cobaia pra aquilo tudo.

– O transplante deu certo?

– Deu. O menino doente ficou curado, os pais felizes, radiantes com o "milagre" - disse Carlos fazendo aspas com os dedos. - Seriam uma família completa e realizada, pai, mãe e filho.

– Filhos, você quis dizer.

Carlos riu debochado.

– Suzana, você prestou atenção a parte que disse que aquele recém nascido era uma cobaia? Não foi apenas jeito de falar. Foi exatamente isso que aconteceu.

Suzana sente um frio lhe percorrer a espinha.

- O que você quer dizer com isso?

Carlos se volta na direção dela. Seus olhos estavam vermelhos, mas não havia lágrimas neles. Suzana sentiu um aperto no peito.

– Aquela família sempre esteve completa. Nunca quiseram outra criança correndo e brincando pela casa, ainda mais agora que o filho estava bom. Um bebê só iria atrapalhar.

– O que aconteceu com o menino Carlos?

Ele aperta a ponta do nariz com os dedos, segurando as lágrimas o quanto podia.

– Ele ficou no hospital. Simplesmente o abandonaram lá, como se fosse uma roupa velha que não servia pra mais nada.

– Mas como? - Suzana estava chocada - Ninguém no hospital fez nada? Não denunciaram esses monstros?

– Eles tinham influencias Suzana. A cidade era pequena e muita gente devia favores pro pai da criança. Ele cobrou alguns desses favores, fazendo as pessoas acreditarem que aquele seria mais um caso de mãe solteira que não teria condições de cuidar de uma criança e achou melhor deixa- lá no hospital. Foi exatamente isso que fizeram.

Suzana estava boquiaberta.

– Largaram ele lá amor, como se fosse um lixo. Ninguém se importou com ele, a serventia havia acabado. Apenas uma mulher se importou com a criança, uma das enfermeiras. Ela acabou se apegando ao menino. Ela era solteira e queria adotá-lo, mas não foi nada fácil pra ela.

– Adoção já é uma coisa cheia de burocracia pra casais, imagino pra uma mulher sozinha... - comenta Suzana mais para si própria do que para Carlos, que continuou a falar.

– Ela soube que o menino seria levado pra um abrigo dali alguns dias. Sabia também que dificilmente ele seria adotado. Então ela fez das tripas coração pra conseguir adotar o menino. Depois de abrir mão de muitas coisas e se submeter a outras tantas, enfim ela conseguiu. Adotou o menino e saiu da cidade com ele. O criou como filho até os dez anos de idade dele.

Suzana sentia os olhos arderem e a cada palavra de Carlos, sentia o coração apertar.

– O casal nunca procurou a criança sequer pra saber o que havia acontecido com ela. Pra eles não fazia diferença. Mas o destino pregou uma peça neles.

– Como assim?

– O filho tão querido e amado morreu. A família estava realizando uma viagem e sofreram um acidente de carro. Não aconteceu nada com o pai, mas a mãe ficou inválida e o menino morreu na hora.

Suzana levou as mãos à boca, em choque.

– Depois disso a mulher piorou ainda mais. Culpava-se pelo o que aconteceu com o filho. O marido também a culpava, afinal ela era quem estava dirigindo, mas ele também se culpava por não ter evitado aquela tragédia. Era que ele que sempre dirigia, mas aquele dia resolveu deixar isso por conta da esposa.

– E o que aconteceu depois?

– Então ele teve uma brilhante ideia. Buscar o filho rejeitado. O bebê largado no hospital que agora já seria um rapazinho, não daria tanto trabalho quanto um bebê. Fazendo isso, ele amenizaria sua culpa e a da esposa. Era como se ele tivesse atropelado um cachorro e colocado outro no lugar. Todos ficariam felizes.

– Ele foi atrás do menino?

– Foi. Continuou cobrando os favores e descobriu que o menino havia sido adotado e onde a mulher estava vivendo com ele.

– E os achou?

– Sim. Foi atrás dela com advogados, assistentes sociais, todos tão corruptos quanto ele.

– E o que aconteceu?

– Ele a chantageou. Disse que a denunciaria por sequestro se não devolvesse o garoto. Diria que a criança estava confusa e sofria da síndrome de Estocolmo. Você sabe o que é isso?

– Sim. É o nome que usam quando uma pessoa submetida à intimidação ou ameaças por muito tempo acaba desenvolvendo amizade ou até mesmo amor pelo sequestrador não é?

– Isso. Mas isso não intimidou a mulher, que é bom ressaltar nunca enganou o menino. Sempre disse que ele era adotado. Mesmo ele sendo uma criança ela sempre lhe contou a verdade sobre a história dele.

– E o que esse homem fez então?

– O que pessoas como ele eram acostumadas a fazer. Ofereceu dinheiro, muito, o suficiente pra ela viver sem nunca mais ter que trabalhar. Mas ela era uma mulher digna, honrada, sempre foi e não aceitou. Então o homem jogou sujo mais uma vez. Com os advogados que tinha contratado conseguiu uma forma de tirar o menino na mulher. Alegou que ela não tinha condições de criá-lo e ele sendo o pai biológico, casado com a mãe do garoto e bem de vida, poderia dar uma condição de vida e criação a ele muito melhor do que a que ele estava tendo. Estava tudo preparado já, papéis, ordens judiciais, tudo. No mesmo dia que ele foi até a casa da mulher já planejava trazer o menino junto com ele.

– Meu Deus!

Carlos chorava e agora as coisas mesmo ainda confusas começavam a fazer sentido na cabeça de Suzana.

– O menino chorava enquanto a assistente social o afastava daquela que ele chamava de mãe. Ele pedia pra deixarem ele lá, com a mãe dele, mas ninguém deu à mínima. Ele viu ao longe os advogados, segurando a mulher que chorava como louca tentando correr atrás do carro que estava levando o menino dela embora... Mas não conseguiu. Ele era apenas uma criança, mas naquele momento, pela primeira vez em sua vida, sentiu o que era ódio. Olhou para o homem que parecia um cubo de gelo de tão frio e disse que ele nunca ia o chamar de pai. O homem não deu ouvidos a ele e depois de algum tempo desapareceu da cidade com o garoto e a esposa. Ele sempre fora um garoto esforçado, estudioso e mesmo o pai tendo realmente condições financeiras suficientes para custear seus estudos, ele sempre estudou muito para ganhar bolsas, tanto na escola como quando entrou na faculdade de direito. Escolheu essa área pra ser o oposto daqueles que viu o tirar de sua mãe adotiva. Só anos depois, o garoto descobriu onde ela estava e passou a se encontrar as escondidas com ela, porque tinha medo do que o pai poderia fazer com ela caso descobrisse.

Suzana olhava fixamente para Carlos, que olhava um ponto fixo.

– Com o passar dos anos o garoto fuçou, fuçou e descobriu toda a história dele, sem brechas ou coisas inacabadas. Foi ai que descobriu sua origem podemos assim dizer. Chegou até a encontrar fotos daquele que seria seu irmão. O pai acabou confessando tudo quando o garoto o colocou contra a parede. Depois disso, o homem fez de tudo para conseguir ter uma boa relação com o filho, mas não por amor, mas sim por uma tentativa frustrada de reparar um erro. Mesmo assim, o garoto nunca conseguiu os perdoar, sequer amar como um filho ama o pai. Aquela que se dizia sua mãe nunca o ouviu chamá-la assim, nem mesmo no seu leito de morte.

Suzana não tinha mais dúvidas. Levantou-se e foi na direção de Carlos.

– Assim que a mulher morreu, o garoto, já um rapaz, saiu de casa. Arrumou um emprego, batalhou e passou a se virar sozinho. Mais uma vez mudou de cidade e se manteve o mais longe possível de tudo ligado a sua família, ou o que deveria um dia ter sido sua família.

A mulher segurou uma das mãos do marido e com a outra segurou seu rosto.

– Esse menino... Esse menino era...

Ele levanta o olhar, olhos vermelhos e úmidos a encarando.

– A mulher deu pra ele o nome de Carlos. Sim Suzana, o menino da história sou eu.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e continuo sendo cara de pau e pedindo, DEIXEM SEUS REVIEWS,POR FAVOR!
Preciso saber o que estão achando da fic.
Talvez atrase alguns dias a próxima postagem, pois estou aprendendo uma nova atividade no meu trabalho, mas fiquem tranquilos, pois com certeza atualizarei a fic o quanto antes.
Grande beijo a todos!



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