Pra você guardei o amor

Que nunca soube dar

O amor que tive e vi sem me deixar

Sentir sem conseguir provar

Sem entregar, e repartir

Pra você guardei o amor

Que sempre quis mostrar

O amor que vive em mim vem visitar

Vem esquentar e permitir

(Nando Reis)

Depois de passar um tempo maior do que tinha livre caminhando sozinho, João voltou para o Catete e acabou chegando atrasado no penúltimo ensaio antes da estreia da Megera. Pediu desculpas ao professor, aos colegas e o ensaio finalmente pôde começar. Tudo ocorreu normal, até chegar à fase apaixonada dos protagonistas. Na cena em que se beijavam, Bianca fez como nos últimos dois dias e beijou João de língua, porém não foi correspondida. Outro beijo e nada. Achou o menino um pouco triste.

– João, aconteceu alguma coisa? To te achando triste.

– A gente pode conversar depois do ensaio?

– Claro.

Como as marcações já estavam acertadas, Edgar pediu que passassem toda a história sem cortes, como seria no dia. Contabilizando a duração deixou que tudo rolasse mesmo se algum erro pudesse surgir. Nessa hora sim, dos últimos beijos, João beijou Bianca com vontade e ela prontamente correspondeu, e ficou com vontade de mais.

– O que foi aquela sua conversa com a Vicki ontem?

– Ah, ela que me procurou.

– Procurou pra que?

– Pra falar de você.

– De mim?

– É, de você. Por que ta querendo saber isso agora? Ela não te contou?

– Ela terminou comigo, e eu ainda nem entendi direito o que aconteceu. A gente tava super bem, tivemos uma noite incrível...

Bianca evita pensar o que teria de incrível na noite dos dois.

– Mas ela não te falou nada? Não falou o motivo?

– Motivo ela até falou, mas eu...

– Qual foi o motivo?

– Você...

– Ela te disse o que?

– Você disse alguma coisa que pudesse fazer ela terminar comigo?

– Na verdade eu quase não falei nada.

– Como as coisas podem ter mudado de uma hora pra outra assim?

– Não foi de uma hora pra outra João.

Os dois se encaram, sabem que têm muito a dizer, mas o papo é interrompido devido a movimentação dos alunos com a chegada da imprensa à praça, e ruiva puxa os dois para a entrada da fábrica. Os alunos aparecem no vídeo enquanto a repórter entrevista algumas pessoas; Bárbara fala nome dos alunos enquanto Edgar e Gael falam em nome dos professores, e todos defendem a permanência da construção e aclamam pela ajuda dos cidadãos para que participem indo nas apresentações e principalmente assinando tanto a petição escrita quanto a online. Em meio a tudo, Josefina chega acompanhada da polícia, e consegue lacrar o edifício para que ninguém mais o adentre até o final do processo, todavia ainda sim, os alunos decidem continuar com as manifestações e com o acampamento na praça.

João estava triste com a falta de Vicki que não aparecera no Catete, entretanto tinha tomado consciência de que ele não era mesmo o melhor para ela, ele próprio tinha desistido de Bianca numa situação semelhante. Deu um sorriso a si mesmo ao pensar na ironia do destino em repetir a mesma situação, e ele mais que ninguém sabia o quanto era difícil ouvir a pessoa que gosta chamando por outro que não fosse você, mesmo que em sono.

“Se eu preferi ficar longe porquê ela não faria o mesmo?”

Bianca observa João de longe, apesar de querer confortá-lo e ficar perto, reconhece que a distância pode ser o melhor, pelo menos naquele momento. Queria continuar o assunto que conversavam antes, mas se contém.

As apresentações na praça continuaram cada vez mais cheias, e consequentemente mais sucesso na arrecadação de assinaturas. Todos estavam confiantes no sucesso do movimento, Duca e Nat assistiam a tudo na praça ou pelo QG. O casal transbordava felicidade por estarem juntos novamente e desde então não se desgrudavam mais, mesmo nos horários de trabalho em que Natália ficava em meio aos computadores do QG e Duca treinando os alunos na praça, trocavam olhares de longe e se jogavam beijos no ar. Encantavam qualquer um que os observasse, contudo o que não tinham ideia era que um dos olhares era do pior inimigo, cuja a felicidade do casal desagradava e muito: Como um animal analisando a presa, Lobão tinha outros planos, não só ao casal, mas a todos seus desafetos que habitavam no Catete.

“Aproveita os momentos felizes que eles vão acabar.”

***

De noite, Bianca resolveu ir em casa se preparar antes de mais uma noite no acampamento, e encontrou João também de preparando. O garoto tinha pensado muito sobre tudo que estava acontecendo e desejou terminar a conversa interrompida de mais cedo.

– Oi João! Não sabia que tava por aqui.

– Olá Bianquinha! Será que a gente pode terminar aquela nossa conversa?

– Eu achei que talvez não quisesse terminar essa conversa hoje.

– Não , quero sim... To muito curioso pra saber uma coisa.

– O que?

– Quero saber o que você disse pra Vicki terminar comigo.

– Já te disse João, eu não disse nada, quem falou mesmo foi ela. Ela tirou suas conclusões.

– Pois é, essas conclusões...

– Ela viu que você gosta de mim e que não queria ficar no meio disso.

– Mas de que adianta, mesmo se eu gostar, você não gosta...

– Vem aqui, senta aqui no sofá comigo.

A menina puxa o menino para o sofá, os dois sentam-se um de frente para o outro, ela respira fundo e começa.

– João, você sabe o porquê do meu namoro com o Duca ter terminado?

– Dessa vez ou de outra.

Bianca se irrita.

– Dessa vez.

– De certo porque o lutador queria a lutadora, eles combinam né, já tão juntos.

– Pois é estão, e eu to muito feliz por ele! Mas o motivo vai além disso, você sabe ou não sabe?

– No momento não sei de mais de nada...

– Então deixa eu te contar...

Bianca se ajeita mais uma vez no sofá, se aproximando mais um pouco do nerd, e encara fixamente o par de olhos verdes na sua frente.

– Foi maior que perceber que o Duca queria ficar com a Nat, eu também vi que não gostava mais do Duca... Não como antes.

– Ah não?

– NÃO. Percebi que gostava de outra pessoa, só tinha demorado a acordar.

– E esse cara gosta de você?

– Eu... Eu acho que sim.

– Então fala pra ele isso.

– É o que estou tentando fazer...

O coração do garoto que já estava apertado passou a aceleração máxima, a cabeça ferveu e doeu. Um sonho até então distante a ponto de acontecer, mas por que tanta dúvida?

– João... Você é a pessoa que estou falando.

Falta de ação, cabeça explodindo, sonho e realidade tão juntos? João levanta e coça a cabeça.

– Você ta entendendo João? Eu gosto de você... De verdade.

– Gosta nada Bianca.

A reação de João deixa Bianca atônita, não era isso que ela esperava. Cadê o “eu gosto de você também!”, “vamos ficar juntos!”, por que não acredita?

– É sério João.

–Ta falando isso agora porque ta sozinha, ou pela Vicki ter terminado comigo, sentindo falta de um cachorrinho babando por você.

Incrédula com as palavras de João, a menina sente um misto de raiva e decepção.

– Por que não acredita? Eu te...

– PARA BIANCA. Não diz...

Assustada, Bianca olha para João com os olhos carregados de lágrimas e com um certo desespero. Seus olhos ardem e as lágrimas começam a escorregar por suas bochechas. Quer dizer algo, gritar, sacudi-lo, mas seu corpo está paralisado e o enorme nó na garganta também não ajuda. João ainda engasgado, ainda tem o que dizer.

– Eu não quero e não vou passar por tudo que passei de novo Bianca. Ter que sufocar um sentimento que não cabia mais em mim de tão grande e seguir como se ele não existisse. Me tornei ator e isso me ajudou, criei um personagem que fingia não sentir mais nada por você, que tava tudo bem em te ver todos os dias e não te tocar, não ser como antes. Foi MUITO difícil, mas consegui, tava conseguindo, e te escutar agora... Não dá.

– João, me escuta...

Bianca chora muito e João também não consegue segurar as lágrimas.

– Me da um tempo Bianca, não sei se quero escutar. Se você me falar o que mais sonhei na vida escutar e depois mudar de ideia, perceber que não é o que quer...

– Mas eu QUERO. Me escuta.

– Você tem noção do que é perceber que a felicidade da pessoa que se ama não é com você? Viver com o estômago revirando cada vez que eu te via com o Duca...

– Eu sentia o mesmo quando te via com a Vicki... Fiquei com o Duca por achar que você queria a Vicki e não eu. Mas eu quero você.

– Até quando?

– Até quando você quiser.

– Quando você me pediu em namoro, você disse que poderia durar um dia, uma semana ou um mês. Durou um mês e agora já foi o nosso tempo...

– Esse foi o tempo da Bianca confusa, presa no passado... Essa Bianca já era, agora é diferente, o tempo foi alterado.

– Alterado? É o que agora, dois meses, seis meses, um ano?

– Uma vida inteira!

Bianca se aproxima do garoto, o agarra pelo rosto e o beija apaixonadamente. Corpos colados, corações sincronizados, pele arrepiada, mãos e línguas inquietas porém num ritmo mais lento e sensual. Apesar de rendido, a contragosto seu e de sua parceira, João encerra o beijo. Com as duas mãos sobre a cabeça anda de um lado para o outro, não consegue organizar seus pensamentos, é tudo que mais quis, todo seu amor querendo se libertar, se mostrar, mas é seguro? Tinha medo... E se a ferida suturada se abrir?

– Que feitiço é esse que você tem sobre mim?

– O mesmo que você tem sobre mim... Amor!

– Não é tão simples.

– Alguém disse que seria simples? É simples na hora de falar...

– Então vai ter que se esforçar pra me convencer.

– Deixa de ser cabeça dura.

– Não é isso, me blindei saca? Foram meses magoado... Por sorte que tive a Vicki, a gente era incrível junto, sempre que ela me tocava a mágoa sumia. Ela foi e é muito importante, foi a primeira que me notou, gostava de mim e eu não consegui corresponder, uma pena. Podia ter dado certo...

– Eu sei... E me desculpa por te deixar assim.

– Eu já desculpei. Mas agora só aceito ficar com quem goste de mim de verdade, que eu sinta...

– João, eu...

– Não fala nada sério. Eu quero sentir esse amor, quero acreditar nele, e preciso dele. Mas também preciso de um tempo.

João beija pega e beija uma das mãos da menina, sorri pra ela com o olhar mais sedutor que Bianca nunca tinha visto antes. Ela, que ainda tem os olhos inchados, se derrete e sorri de volta. Os dois se assustam com a chegada de Gael em casa.

– Oi filha! Ué João, ta por aqui... A sua mãe tava atrás de você...

– Ah, vou lá ver do que ela precisa.

João se apressa para a porta de casa e sai. Bianca fica olhando a porta por alguns minutos, é tanta coisa pra pensar, ela também precisa de um tempo.

– Ta tudo bem filha?

– Ta sim pai.

– Ta rolando alguma coisa que eu não to sabendo ainda?

– Não...

– E essa carinha?

– Ah, só pensando...

– E esse esquisito tem a ver com esses pensamentos?

– Não chama ele de esquisito.

– Já vi que tem... Prometo me segurar, agora são duas exigentes, você e a Dandara, mas me conta o que ta acontecendo...

– Ele só precisa confiar em mim de novo.

– E porque não iria confiar?

– Eu amo o João pai, mas magoei ele demais, tenho que demonstrar o quanto to aqui pra ele.

– Já sabe o que vai fazer?

– Ainda não tenho certeza. Bem que a Jade podia voltar logo de Minas, ela me ajudaria a pensar em algo.

– Ué, ta dispensando a ajuda do seu pai?

– Claro que não paizinho...

Bianca se junta ao pai, o abraça, e recebe um beijo carinhoso.

– Só que nada como a imaginação da minha cunhadinha maluquinha pra me ajudar.

Os dois riem.

– Vai voltar pro acampamento filha?

– Eu ia voltar, mas prefiro a minha casa agora.