O garoto de Azul escrita por O Garoto de Azul


Capítulo 1
O Desastrado


Notas iniciais do capítulo

Talvez alguns já tenham lido essa história no nosso blog (isso, nosso, somos dois autores). Bem, decidimos postar no Nyah!



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Júlio estava tranquilo. Finalmente estava em casa, aproveitando o descanso que estar ali lhe proporcionava. Todo o ambiente tinha sido decorado por seu marido, Hector. Desde a poltrona marrom claro em que estava sentado até a pequena mesa de centro preta da sala de estar. As estantes cheias de livros, os sofás em frente à pequena lareira de inox, o pequeno jarro de flores silvestres que ficava em cima da mesa de centro, o grande tapete felpudo onde o pequeno Theo gostava de brincar, até mesmo os móveis da cozinha, todos de madeira sintética ou de mármore, haviam sido escolhidos por Hector.

Júlio gostou de deixar que ele comprasse tudo, afinal de contas não era tão bom assim em decorações. Dentro de todo o espaço da casa os únicos cômodos que Julio escolheu algo foram os quartos. No quarto de Theo ele deixou que Hector escolhesse a pequena estante de mogno e todo o closet dele, mas Júlio fez questão de escolher o berço. Era grande, feito de prata; além do colchão central ele tinha duas almofadas nas paredes menores e as laterais eram finas barras de prata, em formato de rosas. No seu quarto ele também só escolheu a cama. Diferentemente do berço de Theo, a cama não era de prata, mas sim de madeira, apenas a estrutura. Tinha uma grande cabeceira recurva com almofada, que servia para se encostar quando não quisessem deitar. Era enorme, tinha espaço para cerca de quatro pessoas.

Sentado na poltrona, com os pés numa plataforma flutuante de vidro, Julio deixou que o robô de massagem relaxasse todo o seu pescoço. Havia sido um presente de Hector, no seu 3º aniversário de namoro. Hector havia saído há poucas horas para trabalhar e voltaria mais rápido ainda. Julio estava aproveitando o tempo que estava passando em casa. Trabalhava numa base de pesquisa a setecentas milhas do limite da cidade - a Ponta da Hélice - e passava cerca de um mês na estação percorrendo as ilhotas que um arquipélago que estava sendo estudado.

Normalmente revezando com outro Biotermofísico de Páktrons, ele se sentia bem por poder ler um romance subestimado e ouvir os seus discos de La Fema. Sentado assim esquecia completamente da vida agitada que vivia e deixava-se levar pelo momento como sempre fez desde que voltou do ano de treinamento.

Seus cabelos castanhos estavam começando a ficar queimados de sol. A sua pele, porém, continuava inalterada, sempre com um bronze leve, cor de caramelo. Os olhos amendoados brilhavam a qualquer luz e este fato foi decisivo antes mesmo que Hector soubesse que estava apaixonado. A música que preenchia a casa mudou e a que começou a tocar era uma nova versão da música que tocava na noite em que Hector escorregara sobre ele.

Ainda, depois de cinco anos, ele se sentia como aquele adolescente que acabara de sair do treinamento e fora de penetra numa festa de fraternidade. Ainda lembrava-se de cada detalhe minucioso daquela festa e das pessoas que ele conheceu por lá, especialmente do Desastrado - apelido que deu a Hector e vez por outra permanece o chamando assim - e dos encontros após todo o tempo.

Para ele, cinco anos representava o momento em que se sentia vivo de verdade, e nada antes disso poderia levar em consideração, pois sua felicidade era imensa. Perdido em suas memórias recentes de um amor intenso e infinito, ele ouviu um som de repente e lembrou-se que o pequeno Theo, com dois meses e dezoito dias, estava dormindo. Levantou-se calmamente e deixou um marcador no livro. Ao chegar ao quarto, Theo esperneava deitado no berço forçando as barras laterais querendo fugir. O sorriso que nasceu em seus lábios ao ver o seu filho resumiu num pequeno segundo o quão feliz ele era.

Theo usava um macacão amarelo maracujá e ao ver o pai começara a sorrir tentando inutilmente quebrar as barras. Suas pernas pequeninas faziam muito esforço contra as grades. Seu rosto estava franzido, fazendo-o parecer com um velhinho prestes a resmungar de tudo. A sua pele, caramelo como a de Júlio, recebia a fraca iluminação do quarto. Ali soava um som diferente do que se ouvia na sala. O ambiente tinha sido programado para parecer o oceano à noite. O som das ondas preenchia-o. Havia uma luz fraca em um dos cantos das paredes de vidro, simulando o brilho fraco da lua. No teto a imagem do céu cheio de estrelas dava um pouco mais de luminosidade.

Sua primeira pelúcia era um jacarezinho verde musgo com poucos detalhes e nele se agarrava sempre antes de dormir. Assim como ele, Theo parecia adorar se aventurar e soltava uma risada ou outra quando era erguido no ar acima de sua cabeça, quase tocando no teto. Nunca imaginou que um dia fosse ser pai, até quando, para sua surpresa, viu-se iniciando uma conversa sobre querer um filho e iniciar o processo numa clínica especializada.

Cantarolava alegremente uma canção que aprendera ainda criança e segurava na mão do Theo fingindo que estavam dançando, e assim nesta dança meio que travada ele passou muito tempo desligado do mundo rodando em círculos e cantando infinitas vezes uma canção de ninar. A casa mudara as paredes para parecer um grande salão com teto de vidro onde se podia ver o céu. E tocava uma melodia calmante enquanto Júlio cantava O garoto de azul.

Theo voltara a dormir já na quarta repetição, mas ele só se deu conta quando sentiu mãos fortes tocando-lhe os ombros e então sem ver ele já sabia quem era. Sentiu a respiração de Hector passar pelo seu pescoço e observar cauteloso o pequeno Theo. Podia jurar ter ouvido um sorriso de satisfação. Inclinou-se e pôs Theo novamente no berço voltando a olhá-lo amorosamente e sentir os braços de Hector o envolvendo completamente. E jamais se sentia seguro como nos braços do Desastrado. Ele passou as mãos pelos ombros de Júlio e abraçou-o ternamente enquanto beijava o seu pescoço. Júlio olhou bem para o pequeno Theo e lembrou-se de quando começou a cogitar a ideia de ter um filho.

...

Era mais um dia ensolarado de verão e ainda assim o aniversário de quatro anos de namoro, naquele dia Júlio acordou o mais cedo que pôde e desceu ao refeitório para pegar o café da manhã que havia combinado para surpreender Hector. Subiu no elevador na companhia de sua vizinha do andar de cima que havia saído para sua caminhada matinal e perguntou-lhe o motivo da cesta especial.

—É o nosso aniversário de namoro!

—OOH - ela parecia realmente bastante animada a ponto de soltar a coleira e juntar as mãos em frente à boca aberta - o que pretendem fazer hoje?

—Eu vou levá-lo para o aquário, vou fazer uma surpresa. Mas antes vamos ao cinema.

—Sabe, meu Harold me pediu em casamento no antigo píer, estávamos namorando há alguns anos e notei que nas últimas semanas ele estava diferente, pensei até que diria que não me amava mais e então ele me fez uma surpresa. Ele pulou no mar por que havia visto uma garrafa boiando, mas nem sabia que eu que era tudo planejado e a garrafa estava presa por um fio - ela sorria um riso meigo - e dentro da garrafa havia um pacote pequenino que ele me mandou abrir enquanto tirava a camisa molhada, mas não notei ele se ajoelhando e quando abri o pacote havia um anel com uma perola dourada, olhe bem - Falou estendendo a mão um pouco trêmula em sua direção e passando a coleira para o outro lado. Júlio apertou a mão da senhora e admirou aquela bela pérola no momento que chegou ao seu andar.

—É o meu andar, até mais Eliza.

—Passe lá em casa amanhã para me contar como foi.

—Pode deixar que irei.

Ele montou o café da manhã da melhor forma possível sobre a pequena mesa de aço da sala de estar coberta com uma toalha de renda. Quando entrou no quarto ainda viu Hector dormindo com metade do corpo descoberto e usando apenas meias e uma cueca de seu desenho favorito. Não pôde conter o riso e isso fez um barulhinho que foi ouvido.

—O que você tá fazendo aí em pé?

—Nada, eu tava apenas...

—Vem cá. - puxou-o pelo braço e jogou-o na cama.

Os dois riram descontroladamente e Júlio encarava Hector e ficava pensando, pensando. Não havia palavras. As cortinas começaram a ser abrir e acabou com aquele ar de penumbra que pairava, e a luz do sol entrava pelo vidro. Os raios passaram a ser cortados quando os lábios se encontraram.

Depois de terem almoçado num café bistrô da avenida principal com a Rua dos Anjos, eles foram sentar-se numa praça aberta e espaçosa que nos domingos enchia-se de pessoas se divertindo, mas era quinta feira e pouco estava lotada. Tomando seus sorvetes de algodão doce e caramelo, sentaram-se num banco de madeira artificial. Júlio cruzou logo as pernas e ficava virado olhando o seu amor. Hector passou a mão por ele e o abraçou apoiando-o em seu ombro. Algumas crianças estavam brincando num parque próximo e uma ou outra correndo por aí.

Um garoto brincava com uma bola, e de tão pequeno deixava-a a escapar sempre que a pegava. Hector apenas o observava enquanto conversava com Júlio até a bola escorregar e parar próximo aos seus pés. Quando se inclinou um pouco para pegar e jogar para o menino que estava longe, Júlio pulou de seus ombros e levou a bola até as mãos do garoto e embaraçou-lhe os cabelos.

Quando voltava viu Hector apontando para ele, soltou um beijo no ar, e mesmo assim Hector insistia em apontar. Quando virou viu que o garoto vinha atrás dele o mais rápido que conseguia. Ele agachou-se, pois o garoto queria falar algo.

—Lanço! Lanço!

—Ele quer ir ao balanço, Hector. - falou como se estivesse pedindo por ajuda, pois não sabia como fugir da situação.

Hector levantou-se e se aproximou dos dois.

—Ora, leve-o ao balanço.

—Mas... Mas...

—Desculpem se ele está incomodando vocês, vem Jess. - falou uma garota adolescente pegando o irmão nos braços.

—Não, não estava incomodando, ele queria ir pro balanço.

—Lanço, lanço!! - ele repetia eufórico tentando se soltar dos braços da irmã.

Normalmente ela teria se despedido e levaria ele de volta para casa, mas nunca vira o pequeno irmão tão determinado em brincar de alguma coisa, todos os dias que saia para brincar ficava a evitar os outros garotos da sua idade e estrito aquela bola. Assim que ela pôs ele no chão, correu diretamente e pegou no dedo indicador de Júlio, puxando-o para o balanço das crianças menores.

Hector ficou próximo da garota enquanto assistia de longe a Júlio se enrolando ao prender o garoto com o cinto e ficar empurrando-o levemente com medo de que ele se soltasse, conferindo o cinto milhões de vezes e ignorando os gritos do garoto quando pedia para ir mais alto.

—Aquele garoto cismou em você hoje, amor.

—Eu não tinha ideia do que fazer, sabe? Ele era tão pequeno e tão agitado, não parava quieto.

—Ei, eu era assim tá.

—Eu também, mas não tão agitado, tinha esquecido como é.

—O quê?

—Cuidar de uma criança.

—E você já criou?

—Costumava olhar a Sandy quando meus pais saiam, mas nada além. Ela tinha o botão de desligar, só era cantar pra ela e pronto, dormia.

—E qual o seu botão de desligar?

—Hã?

—O que te deixa mais calmo?

—Você.

—Então você é calmo o tempo todo.

—É, pode-se dizer, você quer o quê? Um filho inquieto para agitar as coisas?

—Pode ser.

—Sério Hector, que você quer?

—Você que sugeriu um filho, eu estou apenas aceitando - ele ria enquanto entrava no banheiro - você quem sabe.

—É...

Hector estava lavando as mãos quando notou que não havia som vindo da sala. Colocou a cabeça para fora e viu Júlio sentado no sofá com um olhar vidrado e um sorriso frouxo.

—Vamos?

—É... Sim, vamos.

Eles saíram para jantar no refeitório e Hector, no elevador, olhou para Júlio e soube que ele estava rindo por imaginar um filho só deles.


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Notas finais do capítulo

Àqueles que quiserem ver no blog (que, às vezes, vai ser atualizado mais rápido que o Nyah!) o link: ogarotodeazul.blogspot.com.br



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