Pretending escrita por Aline Song


Capítulo 11
Fingindo


Notas iniciais do capítulo

Então, penúltimo capítulo. Não tenho muita coisa pra falar hoje, só agradecer a todo mundo que comentou. Muito obrigada, de verdade! E agora, vamos ao capítulo.



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6 meses depois...

POV Luke

Desço as escadas que me levam para o primeiro andar do apartamento apressado outra vez. Estar atrasado é algo que voltou a fazer parte da minha rotina nos últimos meses. Agora que não preciso mais me preocupar em passar na casa de ninguém antes de ir para o colégio, meu antigo hábito de acionar sempre a função soneca do despertador voltou a se fazer presente. Estou prestes a sair sem tomar café quando minha mãe pede para que eu vá até a sala de jantar.

– Não estou com fome, mãe. Comerei qualquer coisa no colégio mais tarde.

– Não foi por isso que te chamei. – minha mãe faz uma pausa, procurando pelas palavras e eu sei que o que ela dirá não vai me agradar muito. – Conversei com a mãe de Tracey ontem. Ela me disse algo que provavelmente é do seu interesse.

Não sei por que minha mãe ainda insiste em tocar no nome de Tracey depois de tantos meses, depois de eu mesmo ter dito tantas vezes que Tracey é passado pra mim. Fui obrigado a contar toda a verdade a ela algumas semanas depois de Tracey ter partido. Não era o que eu queria fazer, mas mesmo estando com raiva de Tracey, não suportava ouvir minha mãe criticando-a por sua decisão o tempo todo. Ela precisava saber que Tracey teve seus motivos, embora eu não os aceite.

Depois de saber de tudo, minha mãe finalmente deu um tempo e parou de falar sobre ela, mas, toda vez que conversa com a senhora Morgan, acaba voltando ao mesmo assunto, e sempre recebe a mesma resposta minha: não quero saber como Tracey está, não quero notícias dela, não quero lembrar que ela existe.

Logo que Tracey partiu me senti perdido, não sabia como encarar as coisas e como continuar depois disso. Tive tanta raiva dela nas primeiras semanas, que mal conversava com Mollie para não ser obrigado a me lembrar de sua amiga, e também para não correr o risco de perguntar sobre ela. Foi por isso que excluí tudo de Tracey que restava. Suas mensagens, seu número do meu celular, e nem nas redes sociais somos amigos. Tudo isso para que eu não me sentisse tentado a procurá-la, a falar com ela, nem mesmo a querer saber como ela estava.

O pior de tudo é que minhas últimas lembranças de Tracey eram as melhores possíveis. Da última vez em que estivemos juntos estávamos felizes, talvez fosse melhor se tivéssemos brigado, discutido e terminado tudo antes que ela partisse, seria mais fácil esquecê-la dessa forma. E eu precisava esquecê-la, essa era a única certeza que eu tinha nos primeiros dias depois da partida de Tracey. Esse foi o motivo de ter ficado com Georgina de novo, não só uma, mas várias vezes. Ela não desistiu de mim depois que soube que Tracey e eu não estávamos mais juntos, e na esperança de apagar tantas memórias, acabei cedendo aos pedidos de Georgina para que nos reaproximássemos. Não voltamos a namorar. Não posso nem pensar em namorar alguém agora, mas saímos e ficamos juntos algumas vezes. Georgina é uma boa distração, porém, ficar com ela só me serviu para ter a certeza de que as coisas não voltarão a ser como eram, nunca mais seremos um casal. Georgina também não foi capaz de me fazer apagar as lembranças que insistem em aparecer quando estou sozinho. Tracey pediu para que eu me lembrasse dela de vez em quando, para que eu não a esquecesse, como se esquecer fosse possível. Como ela disse que faria, também sinto sua falta todos os dias. Mas ninguém além de mim precisa saber disso.

– Não quero saber nada sobre a filha dela, mãe. Quantas vezes vou ter que dizer isso?

– Dessa vez acho que será diferente.

– Não, não será. Nada que diz respeito a Tracey me interessa. – digo e começo a me afastar, deixando minha mãe sozinha na sala.

– Mas, Luke...

– Tchau mãe.

***

Na escola as coisas permaneceram as mesmas. Aulas que vão de chatas a insuportáveis, porém, agora, eu tenha aprendido que preciso prestar atenção em algumas explicações e a estudar uma vez ou outra, já que não tenho mais aulas particulares. Intervalos curtos demais, treinos e jogos de lacrosse, preparativos para a formatura, inscrição em universidades. Tudo como eu já sabia que seria.

Vicky deixou de ser a “quase namorada” de Mason e agora eles estão juntos de verdade. Os dois também sabem de toda a verdade agora. Senti a necessidade de contar tudo a meu melhor amigo, e Mollie acabou revelando tudo a Vicky porque ela não entendia o que levara Tracey a ir embora de uma hora pra outra. Mollie e Vicky, nesses últimos meses, tem formado uma bela dupla, e andam juntas o tempo todo. Acho que Mollie precisava de alguém para suprir a falta que ela sentia de sua melhor amiga.

Nas horas do almoço e dos intervalos, nós ainda ficamos todos juntos, porém, quando Georgina insiste em estar presente, Vicky e Mollie se afastam. Isso porque Vicky e Georgina deixaram de se fingir de amigas, e mesmo que ambas ainda façam parte da torcida, não escondem de ninguém que agora se detestam. Além disso, obviamente, Mollie não aceita que eu tenha voltado a me aproximar de Georgina, e me olha com ar de reprovação toda a vez que nos vê juntos. Nunca contei a ela a verdade. Nunca disse o que realmente aconteceu naquele dia, não confessei que estava dando um fora definitivo em Georgina para ficar com Tracey. Só quem sabe o que realmente aconteceu é Mason, e confio nele o suficiente para saber que ele não disse nada a Vicky. Sei que se Mollie soubesse contaria imediatamente para sua amiga, mas eu não quero que ela faça isso. Acho que, dentro da minha cabeça, essa foi a maneira que encontrei para punir Tracey por não ter confiando em mim. Se ela preferiu ir embora sem sequer me dar a chance de explicar as coisas, vou deixar que ela conviva com o que acha que sabe sobre mim.

Mandei minha inscrição para algumas universidades, dentre elas algumas da Ivy League, as que Tracey tanto sonhava em entrar, porque minha mãe insistiu muito. É claro que não estou esperando ser aceito em nenhuma delas. Uma universidade comum já é o suficiente para mim, e com minhas notas agora melhores e o meu excelente desempenho no lacrosse, posso conseguir uma bolsa. Nas próximas semanas os olheiros virão assistir aos jogos e será minha chance de finalmente poder sair daqui. É por isso que tenho treinado incessantemente nas últimas semanas. Por isso e, porque quando estou treinando, consigo me concentrar apenas no jogo e não pensar em mais nada, em mais ninguém.

– Você anda muito tenso cara, e a única coisa que faz ultimamente é treinar. – Mason me diz quando nos encontramos na porta do colégio.

– A final do campeonato está quase chegando e preciso de um bom desempenho pra conseguir uma bolsa.

– Eu sei, também estou contando com isso. Mas se concentrar numa coisa só por tanto tempo não faz bem a ninguém. O que acha de sairmos hoje mais tarde? Tem um tempão que não fazemos nada juntos. Eu diria para marcamos um encontro duplo, mas provavelmente Vicky e Georgina acabariam se estapeando, então, pode ser só nós dois.

– E por que acha que eu levaria Georgina? Ela não é minha namorada, cara. A gente só sai junto de vez em quando.

– Sei disso. Se você voltasse a namorá-la, provavelmente Vicky iria querer bater em você também. – Mason diz e começa a rir em seguida, com certeza achando graça da situação.

– E por que foi que as duas brigaram afinal?

Vicky ouviu Georgina falando mal de Tracey no vestiário um dia, quis defender a amiga e as duas acabaram discutindo.

– Não entendo porque você e Vicky ainda se importam tanto com Tracey. Ela foi embora e não se importou nem em se despedir.

– Não é verdade, ela nos deixou bilhetes.

– Bilhetes. – eu rio com ironia.

– Além disso, nós ainda conversamos com Tracey todos os dias, se quer saber. – Vicky aparece atrás de mim de repente. Eu mal percebi que ela estava chegando. – Ela ainda é nossa amiga, Luke.

– Se pra você tudo bem ter uma amiga tão egoísta, quem sou eu pra discordar. – não sei por que estou começando essa discussão com Vicky. É claro que me irrita ver Tracey ser defendida quando continuo achando que ela está errada. Mas Vicky não tem nada a ver com isso. No fundo, estou apenas querendo descontar em alguém, já que não posso dizer tudo isso a quem realmente gostaria.

– Não fale assim dela, no final das contas ela estava certa, você voltou para Georgina.

– Não antes de ela ter ido embora.

– Hey, por favor, não comecem a discutir sobre isso agora. – Mason interfere. – Não vai fazer diferença. Não podemos mudar nada.

Mason está certo. Nada disso faz diferença, discutir não vai mudar as coisas. Peço desculpas a Vicky por ter sido tão grosseiro com ela e coloco a culpa no estresse de estar prestes a ser testado pelos olheiros das universidades. Ela entende e pede desculpas também. Os caras do time começam a chegar e o clima começa a ficar mais tranquilo, até que Georgina chega com Lily e Kate. Geralmente essa é hora que Vicky sai e arrasta Mason com ela, porém, hoje ela fica, como se estivesse querendo marcar seu território. As duas se encaram durante alguns segundos e os olhos puxados de Vicky ficam ainda mais estreitos. Todos nós conseguimos sentir o clima pesar entre elas, principalmente Mason e eu. Uma manhã que já começou com tanto mal estar só pode indicar que hoje não será um dia tranquilo.

– Gente, olhem só... – um dos caras do time interrompe a troca de olhares que quase solta faíscas entre Vicky e Georgina para chamar nossa atenção para as duas garotas que acabaram de chegar e estacionar o carro no estacionamento da escola. – Aquela ali não é a...

Tracey.

POV Tracey.

– Não acredito que seus pais finalmente te deram o carro que tanto prometeram. Ele é demais. – Mollie diz empolgada ao meu lado, no banco do carona. Estou tão feliz em estar perto dela outra vez que mal consigo me importar com o presente dos meus pais.

– Acho que eles aproveitaram o fato de eu estar voltando com a formatura para me dar um bom presente.

– Um presentão!

Cheguei em casa ontem a noite, e só meus pais e Mollie sabiam que eu estava voltando. Quero pegar Vicky e Mason de surpresa, e também não queria que Luke soubesse. Sei que ele não quis notícias minhas desde que fui embora e não quero interferir nisso. Sei também que ele e Georgina voltaram a sair depois que parti, o que só quer dizer que eu estava certa, e embora uma pequena parte de mim ainda tivesse esperanças de que tudo não passasse de um mal entendido, quando Mollie me contou que os viu juntos novamente pela primeira vez, soube que não tinha me enganado.

Os meses que passei em Amsterdam foram bons para mim, me trouxeram um aprendizado e experiência gigantescos. Nas primeiras semanas ficava apenas em casa, e mesmo depois de estar devidamente matriculada na escola que tia Quinn é diretora, não fazia nada além de assistir as aulas. Ainda me sentia triste demais para querer outra coisa que não fosse ficar sozinha. Passava a maior parte do tempo remoendo minha decisão de partir, me perguntava diversas vezes se não tinha sido precipitada e, principalmente, se Luke poderia me perdoar um dia. Tentava parecer forte o suficiente para já ter superado, mas a noite, quando finalmente apagava as luzes e tinha certeza de que tia Quinn já havia dormido, deixava as lágrimas surgirem, deixava a saudade me abraçar até conseguir dormir.

Porém, tia Quinn sempre me conheceu bem, e sabia que ainda havia algo errado. Depois de conversar muito comigo, me fez prometer que tentaria melhorar, e que faria esse tempo na Holanda valer a pena. Foi ai que comecei a sair, arrumei um emprego de meio expediente em uma loja de discos, embora eu não tivesse experiência nenhuma como vendedora, e fiz algumas amizades. Nenhuma tão forte e sincera como as que tenho aqui, mas que me fizeram ver as coisas de uma forma diferente, me fizeram crescer e aprender com os erros que cometi.

Durante todo esse tempo fui uma nova Tracey. Corajosa, extrovertida, diferente. Acho que aprendi a vestir uma máscara para esconder a dor que ainda sentia. Porém, ainda haviam aqueles dias em que nada era o suficiente para me fazer esquecer. Nesses dias sentia falta de Mollie tentando me convencer a não fugir da educação física, de Vicky explicando como aconteciam as disputas entre líderes de torcida, de tentar entender os jogos de lacrosse. Sentia falta de sentar em minha escrivaninha para escrever, sentia falta das dores nos pés por causa do balé, sentia falta de me preocupar com a faculdade, e acima de tudo, sentia falta de Luke.

Por muito tempo tentei fingir que Luke tinha sido apenas uma fase em minha vida. Que tudo o que passamos tinha servido apenas para me fazer crescer, mas não consegui sustentar tal mentira. A verdade é que mesmo com a distância, mesmo sem vê-lo, nada mudou. Perdi a conta de quantas vezes me peguei imaginando como as coisas poderiam ter sido diferentes. Imaginando como seria se eu tivesse dito tudo que sentia a ele. Se tivesse sido corajosa o suficiente para lutar por ele. Será que estaríamos juntos agora? Quantas coisas teríamos vivido? Tudo isso eram coisas que eu imaginava frequentemente, com tanta frequência que, as vezes, pareciam memórias e não apenas imaginação.

– Por que está tão calada? Pensei que você estaria falando sem parar. – Mollie me faz voltar para a realidade.

– Nada, só estou aproveitando a sensação de estar em casa.

– Como é voltar?

– É estranho. Tudo parece tão diferente e ao mesmo tempo tão familiar. Mas é bom, é como se pudesse ser eu mesma de novo.

Até chegarmos à escola, Mollie vai recapitulando rapidamente tudo de mais importante que perdi quando estava fora. Ela conta como Mason e Vicky começaram a namorar, como a senhorita Herrera vive dizendo que perdeu sua melhor aluna, no caso eu, e como Vicky e Georgina deixaram de se falar.

– A senhorita Herrera também vive me perguntando como andam suas inscrições nas universidades. Não sei como conseguiu aturá-la no seu pé por tanto tempo.

– Foi graças a ela que consegui ser aceita antecipadamente em Yale e Princeton. Disse isso a ela?

– Não. – Mollie diz com um sorriso perverso. – Disse que você tinha desistido de ir pra faculdade. Queria torturá-la por um tempo.

– Mollie! Não deveria ter feito isso.

– Diz isso porque não viu a cara dela.

Mais alguns minutos e estamos estacionando em frente a entrada de meu antigo colégio. Não pensei que pudesse ficar tão nervosa em estar aqui. Até agora estava tentando mascarar a ansiedade, fingir que não estava preocupada com o fato de ter de encarar Luke novamente. Mil e uma hipóteses do que pode acontecer me passam pela cabeça, mas tento acreditar que ele apenas vai fingir que não me conhece, que vai me ignorar como fazia antes de tudo isso acontecer. Sei que vai doer. Sei que vou sofrer em ter que olhar para ele todos os dias, mas não posso viver fugindo. Chegou a hora de encarar o que deixei para trás.

POV Luke

Sinto aquele mesmo soco na cara de quando recebi a notícia de que Tracey tinha partido. Agora o motivo é totalmente oposto. Ela voltou. Assim, tão de repente quanto partiu. Está na cara que o esporte preferido de Tracey é me pegar de surpresa. Sempre que penso que estou certo de algo, ela faz questão de mudar tudo. Quem Tracey pensa que é para brincar comigo assim?

– Vem, vamos lá falar com ela! – Vicky sai quase correndo e Mason vai atrás, sendo seguido por vários caras do time. Parece que não fui o único a sentir a falta dela.

Aproveito o momento em que todos estão ocupados demais em abraçá-la e dizer o quanto sentiram saudades, ou em perguntar como foi morar em outro país, para poder olhar para Tracey. Mesmo sabendo o quanto senti saudades, não imaginei que o simples fato de olhar para ela tivesse me feito tanta falta e, só agora que posso finalmente olhá-la, reparar nela, é que me dou conta disso. Tracey está diferente, seus cabelos estão mais curtos, mas não é disso que estou falando. Ela parece mais madura agora, mais confiante e eu tenho vontade de saber se ela realmente se sente assim, e se sim, o que aconteceu por lá que a mudou. Tenho vontade de saber tudo o que aconteceu com ela durante esse tempo, quero que ela me conte, quero ouvir sua voz me falar de cada detalhe. Gostaria de poder ir até ela como os outros fizeram para ouvi-la, para abraçá-la, para sentir que ela realmente está de volta, que não é uma ilusão da minha cabeça. Mas não vou até Tracey, não ficarei feliz porque ela voltou, não confessarei que senti saudades.

– Não vai falar com sua ex-namorada, Luke? – Lily cospe a palavra “ex-namorada” com ironia, e Georgina a fuzila com o olhar.

Nesse mesmo momento, Jake chega ao estacionamento e percebe a presença de Tracey. Pronto, é agora que o pesadelo começa de verdade. Jake se aproxima e quando o vê, Tracey sorri de uma maneira tão doce, que tenho vontade de ir até lá, e também tenho vontade de quebrar minha própria cara por ainda sentir ciúme dela. Os dois se abraçam e trocam algumas palavras. Sinto nojo ao vê-los juntos. Quero pegar Tracey pelo braço e tirá-la de lá, e também perguntar a ela como ela foi capaz de fazer o que fez, mas é claro que não faço isso. Como um idiota, apenas a observo, até que ela olha em minha direção e, finalmente, depois de tanto tempo, nossos olhares se encontram. Não consigo descrever a sensação de ter os olhos de Tracey sobre os meus novamente, só sei que não deixarei que ela perceba o quanto poder ainda tem sobre mim. Por isso, ajeito minha mochila no ombro e dou as costas para ela.

– Não temos mais nada para falar.

POV Tracey

Na hora do almoço, Mollie, Vicky e eu somos umas das primeiras a chegar ao refeitório. Nos sentamos em uma das maiores mesas, esperando que Mason e os caras do time se juntem a nós. Dentro de mim meu coração palpita. Ainda não encontrei Luke desde o estacionamento. Me pergunto se ele se sentaria conosco. No fundo eu sei que não, sei pela maneira que ele me olhou hoje mais cedo. O conheço o suficiente para reconhecer todo o rancor em seu olhar. Mas deixo que uma pequena parte de mim tenha esperança de que ele baixe a guarda, de que esses seis meses tenham sido suficientes para que ele me perdoe.

Sei que não foram quando Luke entra sozinho no refeitório e passa direto por nós, escolhendo uma mesa afastada, mas que fica bem no meu campo de visão. Nossos olhares se cruzam novamente, e sua expressão de desprezo e decepção é como uma faca rasgando tudo de bom que há em mim. Sinto mais uma vez o peso da decisão que tomei, o peso do erro que cometi indo embora. Durante todos esses meses tentei dizer a mim mesma que fiz o que era melhor para mim, e que não devia mais me preocupar. Porém, vendo toda a mágoa nos olhos de Luke, percebo o quanto fui egoísta. Posso até ter tido razão ao pensar que ele e Georgina estavam juntos de novo, mas não podia ter ido embora sem antes dar uma satisfação a ele, Luke jamais teria feito o mesmo.

– Não fique assim, Tracey. Ele só está chateado. – Vicky diz quando me vê baixar os olhos por não conseguir mais encarar Luke. – quando conversarem sei que vão se entender.

– Você não vê como ele olha para mim? Ele não está só chateado, ele me odeia. Nunca vamos nos entender.

– E isso importa? – Mollie pergunta irritada. – Ele está com a vaca agora, não deveria estar preocupada em se entender com ele.

– Podemos, por favor, não falar sobre isso?

– Desculpe.

O assunto logo se encerra e os garotos chegam para se unir a nós. Mas com eles, chega também Georgina, que não perde a oportunidade de se sentar sozinha com Luke, mas não sem antes olhar para mim e me encarar como quem diz “eu disse que você não poderia competir comigo”. Pensei que seria mais simples passar por tudo isso. Não parecia tão difícil assim quando estava na Holanda. Talvez tia Quinn estivesse mesmo certa, não podemos fugir dos problemas, eles estarão sempre lá esperando por nós, tão grandes e assustadores quanto eram quando partimos, ou até mesmo maiores.

***

Quando terminamos o almoço e o primeiro sinal para voltarmos para a sala toca, só restamos eu, Mollie, Vicky e Mason em nossa mesa, assim como apenas Luke e Georgina são os únicos na mesa deles. Tentei não prestar atenção nos dois, mas é óbvio que fraquejei, é lógico que me traí e sem nem perceber, já os estava observando. Não sei dizer qual a pior parte. Se ver os dois juntos, se ter de aturar o ar de superioridade de Georgina, ou se ler nos olhos de Luke que ele não pode me perdoar.

– Acho melhor irmos, tenho aula de geografia, e aquela professora é uma bruxa. É capaz de não me deixar entrar caso eu chegue um centésimo de segundo atrasada. – diz Mollie.

– Vamos logo, então. – Mason responde.

– Vão indo na frente. Vou ao banheiro.

Ao invés de ir para o banheiro, vou para o pátio e me sento no gramado. Há essa hora, não tem mais ninguém aqui, e preciso muito ficar sozinha para respirar e colocar meus pensamentos no lugar. Estou tensa, angustiada, triste. Não sei como pensei que poderia lidar bem com essa situação. Aqui sou apenas a Tracey que costumava ser. Me sinto vulnerável, insegura, e Luke não está mais comigo para me ajudar a lidar com isso, pelo contrário, ele é o responsável por eu estar assim. Só não é mais responsável que eu.

– A senhorita não ia ao banheiro? Não estou vendo nenhum banheiro por aqui. – Vicky aparece e se senta ao meu lado na grama. – A não ser que na Holanda você tenha aprendido a fazer xixi ao ar livre.

– Eu precisava respirar um pouco de ar puro.

– Eu sei. Ver Luke com Georgina embrulha o estômago de qualquer um.

– Eles sempre passam os intervalos juntos? Como namorados?

– É claro que não. Ela só quer provocar você. E ele está deixando, porque ainda está magoado.

– Não entendo. Ele está com ela agora. Eu fui embora, deixei o caminho livre. Por que ela ainda precisa disso?

– Não é óbvio? – balanço a cabeça dizendo que não. – Porque embora Luke tenha cedido às investidas de Georgina e ficado com ela novamente, ele não esqueceu você. Ela sabe disso. Todos nós sabemos.

– Não é verdade. Ele me odeia, Vicky. Dá pra ver só de olhar. E ele está certo.

– Ele não odeia você, só está com raiva, se sentindo traído. Afinal, você foi embora sem avisar.

– Achei que estava fazendo a coisa certa.

– Eu entendo, nunca questionei sua decisão. Talvez tivesse feito a mesma coisa se estivesse em seu lugar. – Vicky faz uma pausa e pensa em algo por alguns segundos. – Não, eu teria feito um barraco se tivesse visto Mason beijando outra. Mas, cada um tem seu jeito de lidar com os problemas.

– E o meu é o pior de todos. Eu estraguei tudo.

– Olha só, Tracey, somos amigas, é por isso que vou ser sincera com você. Pare de ser vítima de si mesma, pare de chorar pelo que já aconteceu, pare de se lamentar e faça alguma coisa. O seu principal erro, e também o de Luke, foi não ter dito o que sentia quando podia dizer. Não cometa o mesmo erro novamente. Está arrependida do que fez? Ainda é apaixonada por ele? Quer Luke de volta? Por que não tenta dizer isso a ele?

– E se ele me rejeitar?

– E se você tivesse dito a ele como se sentia antes e tudo tivesse dado certo? Estariam juntos agora. E se tivesse dado errado? Iria sofrer, mas talvez já tivesse até superado. Se ele te rejeitar, vai ser difícil. Mas, Tracey, já está sendo difícil agora. É melhor sofrer tendo a certeza de que pelo menos tentou.

– Acho que você está certa.

– Estou sim. Agora vamos – minha amiga se levanta e estende a mão para mim, me puxando junto com ela. – melhore essa cara, tome coragem e fale com ele. Aposte em vocês pelo menos uma vez.

As palavras de Vicky não servem para melhorar totalmente meu humor. Ainda estou triste e principalmente, me sentindo culpada pelo tanto de erros que cometi. Mas ouvir tudo que minha amiga acabou de dizer acende uma faísca dentro de mim e me faz enxergar uma nova possibilidade, me faz ver as coisas de uma nova perspectiva pelo menos uma vez. Posso fazer isso. Posso apostar em Luke e eu dessa vez.

POV Luke

No último horário temos educação física. Para nós que fazemos parte de um time, é a hora dos treinos. Normalmente, é o único horário em que gosto de estar na escola, mas depois dos últimos acontecimentos, nem para isso tenho cabeça e, para completar, Georgina tem andado atrás de mim o dia todo. É claro que ela faria isso, Tracey voltou.

– Você não precisa ensaiar com a torcida agora? – pergunto, quando ela começa a me seguir até o campo.

– Vamos ensaiar ao ar livre hoje. – Georgina as vezes perde totalmente os limites.

– Será que podemos conversar a sós por um momento? – ela concorda com a cabeça e a levo comigo para trás das arquibancadas. Quando me viro para ela, Georgina está sorrindo. Um sorriso angelical que combina perfeitamente com seus cabelos dourados e seus olhos verdes, mas não com sua personalidade. Há algum tempo tivemos bons momentos aqui. Costumávamos vir pra cá quando namorávamos e queríamos um pouco de privacidade, e sei que é isso que Georgina acha que está acontecendo agora. – Georgina, eu acho melhor não sairmos mais juntos.

– O quê? Como assim não sairmos mais juntos?

– Não tem segredo nessa frase. Não quero mais ficar com você.

– Não seja grosseiro comigo, Luke.

– Desculpe, Georgina, mas... olha só, eu tentei, foi isso que você me pediu não foi? Uma nova chance? E eu te dei. Mas não está funcionando, e não vai funcionar. Nós não temos mais nada a ver um com o outro, é melhor assim.

– Está dizendo tudo isso só porque ela voltou? – O semblante de Georgina está cada vez mais fechado agora, principalmente depois que ela fala de Tracey.

– Não, eu juro que não. – é claro que ver Tracey novamente serviu para me mostrar que não pude apagar o que sinto por ela, mas não é só por isso que quero dar um fim definitivo no que tenho com Georgina. Estou tomando essa decisão porque não vale a pena ficar com alguém por quem não sinto nada.

– Não minta pra mim. Não faz nem vinte e quatro horas que ela chegou, e já está terminando comigo por causa dela. O que vai fazer, Luke? Vai ir correndo até ela feito um cachorrinho. – Georgina começa a mostrar suas garras, mas eu gosto disso, gosto de ver quem ela realmente é.

– O que eu vou fazer em relação a Tracey não te diz respeito, Georgina. E eu não estou terminando com você, porque nós não somos namorados, a partir de agora, nós não somos mais nada.

Georgina fica furiosa com minha última frase. Posso ver isso em seus olhos que brilham cheios de raiva, mas não permito que ela continue com essa discussão. Viro de costas e a deixo sozinha. Não queria que as coisas terminassem assim, mas talvez, fazer com que Georgina sinta ódio de mim seja a única maneira de fazê-la entender que não há mais futuro para nós.

POV Tracey

– Tem certeza de que é uma boa ideia? – pergunto a Vicky assim que nos sentamos na arquibancada para assistir ao treino.

– Absoluta.

– Não é melhor esperar mais alguns dias? Esperar as coisas esfriarem um pouco?

– Esperar você ficar cada dia com mais medo de procurá-lo e não falar nunca? Não, acho que não. – Vicky está irredutível. Eu bufo e cruzo os braços ao seu lado no mesmo instante em que o jogo começa. – Olha, Tracey, só não quero que desista. Se não quiser fazer isso hoje, tudo bem. Mas vamos ficar até o fim do treino. Deixe que Luke saiba que está aqui por causa dele, deixe que ele saiba que você o quer de volta.

Acontece que, quando Luke se dá conta da minha presença, seu humor muda completamente, e isso interfere diretamente no treino. Ele está nervoso, estressado mesmo com seus companheiros de time e fazendo tudo o que não deve fazer. A cada minuto que passa me sinto mais culpada por estar aqui, e começo a me encolher na arquibancada com medo que todos apontem para mim e me mandem ir embora.

– Eu disse que não era uma boa ideia. – digo a Vicky, mas ela nem me da bola.

Quase vinte minutos depois o treinador grita com Luke e o manda para o banco, mas ele não aceita a ordem, ao invés disso vai direto para o vestiário enquanto o treino recomeça sem ele.

– Essa é sua chance. – Vicky sussurra para mim como se estivéssemos numa missão secreta.

– O quê? Está louca?

– Ele está sozinho lá dentro, Tracey. Vá falar com ele.

– Nem pensar. Do jeito que Luke está, acho que ele poderia até me bater se eu for até lá.

– Não seja ridícula, Luke nunca bateria em uma garota.

– Isso é uma tentativa de me encorajar?

Depois de alguns minutos de discussão, Vicky consegue me convencer – obrigar – a ir até ao vestiário masculino falar com Luke. Conforme me aproximo, sinto meu coração martelar contra minhas costelas, como se a qualquer momento ele fosse pular pra fora. Quando coloco o primeiro pé para dentro do vestiário fecho meus olhos e peço a Deus para que esteja fazendo a coisa certa.

O vestiário está totalmente vazio, a não ser pela presença de Luke que está sentado de cabeça baixa em um dos bancos bem no centro. Por um momento me permito olhar bem para ele e deixar que tudo o que sinto transborde em cada parte de mim.

– O que você quer? – Luke me assusta. Não pensei que ele tivesse notado minha presença.

– Quero conversar com você. – falo baixo porque estou tentando ficar calma. Entro de vez no vestiário e me aproximo do banco em que ele está.

– Não acha que é um pouco tarde? – sua resposta é como um tapa na cara.

– Não faz assim, Luke. Me deixa pelo menos explicar. – peço com todo o meu coração, mas parece não adiantar. Luke se levanta e se aproxima de mim, me encarando com os olhos cheios de mágoa.

– O que você quer me explicar seis meses depois de ter ido embora? O que pode ter para me dizer? Não temos nada para conversar, Tracey.

– Você não pode dizer isso, Luke. Não sabe como me sinto, então não pode dizer isso.

– É claro que não sei. Como eu saberia se você nunca me diz? – as palavras de Luke estão carregadas de sarcasmo.

– Luke, eu... tive medo.

– Medo? Medo de dizer algo pra mim? E por isso você escolheu ir pra outro país sem me dizer adeus? Isso foi mais fácil pra você?

– Não estou dizendo que foi fácil, Luke. Pensa que eu também não sofri? Como pensa que me senti quando vi você com Georgina naquele dia?

– Eu já disse que não posso saber porque você nunca me diz. – a voz de Luke começa a ficar mais alta e eu sei que estou prestes a chorar. – Por que não falou comigo naquele dia? Por que não atendeu minhas ligações? Se não tivesse sido tão covarde saberia que naquele dia Georgina foi a minha casa para tentar reatar nosso namoro, e eu disse a ela que não porque queria ficar com você. Aquele beijo que você viu foi um erro, Tracey, um erro. Você saberia disso se tivesse conversado comigo ao invés de fugir.

Tudo que Luke acaba de dizer me deixa tonta, porque isso significa que os últimos meses que passei fora, que ter ido embora as pressas, que toda a dor que senti foi apenas culpa minha.

– Por que nunca disse isso a ninguém?

– Você nunca me deu a chance.

– Luke, se tivesse dito a alguém, se tivesse contado isso a Mollie...

– Não era Mollie que precisava acreditar em mim, Tracey. – Luke grita comigo pela primeira vez, e meus olhos começam a ficar embaçados com as lágrimas que se acumulam. – Pare de ser hipócrita. Você também nunca me disse a verdade, nunca me disse que estava apaixonada por mim, nunca me disse que queria ficar comigo.

– E você alguma vez me disse o que sentia por mim? – rebato as acusações de Luke porque não fui a única a esconder sentimentos por aqui. – Se você sentia o mesmo que eu, como esperava que eu soubesse? Se fui covarde, você também foi.

– A diferença é que eu não fugi. Eu continuei aqui.

– Tudo bem, eu estou errada. Eu errei em ir embora. É isso que você quer que eu diga? – pergunto a Luke, mas ele não responde, apenas me encara como se só isso não fosse o suficiente. – Eu fui covarde, Luke. Eu fugi porque tive medo do que estava sentindo por você e porque achei que você não sentia o mesmo por mim, mas o tempo que estive fora foi o suficiente para que eu percebesse o quanto estava errada. Mas agora estou de volta, e estou cansada de fingir, porque é isso que estamos fazendo desde o começo: fingindo. Começamos isso tudo fingindo que namorávamos; depois fingimos que sabíamos lidar com o que sentíamos um pelo outro, que não era necessário falar sobre isso, mas eu não quero mais fingir, Luke, e você também não deveria. – me aproximo mais de Luke e toco seu rosto. Seu primeiro instinto é me afastar, mas eu insisto. Continuo a ver a mágoa em seus olhos, mas também posso ver que ele sente o mesmo que eu, que compreende o que estou dizendo. – Não quero mais fingir que está tudo bem, não quero mais fingir que superei, não quero mais fingir que não amo você.

O silêncio no vestiário é tão grande que seria possível ouvir uma agulha caindo no chão. Não sou capaz de dizer mais nada, mas estou tranquila agora, é como se um peso enorme tivesse saído das minhas costas e do meu coração. Os olhos de Luke continuam presos aos meus, até que a atmosfera que nos cerca é quebrada e o silêncio rompido pelos jogadores que invadem o vestiário após o fim do treino. Alguns passam por nós e falam qualquer besteira ao notar minha presença, mas não me importo, ainda estou esperando a resposta de Luke.

– Não vai dizer nada?

– Hey, mocinha! – Ouço a voz do treinador atrás de mim – se não está vendo este é o vestiário masculino, você não pode ficar aqui.

– Eu já disse, Tracey. – Luke finalmente responde. – É tarde demais.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Xx