Daniel's Life escrita por Berneleau


Capítulo 1
A Vida de Daniel




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Daniel não sabia onde estava ou como chegara ali, o sol inundava o lugar que parecia ser uma floresta rodeada de árvores muito altas e flores de todas as cores, o vento soprava suavemente e trazia um aroma de baunilha. Era um belo dia de verão, ele começou a andar e percebeu que estava descalço quando sentiu a grama macia, era sem dúvida o lugar mais lindo que ele já conhecera. Ele se deitou na grama e fechou os olhos sentindo apenas o calor do sol e o cheiro de baunilha.

— É um belo lugar, você não acha?

Ele ouviu a voz e abriu os olhos, viu uma garota em pé na grama, curvada olhando para ele. Ela era linda, a garota mais linda que ele já tinha visto. Seus cabelos eram ondulados e compridos, muito escuros como seus brilhantes olhos, seu rosto parecia esculpido à mão. Ela usava um vestido branco que esvoaçava e dançava com o vento no mesmo ritmo do seu cabelo, ele percebeu que era dela que vinha o cheiro de baunilha. Ele se levantou num pulo ficando de frente pra ela.

— Quem é você? — ele perguntou ainda meio desorientado e atrapalhado

Ela colocou as mãos para traz como se quisesse esconder alguma coisa, encolheu os ombros e sorriu, seu sorriso era ainda mais perfeito que seus olhos, ela mordeu o lábio inferior e saiu correndo pela floresta. Daniel num impulso correu atrás dela. Ela olhava para ele e dava risadas enquanto ele gritava pedindo pra ela esperar, mas ela continuava a correr. De repente ele tropeçou numa enorme raiz de uma árvore e caiu deitado com o rosto para o chão, quando levantou o rosto viu ela parada olhando e sorrindo para ele.

— Você tem que se cuidar ou vai se machucar! — ela disse antes de sair correndo de novo

— Espere... — mas antes que ele pudesse se levantar ela já havia desaparecido

Ele rolou pela grama e deitou com as costas para o chão, olhou para o céu limpo e as folhas nas árvores balançando com o vento, o cheiro de baunilha desapareceu junto com a garota. Ele fechou os olhos sentindo o sol bater no rosto, foi quando um ruído barulhento o fez abrir os olhos e ele percebeu que vinha do seu despertador na sua mesa de cabeceira, eram dez horas da manhã de um sábado do mês de agosto. Ele estava em seu quarto, tudo foi um sonho.

O despertador era um rádio relógio, em forma de um cubo mágico colorido, e acordara Daniel ao som da música Have a Nice Day da banda Stereophonics, ele esfregou os olhos e sentou na cama ainda pensando na garota. Levantou e espreguiçou-se lentamente, colocou seus óculos e foi até o seu banheiro lavar o rosto. Olhou no espelho e ficou se encarando por um tempo.

Daniel tinha cabelos pretos, que ressaltavam sua pele extremamente branca, eram curtos e lisos que lhe caíam pela testa, olhos azuis muito claros e usava óculos que pareciam ficar grandes demais para seu rosto. Daniel não era muito alto, tinha por volta de 1,65 e seu corpo não era musculoso como os outros garotos de 16 anos.

— Bom dia, loser! — disse se encarando no espelho — Mais um infeliz dia na vida de Daniel Gresham, no qual sua existência não é notada nem pelas plantas, nem mesmo pelo seu próprio cachorro!

Ele jogou um jato de água no rosto e fechou a torneira. Voltou para a cama e se jogou encarando o teto e ouvindo a música.

A cama era de solteiro e a roupa de cama do Superman, tinham três poltronas no quarto, uma delas com o forro da bandeira americana, outra era com desenhos de elementos químicos e a ultima e menor de todas era azul marinho com estrelas brancas. Por todas as paredes haviam prateleiras com miniaturas de bonecos de super heróis e personagens de quadrinhos, em uma prateleira especial estavam os personagens da série The Lord of the Rings e Star Wars junto com a coleção de filmes das duas séries. Ao lado da mesa do computador ele tinha uma réplica de um sabre de luz o qual ele tinha um cuidado todo especial e era seu objeto preferido. Saindo para fora das gavetas haviam várias folhas com os mais variados desenhos que ele mesmo fazia. Na parte interna da sua porta uma tabela periódica gigante com cores em neon diferenciando cada família de elemento químico. Seu quarto no Alabama era o melhor lugar do mundo, ele tinha tudo o que ele gostava e tudo o que ele precisava bem ali.

Daniel passava vinte dias por ano no município de Perry, na casa do seu pai, isso deu a ele no decorrer dos anos, tempo o suficiente para decorar seu quarto como sempre quis, pois sua mãe nunca o deixou modificar nada na casa dela. Mas dessa vez ele não passaria apenas vinte dias, faziam três meses do seu décimo sexto aniversário, quando Daniel decidira que este ano as coisas seriam diferentes e que ele ia se mudar de vez para a casa do pai. Uma semana antes das aulas começarem ele pegou um avião e deixou, como ele mesmo gostava de falar, a maluca e neurótica da sua mãe com seu padrasto inútil em Fulham, na Inglaterra.

Faziam duas semanas que Daniel chegara no Alabama, ele tinha grandes esperanças de que sua vida mudaria radicalmente mas se decepcionou quando as aulas começaram, já no primeiro dia de aula ele percebeu que sua vida seria igual, sem amigos, sem garotas, apenas invisível. A única pessoa que ele conhecia em toda a escola era Charlie McQueen filho da madrasta de Daniel, Kathleen.

Quando a música terminou, ele vestiu uma camiseta e calça jeans, desceu as escadas e encontrou seu pai e Kathleen tomando café da manhã na mesa da cozinha.

— Bom dia Daniel, querido! — disse Kathleen animada — Fiz um café da manhã especial, ovos e bacon! É o preferido de Charlie, espero que você goste!

— Eu acho que vou comer só um pouco de cereal com leite, obrigado Kath — ele foi até o armário e pegou uma tigela

— Mas você tem que se alimentar! O que você gosta de comer? Me diga que eu preparo pra você — ela olhou para ele com um sorriso doce e ele percebeu que ela realmente queria agradá-lo

— Eu gosto de... — ele pensou por um momento — panquecas. Isso, panquecas, mas hoje quero só um pouco de cereal.

Daniel não estava acostumado com agrados e bajulações, sua mãe nunca deu atenção ás preferências dele e muito menos se preocupava em fazer a comida preferida dele. Ele se sentia constrangido por Kathleen fazer isso, mas sabia que a magoaria se ignorasse essa atenção.

— Ok querido, então sábado que vem eu farei panquecas especialmente pra você.

Kathleen assim como a mãe de Daniel também era britânica. Ela tinha 45 anos, cabelos loiros e lisos na altura dos ombros, olhos azuis escuros e um nariz comprido e fino que chamava atenção mas combinava com seu rosto. Kath era bastante magra e normalmente se vestia de maneira discreta.

— Você tem algum plano pro fim de semana? — Kath perguntou enquanto servia um copo de suco de laranja para ele

— Na verdade não — Daniel colocou uma colher enorme de cereal na boca para não precisar falar mais

— Não vai sair com seus novos colegas? — Kath perguntou e instantaneamente Daniel balançou a cabeça negativamente.

Daniel nunca fizera amigos na Inglaterra e não conhecia ninguém em Alabama, normalmente passava os finais de semana estudando física, lendo ou olhando filmes. Mesmo agora na nova escola continuava sem conseguir fazer amigos, na verdade ele já estava acostumado a solidão.

Kath levantou para pegar mais guardanapos e olhou para o marido e fez um sinal com a cabeça apontando para ele falar com o filho.

— Dan, — o pai dele limpou a garganta — Kath e eu estávamos conversando ontem a noite e pensamos que o Relíquia do Mar está começando a ficar empoeirado. Gostaria de dar uma volta de barco?

— Claro!

— Estava pensando em irmos amanhã. Kath quer visitar a tia Jo que mora perto da praia, vamos dar uma volta e ver se pegamos algumas sereias! – ele piscou para Daniel que sorriu

Apesar de terem sido afastados pela mãe de Daniel por anos, ele adorava o seu pai, Alan. Ele era americano mas passou a infância e maior parte da vida na Inglaterra, e foi onde conheceu a mãe de Daniel. Quando eles se separam por ele ter descoberto que ela tinha um caso com o jardineiro ele decidiu voltar para Perry, cidade onde nasceu. Alan tinha 47 anos era alto e magro, cabelos curtos e claros e a barba por fazer, seus olhos eram verdes e ele tinha um sorriso que parecia sempre irônico e debochado.

— Sereias? É isso mesmo? Estou de olho nos dois, Senhor Alan Gresham. — disse Kath fazendo cara feia para ele, mas também piscou para Daniel

— Ah querida, — Alan puxou a esposa para o seu colo e a abraçou — você é minha sereia!

— Alan, meu amor, vou hoje à tarde ao mercado para comprar algumas coisas para a viagem. — Kath levantou do colo dele, parecia animadíssima

— Ok querida, saímos amanhã bem cedo! — ele bebeu um pouco de suco

— Quer alguma coisa diferente do mercado Daniel?

— Não, não preciso de nada, obrigado Kath!

— Mãe, meu estomago está gritando por comida! — Charlie entrou na cozinha com um rompante e foi direto atacar o prato de bacon, ele estava usando uma calça de pijama cinza escura, pés descalços e não usava camiseta.

— Charlie, primeiro dê bom dia ao Alan e ao Daniel, e use um garfo pelo amor de Deus! — Kathleen pegou algumas folhas de guardanapo e deu para ele

— Deixa o garoto, querida! — Alan riu e piscou para Charlie

Alan adorava Charlie. Todo o mundo adorava Charlie.

Ele era uns 10 ou 15cm mais alto que Daniel, tinha cabelos lisos e castanhos, a franja caía na altura dos olhos que eram verdes, tinha os braços e ombros largos. Charlie sempre passava o verão na casa do pai dele e Daniel nunca tinha o conhecido até se mudar. No dia em que conheceu Charlie, Daniel estava tomando banho de piscina e quando Charlie chegou só de bermuda ele não pôde evitar de ficar olhando para o seu tórax e o abdômen que eram super definidos, a pele de Charlie parecia ser tão branca quanto a de Daniel, mas era bronzeada como se ele tivesse passado o verão inteiro a beira da piscina, Daniel sentia-se constrangido mas não conseguia parar de olhar.

Daniel mal terminou de comer e subiu e ligou o rádio. Ele adorava andar de barco, adorava o mar, tinha certeza que isso só podia ser idéia de Kath para agradá-lo e ela conseguiu. Ele realmente esperava que algo muito bom acontecesse nessa viagem.

Ele deitou na cama e ouviu o resto da musica, a próxima a tocar foi Between Love And Hate da banda The Strokes, Daniel sempre deixava o rádio relógio naquela estação de rádio por que sempre tocavam musicas que ele gostava.

Ele abriu a gaveta da sua mesa de cabeceira e pegou algo que parecia ser um enorme caderno de desenhos, ele folheou as ultimas caricaturas que havia feito, uma delas era dele mais alto e forte com uma menina linda ao lado dele em frente a um carro, ele usava uniforme do time de basquete da escola. Na outra folha tinha o desenho de um pôr-do-sol que era na verdade uma cópia que ele havia feito da imagem de plano de fundo do seu notebook, parecia um quadro sombreado e o sol parecia tocar no mar. Haviam varias caricaturas e desenhos em seu caderno, ele colocava as folhas para trás passando com todo o cuidado para não rasgarem. Daniel tinha talento e gostava de desenhar, ele podia desenhar e ser o que quisesse em seus desenhos.

“Desenhar o que eu quisesse” ele pensou por um momento.

Como não pensei nisso antes!

Ele pegou um de seus lápis especiais para desenhos e começou a desenhar.

Começou fazendo um esboço de um rosto, ele queria fazer um retrato perfeito da menina que ele sonhara na noite passada. Minuciosamente ele foi fazendo a parte do qual ele lembrava com mais nitidez, seus enormes olhos brilhantes.

Ele acordou antes do sol nascer, ficou deitado um pouco na cama e ligou o radio baixinho, pegou o desenho que tinha começado no dia anterior e ficou olhando pra ele com o lápis na mão sem conseguir fazer nenhum novo traço. No desenho tinham dois olhos olhando para Daniel, eles eram iguais aos da menina do sonho, mas ele não conseguia se lembrar dela com detalhes para seguir fazendo o rosto.

Como a viagem seria de um só dia ele optou por uma mochila ao invés de mala, ela era azul marinho com os detalhes dos fechos em branco. Ele colocou seu inseparável Ipod e o carregador da bateria dele, pegou uma camiseta limpa e seu kit de viagem que continha uma escova e pasta de dentes, um desodorante e um pente. Vestiu uma calça jeans e uma camiseta junto com seu tênis allstar azul petróleo antigo mas bem conservado.

Quando a luz do sol começou a aparecer ele desceu e viu Kath e Alan já vestidos e tomando café na cozinha.

— Bom dia! — Kath estava animadíssima

— Bom dia! Pensei que vocês ainda estavam dormindo! — ele sentou e passou manteiga numa fatia de torrada

— Estamos prontos, sairemos em 15 minutos! — Alan olhou para o relógio — Pode tomar seu café tranqüilo que eu vou guardar as ultimas coisas no carro.

— Charlie não vai com a gente? — Daniel deu uma mordida no pão

— Não querido, ele foi a uma festa ontem a noite e voltou agora a pouco. Provavelmente irá passar o domingo inteiro dormindo. — Kath serviu suco para Daniel

Daniel nunca tinha ido a nenhuma festa, ele nunca teve amigos e nunca foi convidado para nenhuma. Na Inglaterra ele estudava em um colégio interno só de meninos e o mais perto que ele chegou de uma festa eram os jantares de natal com as freiras do colégio. A única vez que ele chegou perto de uma garota foi quando a sobrinha do padrasto dele deu um beijo em Daniel, ela era dois anos mais velha que ele e muito feia.

— O expresso Relíquia do Mar partirá em — Alan olhou o relógio de novo — 3... 2... 1...

Daniel dormiu boa parte da viagem, acordou com a música dos fones de ouvido.

Alan deixou Kath na casa de sua melhor amiga, Joanne que era também irmã de Alan, foi através dela que eles se conheceram.

O dia estava lindo, o sol estava radiante, o céu limpo de nuvens e tinha um vento fresco delicioso. Daniel se encostou num dos ferros na borda do barco, ficou olhando e sentindo o cheiro do mar azul. Era tão perfeito que ele lembrou da menina no sonho, ele daria qualquer coisa para ela estar ali com ele. Alan abriu uma caixa de isopor que havia levado e abriu duas garrafas de cerveja, deu uma a Daniel que se surpreendeu pois o pai nunca deixou ele beber um gole sequer.

— Você já tem 16 anos já está na hora! — Alan bateu uma garrafa na outra brindando — 16 anos, como o tempo passou rápido!

Daniel apenas sorriu e bebeu, sua mãe nunca tinha deixado ele beber e no colégio dele era impossível também. O primeiro gole de cerveja da sua vida, era amargo e gelado mas a sensação era deliciosa, se comparava a algo como tomar um café quente no inverno, mas ao contrário.

— Você deve estar imaginando porque eu te trouxe aqui... — ele se encostou também na borda

— Na verdade pensei que foi idéia da Kath para que eu não ficasse tão entediado. — ele bebeu outro gole de cerveja

— Dan, eu sei que passamos muitos anos afastados depois que me separei da sua mãe, e agora tem a Kath, mas quero que você saiba que nada mudou. — ele fez uma pausa e bebeu um gole — Você cresceu tão rápido que quando chegou aqui dizendo que era definitivo eu me surpreendi pois nunca pensei que você tivesse atitude para largar tudo e vir.

— Eu também me surpreendi. —ele se virou agora e ficou de frente para o mar

— Eu tive medo, filho, porque de alguma maneira eu não te conhecia mais. Você já é um homem! — ele também se virou — Não me entenda mal eu adorei que você viesse morar conosco, afinal compramos a casa com quatro quartos para você e Charlie se sentirem a vontade, e agora os dois estão morando com a gente, nós estamos super felizes, Kath ficou radiante que poderia se aproximar mais de você.

— Eu gosto muito dela. — Daniel tomou outro gole de cerveja

— Eu sei que não fui um bom pai, mas eu quero te compensar. Se você quiser conversar sobre qualquer coisa pode contar comigo, mulheres, escola, carreira, futuro — ele pigarreou — sexo. Não sei o que a sua mãe conversou com você mas hoje em dia sabe como é, tem que se cuidar e andar sempre com preserv...

— Não precisa se preocupar pai, — ele não sabia o que falar mas não queria por nada ter aquela conversa, pelo menos não naquele lugar — eu serei responsável.

— Ah, certo!

Daniel nunca tinha dormido com uma garota e do jeito que as coisas iam na nova escola não dormiria com nenhuma no próximo século.

Eles falaram de futebol, faculdades, planos de carreira, uma coisa que Daniel gostava muito no pai era que ele não o obrigava a falar sobre aquilo que sabia que o filho não queria falar. Alan era discreto, bastava se olharem para ele saber se deveria perguntar ou não, era coisa de homens.

Quando estavam andando no cais do porto Daniel viu uma estátua de pedra cinza, era uma mulher com cabelos longos e usava um vestido comprido. Ele ficou olhando para a estátua por alguns instantes admirando.

­— Diz a lenda, — Alan falou tirando Daniel de seus pensamentos — que essa estátua é de uma moça que se apaixonou por um marinheiro, ele prometeu se casar com ela e passaram a noite juntos. Quando ela acordou o barco dele estava zarpando. Ela esperou dias e noites, embaixo de sol e chuva. Até que um dia ela adoeceu e morreu. Os moradores da cidade fizeram a estatua em homenagem a ela. Dizem que antes de viajar os marinheiros devem ir até ela e lhe dar um presente para ela protegê-los em suas viagens.

— E se não deixarem? — Daniel ainda olhava para estátua

— Bom, — Alan continuou andando em direção ao carro e Daniel o seguiu ainda olhando a mulher feita de pedra — dizem que se não a presentearem, o espírito dela que vaga em busca de vingança, pelo homem que a abandonou, aparece nos barcos fazendo todos que estiverem nele se afogarem.

— Mas ela parece ser tão frágil e delicada, se não fosse feita de pedra é claro. Não parece que faria mal a alguém.

— Daniel, você tem muito a aprender sobre as mulheres, uma mulher com raiva é capaz de qualquer coisa. — Alan deu um tapinha no ombro dele e eles entraram no carro para buscar Kath.

Na segunda feira pela manhã Daniel não sentiu entusiasmo nenhum em ir para a escola. Depois do sonho com a garota e do passeio de barco, voltar para a realidade era quase um pesadelo. Ligou o radio relógio e ficou ouvindo música enquanto arrumava tudo rápido para sair de casa antes que Charlie saísse com ele e tivessem que ir juntos. Estava tão chateado que sentiu seu estomago embrulhar e saiu sem nem tomar café da manhã.

A escola era a sete quarteirões da sua casa, levava em torno de uns trinta minutos caminhando, mas por causa da asma e bronquite ele sempre demorava um pouco mais, outro motivo pelo qual preferia sair mais cedo. Durante o caminho, ouvindo no seu Ipod Blowin in The Wind do cantor Bob Dylan, sentiu uma onda de tristeza abatê-lo. A escola não era ruim, muito pelo contrario era excelente, mas Daniel ainda estava frustrado com a semana anterior de aulas. Ele tinha apostado todas suas fichas nisso, achou que saindo do colégio interno na Inglaterra as coisas iriam melhorar, faria amigos e conheceria garotas, mas não aconteceu.

No primeiro dia de aula um garoto lhe deu um empurrão tão forte quando passava, que ele caiu derrubando todos os livros e além de ninguém o ajudar a recolhê-los, muitos ainda pisavam neles. Quando finalmente conseguiu se levantar, tropeçou num degrau na entrada e deixou tudo cair no chão novamente. Daniel possuía dispraxia, uma disfunção motora neurológica que impede o cérebro de desempenhar os movimentos corretamente, a doença é conhecida como “síndrome do desastrado”. Este problema costumava fazer com que fosse motivo de chacotas constante.

Ele sacudiu a cabeça tentando afastar os pensamentos que o deixavam chateado e voltou a pensar na garota do sonho. Curiosamente só conseguia se lembrar dos olhos dela, como se a visse em sua mente um borrão e somente os olhos nítidos o suficiente. Nunca teve contato com nenhuma menina, muito menos uma tão bonita quanto aquela. Pensou que provavelmente a tinha visto em algum filme ou série e ficou com ela no sub consciente o que acabou ocasionando o sonho. A menina saiu de seus pensamentos assim que chegou ao seu destino.

O Queen Charlotte’s High School era totalmente diferente da escola de meninos que estudava, era uma escola tradicional, parecia um prédio antigo, o qual havia passado por mais de um século, tinha uma escadaria antiga e duas estátuas de dois leões deitados no que seriam dois pilares em cada extremidade da escada, duas bandeiras gigantes dos Estados Unidos no telhado uma em cada ponta do prédio, o pátio até o prédio era muito grande, haviam pequenos lances de cinco degraus a cada 20m.

Daniel entrou pelos portões encarando o chão, andou mais um pouco e a viu. A garota mais bonita do colégio. Alice. Seus longos cabelos loiros e lisos caíam pelas costas até sua cintura onde ondulava nas pontas, sua pele era branca e aveludada, seus olhos eram azuis escuros e combinavam simetricamente com seu pequeno e fino nariz. Ele sentia algo dentro dele derreter toda vez que olhava para ela, sentia sua pulsação gritando em seu ouvido.

Ainda olhando pra ela continuou andando e tropeçou em um degrau caindo no meio da escola na frente de todo mundo. Todos os alunos em volta começaram a rir dele. “Agora eles me vêem” pensou. Quando levantou arrumando os óculos e a mochila viu a pior cena que poderia acontecer, Charlie estava falando com Alice. Mas ele não apenas falava, ele tocava no seu braço e ela mexia no cabelo sorrindo, ela entrou no prédio olhando para trás para ver se Charlie a olhava, e olhou.

Charlie era a prova viva de que a vida é muito injusta, pelo menos para Daniel. Eles entraram no Queen Charlotte’s no mesmo dia e na mesma turma, Charlie se enturmou no primeiro dia de aula, no segundo já estava no time de basquete e agora, uma semana depois, estava dando em cima da garota mais linda da escola. E o pior, era recíproco. Ele era bonito, legal, popular, bom nos esportes. De alguma maneira estranha e torta, ele era tudo o que Daniel sempre quis ser.

Voltou a encarar o chão e seguiu para dentro do prédio, procurou seu armário numero 713 e verificou seu horário.

— Aula de historia? – falou consigo mesmo batendo a porta e trancou o cadeado – Tem como esse dia ficar pior?

— Grande Daniel! – Charlie chegou por trás dele comendo uma barra de cereal – Preciso que faça meu dever de casa de matemática!

— E por que eu faria? – ele bateu a porta do armário e foi andando pelo corredor

— Ora, você é meu irmão, cara! Irmãos se ajudam. – Charlie tirou do bolso outra barra de cereal, abriu-a e mordeu.

— Na verdade...

— Ah, eu sabia que ia me ajudar cara! — Charlie jogou seu caderno contra o peito de Daniel — Te vejo em casa!

Ele saiu sem olhar para trás e foi em direção a Alice, que estava se maquiando no espelho colado na porta do seu armário.

Charlie não estava acostumado a ter um irmão, achava que pelo fato de Daniel gostar de matemática ele se divertia fazendo os trabalhos da escola. Não fazia por mal, apenas era preguiçoso e preferia gastar suas energias em esportes e garotas do que ficar no quarto fazendo cálculos, ele não explorava seu potencial.

— Murphy estava certo, parece que nada está tão ruim que não possa piorar! — pensou Daniel

Daniel observou Charlie parar ao lado dela, ele se encostou em um dos armários fechados, cruzou os braços no peito fingindo assoviar e ela o viu pelo espelho.

— Oi princesa! — ele disse e ela sorriu o seu sorriso de mil dentes branquíssimos e perfeitamente retos

— Oi Charlie! — disse fechando a porta do armário

— Amanhã temos o primeiro jogo de basquete da temporada, — ele tirou agora do bolso uma pequena barra de chocolate — e eu gostaria de sair com você para comemorarmos a vitória do nosso time!

— E quem lhe garante que vocês vão ganhar?

— Ah, nós vamos! Nós temos uma arma secreta!

— E qual seria? Posso saber? — ela falou em tom de deboche

— Eu!

Daniel estava incrédulo que aquela conversa estava funcionando e desistiu de tentar entender Alice, "Como ela pode gostar disso?" pensou para si mesmo e seguiu pelo corredor para sua aula de história. A que ele menos gostava.

Quando Daniel acordou no dia seguinte Charlie já estava super animado com o seu jogo de estréia e tomando café da manhã, seu café “dos campeões” como ele chamava, 2 ovos fritos, uma porção generosa de bacon, 3 hambúrgueres cada um dentro de um pão com muito queijo e mais bacon. Kath fez questão de levá-los de carro para a escola para chegarem mais cedo e Charlie poder treinar um pouco mais com o time. Mesmo tendo certeza da vitória, Daniel percebeu que ele estava nervoso, passou a manhã inteira ansioso e desatento às aulas, mais do que o normal.

O jogo começaria as 17:30, RedFoxes contra Peacocks da cidade de Rockford. Quando finalmente chegou perto da hora do jogo Charlie já estava devidamente uniformizado com o calção azul marinho e a camiseta vermelha e branca com o símbolo do time que era uma raposa segurando duas estrelas que simbolizavam os dois campeonatos nacionais que eles ganharam. Alguns pais de alunos estavam nas arquibancadas do grande ginásio, Kath e Alan foram vê-lo jogar e Daniel estava sentado com eles mais animado do que pensou que estaria. Ele nunca tinha visto um jogo de basquete que não fosse pela televisão. Alice estava na primeira fila e olhava as líderes de torcida com desdém, ela havia tentado entrar para a torcida no ano anterior mas a líder disse que ela era delicada demais para fazer a pirâmide humana.

Charlie foi falar com a família antes de ir para o vestiário ouvir a estratégia do técnico, Kath estava segurando o choro de emoção e Alan parecia estar orgulhosíssimo, Daniel disfarçava mas estava morrendo de ciúmes.

— Charlie, querido, ligaram mais cedo lá pra casa pedindo para você buscar hoje depois do jogo os novos uniformes do time. — Kath tirou do bolso um papel — Este é o endereço, você precisa ir o mais cedo possível.

— Ah, obrigado mãe! — ele leu o endereço e viu que era do outro lado da cidade

— Agora faça pose pra foto! — ela tirou uma câmera digital da bolsa e começou a jogar uma tempestade de flashs no rosto dele — Agora com Daniel!

— Daniel, preciso de um favor! — ele sussurrou enquanto sorria para foto

— O que foi? Outro dever de matemática? — ele também sussurrou e não parecia nada feliz

— Não! Preciso buscar uns uniformes do outro lado da cidade depois do jogo, mas marquei de sair com Alice e não posso perder essa oportunidade!

— Mas por que justo você tem que buscar?

— Porque eu sou o novato! — ele amassou o papel com o endereço colocando na mão de Daniel — Tem que ser hoje para usarmos amanhã na escola!

Charlie tirou mais uma foto agora ao lado de Alan e saiu rápido para os vestiários. Daniel sentou e viu que o endereço era bem longe e tinha também um horário “18h:30min”, era o horário que fechava o lugar. Ele não sabia dirigir, quando fez 16 anos em maio, sua mãe não deixou que aprendesse e agora o pai disse que só pagaria sua carteira quando ele entrasse para a faculdade. Alan tinha receio por causa dos inúmeros acidentes de transito com adolescentes depois das festas regadas a drogas e álcool. Charlie também não dirigia pois não tinha ainda a idade mínima, completaria só em novembro.

Daniel não tinha escolha a não ser ir de ônibus, o jogo demoraria mais ou menos uma hora e meia com os intervalos, e ele tinha uma hora para atravessar a cidade que ele nem conhecia muito bem. Levantou-se, disse aos pais que tinha um compromisso, deu uma ultima olhada em Alice e saiu assim que os times entraram na quadra.

Quarenta e cinco minutos depois ele estava descendo do segundo ônibus chegando em seu destino. Desceu numa rua com várias casas velhas, caminhou o que seriam dois quarteirões e chegou num lugar que parecia ser uma fabrica abandonada, olhou novamente o endereço no papel e confirmou que era ali mesmo.

A fábrica não tinha portões, várias janelinhas e muitas delas com os vidros quebrados, o terreno não tinha quase grama e sim terra, a pouca grama que tinha estava alta no que seria a altura dos joelhos de uma pessoa. Ele tentou olhar para dentro pelas janelas mas não viu nada nem ninguém.

Daniel deu a volta por todo o perímetro da fábrica a procura de alguém, mas nem um sinal de movimento algum. Quando ele estava nos fundos do terreno ele ouviu um barulho alto de motor de carro roncando, olhou no relógio eram 18h:22min. O relógio parou. O carro que ouvira era um Impala vermelho e parecia que estava vindo na sua direção, ele não conseguiu ver quem dirigia pois os faróis eram muito fortes. Daniel tentou correr mas não tinha pra onde ir, ele estava preso nos fundos da fábrica e o carro acelerava em sua direção, os faróis cegando seus olhos.

Uma luz branca muito forte tomou o lugar inteiro e ele não viu mais nada. Sentiu seu corpo ficar leve como se estivesse flutuando. Apertou os olhos e pôde ver uma sombra no meio da luz, era uma mulher. Ele caiu no chão em sono profundo.


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