Ela se despede e sai pela porta enquanto coloca a touca do casaco para se proteger da neve. Parte do cabelo cai em seus ombros levemente, o rosto um tanto mais pálido do que o normal pelo o frio.

Eu sei que deveria tranca-la aqui dentro, seria menos um monstro lá fora. Eu sei que deveria pelo menos dizer que sei de tudo, eu devia impedi-la, mas a deixo ir, não sei bem o porquê, apenas deixo.

Eu tive a chance de salvar várias pessoas, mas não fui capaz, devo ser um monstro também, mas um diferente dela. Vejo-a virar a rua e tempo depois a perco de vista. A cidade inteira escuta um uivo agudo vindo das montanhas, é um som que machuca ligeiramente os ouvidos e deixa os animais de estimação nervosos.

Deveria ter dito que sabia o que ela fazia todas as noites, que ela é uma assassina, deveria ter dito que sabia ela é uma licantropa. Porém, apenas selei nossos lábios e me despedi, a abracei com ternura e beijei seus cabelos acinzentados, ela disse que me veria amanhã. Perguntei se poderíamos tomar o café da manhã juntos e ela respondeu que não seria possível, logo me lembrei de que pela manhã minha amada terá o corpo coberto de sangue humano como o meu.

Da minha janela posso ver o grande lobo branco correndo, quase se camuflando com a neve. Pergunto-me se enquanto ela tem sua caminhada solitária, ela percebe o que está prestes a fazer, ou será que neste momento já perdeu a sua consciência humana.

Ela irá correr até uma cidade vizinha, escolher algumas vitimas, se alimentar. Em algum momento caíra em uma espécie de sono e acordará como a garotinha magricela, de pele branca e cabelos platinados novamente, com o mesmo jeito e face inocente, mas com as marcas da noite anterior provando que tudo é real.

Eu nunca havia acreditado em tais lendas até ver com meus próprios olhos um deles. Jared, ex-namorado de Lauren, ele aparecia frequentemente e fazia algumas ameaças para que Lauren me deixa-se e reatasse com ele, se humilhava e implorava pelo seu amor.

Um dia ela saiu da minha casa, já era um tanto tarde, mas Lauren insistiu que iria sozinha. Acabou esquecendo um pingente que ela tanto amava aqui, eu fui atrás dela para devolver o colar e acabei vendo.

Jared estava bloqueando o seu caminho e os dois brigavam calorosamente, notei que ele estava tremendo de nervoso e poucos segundos depois o seu punho acertou o rosto dela, o sangue escorreu imediatamente de seu nariz e lábios. Prontamente fui interferir, mas congelei quando vi o grande lobo marrom no lugar onde ele estava.

Uma mordida, eu achei que ele iria mata-la, séria melhor se tivesse matado. O sangue se alastrou formando uma mancha vermelha em sua camiseta azul clara como o céu daquele dia.

Uma mordida no ombro esquerdo foi o que bastou para acabar com a Lauren que eu conhecia. Jared voltou e o lobo sumiu, colocou a corpo desacordado da frágil garota nos ombros e saiu.

Provavelmente foi ele que cuidou do ferimento, foi ele que segurou a mão dela enquanto ela se debatia em uma cama, a mordida fazendo efeito, a licantropia se espalhando por ela, como um veneno. Maldita doença. Provavelmente foi ele também que explicou para Lauren o que era ser um lincatropo.

Infelizmente todo o cuidado foi em vão, eu sei, Jared está morto agora, eu conheço o bastante de minha noiva pra saber o que aconteceu com ele.

Agora ela tem em cima da cicatriz de seu ombro esquerdo uma tatuagem, a cabeça de um leão do lado direito, a de um tigre siberiano no direito e no meio das outras duas a de um lobo branco.

Pergunto-me se ela desconfia que eu saiba de tudo pela forma que toco a tatuagem, de como olho para a cicatriz um tanto aparente ainda, pela maneira que beijo o seu ombro esquerdo e como deixo ela sair todas as noites sem perguntar nada.

Olho para o relógio e vejo que passei a noite em claro novamente, já são 5 da manhã e o sol nasce calmamente. Nas colinas, o lobo pálido corre de volta para casa, eu posso sentir isso.

Um último uivo, a caçada acabou, Lauren está de volta.