Lâmina escrita por Bombom


Capítulo 1
o fio, o corte


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem :3



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Faltavam três dias para o aniversário do Rei.

Paris estava, mais do que nunca, cheia. Quase não dava para caminhar nas ruas, de tantos comerciantes e carroças que passavam por ali. Havia todo um sentimento de limpeza e festividade, já que a calçada tinha sido ardorosamente esfregada e todos tinham tomado longos banhos naquele mesmo dia.

Rukia exalou um longo suspiro. Era incômodo andar na rua agora; todos os visitantes a encaravam com audácia, observando seu uniforme de Mosqueteira. O protetor de ombro, encaixado cuidadosamente sobre a manga de seu vestido, chamava muita atenção, e mais ainda porque ela era uma mulher e o usava.

Fez uma curva bem fechada, girando nos saltos de suas botas. Sua capa, azul como o céu em um belo dia de verão, se expandiu às suas costas, formando um arco perfeito. A ruela à sua frente estava escura, mas ela a conhecia tão bem que não temeu por nada ao adentrar a negritude de suas sombras.

Era a rua de passagem para a Corte dos Milagres.

A Corte dos Milagres era a área mais pobre de Paris. Mais pobre e mais perigosa, muitos diriam, mas não para Rukia. Não, Rukia a conhecia como a palma da mão. Afinal, crescera ali. Fora alimentada pelos moradores de rua, aquecida com as fogueiras das noites de dança e vestida com as sobras dos tecidos que as costureiras lhe davam. Fora educada para o roubo, para conseguir se alimentar do melhor jeito possível, para só contar para saber quantas moedas tinha e o quanto poderia comprar com elas.

Não, Rukia não tinha medo da Corte dos Milagres. Ela se encaixava ali. Talvez não tanto com o uniforme, mas com a sua alma. A sua alma de cooperação e fazer tudo que fosse necessário para sobreviver. Isso ainda vivia dentro dela, tatuado em seu coração, talvez até fosse do que ele era feito. Nunca a abandonaria.

Sorriu para si mesma enquanto percebia as pedras que formavam o chão ficarem cada vez mais imundas. Alargou o sorriso quando duas crianças passaram correndo pelo seu lado direito, brincando de pega-pega. Daria algumas moedas a elas depois, para que pudessem comprar alguns ovos na feira.

Afinal, hoje era dia de bolo, e ela sabia que Renji, o único de seus amigos vinculados àquele lugar que sabia cozinhar, sempre se esquecia de comprar ovos.

Cumprimentou a todos que conhecia no caminho. Parou para perguntar sobre filhos, netos, esposas e pais. Falou algumas palavras de conforto ou risadas quando eram necessárias. Passou a mão pelos cabelos dos mais novos, abraçou os que tinham por volta da sua idade e sentou-se do lado dos mais velhos.

Não demorou muito para chegar à antiga casa em que vivera, agora um pequeno orfanato organizado por ela, por Renji e por mais alguns que estavam bem de vida cujas origens tinham sido daquele lugar. Os órfãos da Corte dos Milagres eram consideravelmente mais bem alimentados desde que ela tinha decidido criar aquele lugar.

Era um prédio de três andares no meio da rua mais movimentada. O aluguel seria caríssimo, não fosse sua péssima localização. Todos os andares estavam cheios de colchões jogados no chão, cobertos por mantas e sem travesseiros. Eles geralmente tinham uma pequena mochila numa das pontas, que continha todos os pertences da criança. Era esse o pequeno espaço que elas tinham, mas era o melhor que Rukia podia oferecer sem que a família Kuchiki tentasse arrancar sua cabeça, e era muito melhor do que dormir nas ruas, como ela mesmo tinha feito.

O único cômodo que tinha uma configuração diferente era a cozinha. Era um cubículo minúsculo, apenas com lugar para os armários contendo os utensílios de cozinha e alguns temperos e um fogão. Era o suficiente, entretanto, para que conseguissem alimentar as bocas que necessitavam deles.

Entretanto, ao adentrá-lo, viu que Renji nem ao menos chegara ainda. Rapidamente, pegou um papel dentro os vários que eles mantinham na cozinha e escreveu um bilhete. Falou sobre a missão e deixou o dinheiro para os ovos sobre a bancada.

Olhou a hora em seu relógio de bolso e percebeu que tinha de partir logo se quisesse chegar a tempo para seu compromisso com Capitão Ukitake.

Saiu de lá, e em menos de dois minutos já estava na Paris convencional. Os olhares estavam de volta e seu desgosto também.

Ao menos ela veria Ichigo naquela manhã.

Y

O Quartel General da Décima Terceira Divisão de Paris estava completamente calado quando ela abriu suas portas. Não que ele estivesse vazio, mas não havia ninguém treinando. Não havia o costumeiro som de lâmina contra lâmina, de gritos enraivecidos, de gente caindo no chão, de tiros acertando o alvo. Estava extremamente silencioso em comparação ao normal.

Cumprimentou alguns colegas e bateu na porta de Ukitake, não sendo impedida por ninguém. Havia uma outra insígnia em seu uniforme além de a do Rei, e esta era de tenente da décima terceira divisão. Sua campânula estava marcada de vermelho, ao invés de preto.

Um alto “entre” foi ouvido logo depois, e ela empurrou a porta, uma vez que essa sempre fora meio emperrada. E lá dentro estava seu chefe, monsieur Ukitake, com seus longos cabelos brancos e sorriso gentil, e Ichigo Kurosaki, seu companheiro, parceiro, melhor amigo e homem pelo qual ela estava apaixonada.

Seu coração praticamente falhou uma batida ao vê-lo.

Não, repreendeu a si mesma, forçando-se a manter tudo em seu devido lugar, Você não tem o direito de pensar assim. Você sabe que não tem. Mantenha-se no controle.

E, como em tudo que ela fazia, o sucesso foi imediato.

— Queria me ver, monsieur? — perguntou, fazendo uma reverência. Seu cabelo curto raspou por seus ombros enquanto abaixava a cabeça.

— Claro — ele respondeu com naturalidade, logo antes de seu rosto se retorcer e ele ter mais um ataque de tosse. Nem Ichigo nem Rukia se moveram, sabendo bem a respeito de seus limites quanto ao orgulho daquele homem. — Por favor, sentem-se.

Ichigo procurou seu olhar enquanto puxava uma cadeira para se sentar. Ela retribuiu com apenas um glance, indicando que ela tinha percebido que ele queria falar com ela, mas pedindo para deixar isso para depois. Ele, ao ver isso, se acomodou mais fundo na cadeira.

Rukia, entretanto, sabia que parte da razão pela qual era evitava olhar nos olhos dele era que seu coração apertava e se encolhia tanto para dentro dela que ficava difícil respirar.

— Como vocês dois sabem, o Rei hospedará, como de praxe, uma grande cerimônia para seu aniversário. Pessoas de todo tipo de lugares estarão presentes e, também como de praxe, os Mosqueteiros cuidarão da segurança imediata do Rei. — Ele fez uma longa pausa, como se procurasse as palavras. — Entretanto, um assunto de extrema importância nos foi informado. Ficamos sabendo que os Alemães, principalmente, não estão tão felizes assim com o novo acordo. E há rumores, também, de que não será só a guarda pessoal do Rei da Alemanha que virá.

Ele tinha dito delicadamente, mas Rukia sabia exatamente o que Ukitake dizia. E, pelo jeito que o cenho de Ichigo se cerrou ainda mais, ele também entendia.

Eles estavam sob ameaça de guerra contra a Alemanha.

— Qual a nossa missão, senhor? — Ichigo perguntou, inclinando-se para frente em sua cadeira. Rukia manteve sua postura, mas seu corpo gritava para fazer o mesmo.

— Vocês devem se infiltrar no baile. Devem ser os seguranças pelos quais ninguém esperava. Esqueçam os uniformes, escondam suas armas. E devem ficar de olho em todos os convidados, nada deve escapar. Entenderam?

— Teremos algum time de suporte? — Rukia cruzou as pernas.

— Sim, à sua escolha. No máximo mais quatro Mosqueteiros. — Ukitake se reclinou na cadeira, olhando para os papeis em sua mesa com desgosto. — E se possível, tentem colocar a mademoiselle Hinamori, sim? Ela tem estado meio... deprimida, depois do incidente. Uma missão pode ser tudo de que ela precisa, não? Dispensados.

Ambos se levantaram e se curvaram para o Capitão antes de saírem apressados da sala.

— “Incidente”... — Ichigo murmurou, seus olhos faiscando. — Faz até parecer algo pequeno.

— Bem, quem vamos chamar? — ela mudou de assunto, não querendo tocar naquele assunto. Tinha sido nesse incidente que Ichigo tinha conseguido sua comissão como mosqueteiro, mas também tinha sido nesse incidente em que ela ficara em cima de um palanque criado para se abrir sobre seus pés com uma corda no pescoço.

Isso, entretanto, tinha sido parcialmente sua culpa. Estava em uma missão de resgate na Champagne, mas fora ferida e, estando solitária, sem auxílio. Ichigo, na época ainda um mero ferreiro, a encontrara no bosque ao lado de sua casa, inconsciente. Seu pai, o médico da região, viera para costurar seus ferimentos e cuidar dela. Rukia, num delírio de febre, implorou a Ichigo que completasse sua missão usando seu uniforme. E ele o fez, mais por compaixão que qualquer outra coisa, e, quando ela voltou a Paris, ele voltou com ela para tornar-se de fato um mosqueteiro.

Claro, eles mantiveram segredo, mas de algum jeito, Aizen soube e usou essa chance para tentar assumir o lugar de General da Legião de Mosqueteiros. Ele contou a Yamamoto, que prendeu Rukia, e logo depois tentou envenená-lo. O Rei, nesse meio tempo, a sentenciou à morte.

Aizen planejava usar o enfraquecimento da aliança com o clã Kuchiki e o desespero que certamente seguiria isso e a morte de Yamamoto para tornar-se o General. Sendo o mais proeminente dentre os Capitães, isso seria imediato.

Entretanto, Ichigo, em sua fúria por estarem condenando uma mulher por algo que mal podia se considerar um crime, descobriu sua trama e a expôs. O Rei, ao ver tal ato de lealdade, logo o comissionou e, aconselhado por Yamamoto e pela Rainha, inocentou Rukia das acusações.

Fora de última hora, realmente. A execução já estava no processo quando Byakuya, tendo sido avisado da mudança de planos, galopou até a forca e a retirou de lá. O Rei entrou logo depois, mas, não fosse isso, Byakuya provavelmente teria lutado com o carrasco, que gritava que tudo estava errado.

Ichigo tinha chegado junto com a comitiva real, e ele lhe mostrou um sorriso encantador enquanto observava Rukia tendo tudo explicado por Byakuya. O clã Kuchiki recebeu um grande pedido de desculpas e uma indenização maior ainda pelos acontecimentos, e ela estava segura novamente.

Não segura no sentido de fora do perigo, mas no sentido do sentimento de segurança. E aquele fora o maior sentimento desse tipo que ela já sentira.

— Podemos pedir por Renji — ele murmurou, percebendo o que ela queria. — Se bem que o cabelo dele não serviria bem para disfarce.

— Olha quem fala — ela retrucou, erguendo uma sobrancelha.

Ele ignorou. — Poderíamos pedir a Matsumoto. Ela serve perfeitamente para ocasião.

— E podemos completar com Nemu. — Rukia completou. — O conhecimento dela sobre venenos será extremamente útil, além de que ela já estará lá por causa do pai.

— É, pode funcionar.

— Vai funcionar — retrucou. Rukia descolou as costas da parede na qual estava apoiada e seguiu pelo corredor até chegar às escadas. Ergueu a saia do vestido para descê-las. — Quer que eu escreva o relatório? Posso fazer isso num segundo.

Os passos dele pararam. Ela se virou e encontrou o olhar dele. Meu Deus. Rukia não devia ter feito isso.

Era também um fato ela estar completamente e irrevogavelmente apaixonada por Ichigo Kurosaki e não pode fazer nada a respeito. Portanto, por mais curto que tivesse sido o encontro, o sangue já corria com mais intensidade em suas bochechas.

— Podemos fazê-lo juntos — ele sussurrou, a encarando.

Outro fato importante era que, dois dias depois de quase ter sido enforcada, Rukia foi colocada em uma missão de escolta com Ichigo Kurosaki, e que não bastou uma noite juntos para que logo roupas fossem tiradas dos corpos e intimidades se encontrassem em ondas de prazer.

O caso daquela noite perdurava até hoje, e isso só foi reforçado quando ele deixou seus dedos encontrarem a curva de seu pescoço e a puxarem mais para perto. Foi reforçado quando os lábios dos dois se tocaram, em uma carícia tão suave que fez o coração de Rukia se apertar. Eles logo se separaram, não sendo o lugar nem a hora, mas a sensação continuou no ar, presente.

— Que tal irmos para o meu apartamento? — ele sugeriu, descendo os últimos degraus e oferecendo a mão para auxiliá-la durante eles. Ela aceitou, mas foi por mera educação, uma vez que sabia se equilibrar bem o suficiente para não cair só descendo umas escadas.

Rukia sorriu.

Y

O baile, como era de se esperar, estava cheio. Cheio de mulheres ostentando jóias raras, usando vestidos desenhados pelos melhores estilistas e cabelos arrumados. Cheio de homens pomposos, usando vestimentas com cores extravagantes numa tentativa desesperada de chamar a atenção.

Rukia apertou mais forte o braço de seu irmão. Claro, sendo uma missão secreta, ele não sabia exatamente o porquê de ela subitamente querer vir, mas Byakuya tinha mostrado seu apoio assim que a palavra “ordens” saiu de sua boca.

Seu vestido estava desconfortável. Era compreensível, uma vez que os ajustes tinham sido feitos às pressas, mas ainda assim ela amaldiçoou Hisana por ter muito mais busto que ela.

Era um vestido bonito. O tecido era suave, mas ela não o reconhecia. Ele tinha algumas pedras encravejadas na saia branca, e o corsete era diferente. Deixava suas costas parcialmente expostas, algo que raramente se via. Nunca o teria escolhido, não fosse o fato de que a saia era tão espalhafatosa que ela facilmente conseguia esconder duas espadas e suas armas debaixo dela.

Viva à moda.

Depois de terem sido anunciados, ambos desceram as escadas com cuidado. Rukia amontoou a saia em uma das mãos para não escorregar, expondo a ponta de ferro de suas botas, assim como os desenhos intricados de flores que seguiam pelo corpo das peças. Era uma peça bonita, tinha sido comprada por seu irmão quando este estava lá pelo oriente. Só a usava em ocasiões especiais.

E que ocasião especial era aquela! Além de baile, era um baile para comemorar os dezoito anos do Rei. Se o Rei anterior não estivesse morto, a cerimônia também seria uma de coroação.

Seu irmão ainda a arrastou para conhecer alguns outros nobres que tinham alguma relação com os Kuchiki. Ela usou de todo seu charme para que eles se afastassem logo, fosse para comprar uma bebida ou procurar por alguém. Byakuya parecia querer rir dela, mas sabiamente não o fez.

Eles tiveram de se separar meros minutos depois. Já estava badalando dez horas, era hora de ela distribuir as armas para seus colegas e aguardar o possível ataque. Andou com delicadeza em direção ao corredor que levava para a biblioteca. Tinha combinado com Ichigo, Renji, Momo, Rangiku e Nemu. A última já estava lá, usando um belo vestido lilás.

Colocou-se ao lado dela, encarando o quadro que estava pendurando na parede.

— Como que vai com Lorde Grimmjow, Nemu? — sussurrou, encostando na garota. Sentiu os sabres escondidos debaixo da saia e sorriu.

— Vai bem, mas ele parece meio... agitado — finalizou, com um olhar significativo.

Rukia sentiu o coração dela acelerar. Tudo estava acontecendo. As suspeitas do Capitão Yamamoto eram reais.

— Não posso ficar aqui por muito mais tempo — ela continuou — Lorde Grimmjow vai suspeitar, e meu pai também. Rukia, você fica aqui. No meu caminho eu chamo Rangiku e ela deve avisar aos outros.

Assentiu com a cabeça, e ela se foi, a trança elaborada balançando atrás de si.

Renji foi o primeiro que apareceu. Ele estava elegante usando seu terno, e ela sorriu apreciativamente.

— Está bonito hoje — brincou, passando uma mecha de seu cabelo solta para trás de sua orelha.

— Tenho de estar — ele devolveu. — Posso pegar minha arma?

Ela não respondeu, só ergueu a barra do vestido. Dedilhou as espadas e pegou a primeira. Depois, passou para o lado das armas e pegou a do meio, a segunda mais gasta. Retirou as duas coisas com cuidado e passou para seu colega.

— Obrigado.

— Grimmjow está perto da saída oeste. Vamos sair da sul durante a queima de fogos, é a menos movimentada. Vamos nos separar em alguns grupos. É possível que tenha guardas comprados, mas isso é de praxe.

— Queima de fogos?

— Eu e Ichigo concordamos que é o momento em que todos estarão mais distraídos, e que seria o melhor horário para um ataque. — Deu de ombros, mas sabia que o “Eu e Ichigo” doera.

Antes daquela missão fatídica, ela e Renji estavam tão próximos que se falava de casamento entre os dois. Mesmo que não fosse amor romântico por parte dela, Rukia tinha certeza que casar-se com ele seria melhor do que qualquer um dos inúmeros pretendentes que seu irmão lhe arranjaria.

Entretanto, ela tinha voltado daquela missão para morrer, e depois disso tinha se apaixonado por Ichigo Kurosaki. O possível noivado foi jogado pela janela, e Renji teve seus sentimentos esmagados.

— Rukia! — Ela ouviu o chamado e seu coração acelerou ainda mais. Suas mãos começaram a esquentar dentro de suas luvas brancas e ela sentia suas orelhas ficando vermelhas.

Deus do céu, ela realmente estava perdida.

— Ichigo — cumprimentou normalmente, mesmo com todas aquelas sensações destruindo-a por dentro. Não destruindo, mas praticamente fazendo sua mente entrar em colapso.

— Qual o plano? — perguntou Rangiku que surgiu atrás de Ichigo, puxando Momo consigo.

— Como eu disse a Renji, vamos pela entrada do sul, já que é a menos movimentada. Entraremos durante a queima de fogos, porque é quando a maior quantidade possível de pessoas estará distraída. Grimmjow, que suspeitamos liderar o ataque, está mais próximo da entrada Oeste. O foco, como de praxe, é proteger o Rei e a Rainha.

— Nos separaremos em grupos, então — Ichigo continuou o pensamento, tendo feito o plano com Rukia. — Renji e Momo ficarão nos túneis, devem ter lacaios por lá. Vocês devem interceptar mensagens, mas como deve ter muita gente lá, só as mensagens. Se resolverem lutar contra todos, o risco é grande.

— Eu e Nemu seremos a proteção imediata do Rei, uma vez que estamos como acompanhantes. — Rukia explicou calmamente enquanto retirava Zangetsu debaixo do vestido e entregava a Ichigo. Ele agradeceu com um sorriso e ela desviou o olhar. — Meu irmão já conhece o plano e as tropas Kuchikis não me atacarão, e eu tenho certeza de que Nemu saberá lidar com seu pai. Quanto a Ichigo e Rangiku, os dois ficarão no andar de cima, perto de Grimmjow e seus homens. Eles devem interceptar qualquer ação imediata. Na área oeste tem as cortinas principais, façam uso dela. Está claro?

Todos assentiram com a cabeça e se dispersaram.

Rukia voltou sozinha para o saguão, a arma colocada na cintura e Shirayuki em suas mãos. As janelas do cômodo estavam viradas para o norte, e era lá em que estava ocorrendo a queima. Os fogos explodiam em cores grandiosas, mas seu foco não estava lá, mas sim em Grimmjow, um destaque com seus cabelos azuis. Ele cochichava com um de seus servos, que logo saiu por oeste.

Ela sorriu. Renji estava logo ali, só esperando. Aquela mensagem não chegaria nunca.

Conseguiu se prostrar ao lado do irmão sem ser notada. Ela só soube que ele a reconheceu por causa de um ligeiro tremor na mão e um passo para o lado, como se fosse para encubri-la. O Rei estava distraído, maravilhado com as explosões no céu, mas a Rainha a notou e sorriu.

Fora ela quem tinha requisitado proteção extra naquela noite.

Rukia tentou sorrir de volta, mas veio fraco. Sua intenção de matar estava tão forte que ela não conseguia se concentrar em nada senão a presença de Ichigo atrás das cortinas e de Grimmjow a alguns metros dela.

Era frustrante não poder fazer nada senão ficar lá, parada, enquanto não houvesse movimento por parte dele. As relações com a Alemanha já estavam delicadas, não podiam se dar ao luxo de matar alguém por engano

Ela já estava na ponta dos pés quando finalmente, entre todas as exclamações de encanto, ela ouviu um click. Um click de um mosquete. E por vir mais do leste que do oeste, ela instantaneamente soube quem eles estavam almejando. Seu olhar cruzou com o de Nemu.

A Rainha sempre ficava do lado direito do Rei.

Alcançou-a em um pulo, pulando por cima dela e caindo pesadamente. O tiro foi ouvido e a bala passou raspando por seu ombro, se alojando no vidro à frente e causando uma pequena explosão. Alguns estilhaços cortaram seus braços, que estavam jogados por cima da rainha, mas ela sabia que estava bem, porque não sentia cheiro de nenhum sangue perto além do dela mesmo.

Dois tiros foram ouvidos atrás de si, Rukia se levantou rapidamente, arrastando a Rainha consigo. Ela estava fraca, mas não chorava, e Rukia quis parabenizá-la só por isso. Seu ombro ardeu quando a puxou para mais perto quando ela ouviu um corpo caindo no chão.

Nemu tinha acertado o tiro.

Do canto do olho, ela viu Grimmjow correndo para a saída mais próxima, tentando misturar-se com a multidão em pânico. Sua intenção de matar teve um pique tão grande que a Rainha tremeu em seus braços.

— Shh — consolou, esfregando a nuca da Rainha. Byakuya estava perto, com um olhar sombrio. Ela sabia que era por causa do sangue empapando seu vestido nas costas, mas não podia parar. Era seu trabalho cuidar do Rei e da Rainha, e não era um arranhão que a pararia. — Nemu, o caminho está livre?

— Sim, Rukia.

— Então, vamos fazer o seguinte...

— Tsui! — foi interrompida por seu irmão, que estava chamando um dos servos Kuchiki. —Sirva Rukia.

Depois de uma reverência e um olhar de pura confiança para Byakuya, ele a cumprimentou. — Mademoiselle Rukia.

— Tsui, quero que nos ajude a proteger o Rei e a Rainha enquanto os levamos para a Câmara. — Descolou a Rainha de seu peito, enquanto firmava seu aperto em Shirayuki. Seus dedos estavam gelados, novamente. — Vamos.

Correram todos para a saída Leste desta vez, não tendo adentrado nem dois metros no túnel quando Rukia se virou e torceu uma das velas na parede. Uma passagem se abriu, e eles desceram por ela, com Tsui fechando-a logo em seguida. Andaram por mais alguns metros até que o Rei, ele mesmo, parou e empurrou um tijolo na parede. Uma maçaneta desta vez apareceu numa parede um pouco ao longe e Nemu correu até ela, girando-a com força.

A parede inteira pareceu tremer enquanto ela praticamente desgrudava a madeira das paredes. O local não tinha sido usado em tanto tempo que as teias de aranha estavam por todos os lugares e o pó fez o ferimento de Rukia arder tanto que ela começou a tremer.

O Rei e a Rainha sentaram-se na grande cama que tinha no centro do cômodo e Nemu se acomodou em uma das cadeiras. Nem Rukia nem Byakuya entraram, só ficaram ali, tendo certeza de que estava tudo bem. Tsui estava incerto do que fazer.

Com um aceno de cabeça, ela mandou-o ficar, e Byakuya fechou a porta, ouvindo o servo trancar do outro lado.

Os dois correram de volta para o campo de batalha. Byakuya tinha conseguido sua espada, mas ela nem fazia ideia de como, e ele a usou na cabeça de um dos soldados de Grimmjow, pelo uniforme. Rukia suavemente chutou a cabeça de um na direção da parede, que então bateu nela e desmaiou.

Rangiku estava em uma luta com dois homens, mas logo tacou o lenço em um e o fez perder equilíbrio e desabar no chão com um tapa. Deu conta do outro enfiando uma adaga em sua barriga quando ele a atacou por trás.

Ichigo estava no centro do cômodo, brandindo a espada com um e atirando em três soldados ao mesmo tempo. Deu três tiros perfeitos, mas logo teve de largar a arma por falta de munição. Cortou a mão de seu oponente e pegou sua arma. Recomeçou o processo.

Rukia suspirou, aliviada por todos estarem bem.

Alguns guardas do Cardeal estavam lá também, mas poucos. O resto, muito provavelmente, estava guiando os nobres para fora do castelo, onde estava realmente acontecendo uma guerra.

Um homem rugiu atrás de Rukia, e ela se jogou para o lado, bem a tempo de ver ele se espatifar no chão. Chutou-o no estômago só para ter certeza, e logo ouviu outro ruído, logo atrás dela. Virou com tudo, colidindo seu braço com a cara dele e ouvindo sua mandíbula fraturar.

Ela não sabia em quantos já tinha batido quando Momo entrou no cômodo, arrastando Grimmjow consigo. Ela sorria vitoriosa, e o Lorde estava nocauteado, o formato claro do pumo de sua espada no seu nariz quebrado. Sua cabeça também estava sangrando um pouco, e ele não acordaria tão cedo.

— Seu líder — Momo falou, jogando-o no chão. — Já podemos parar com essa luta ridícula, não?

Os poucos soldados que sobreviveram logo largaram as armas. Os mosqueteiros e os guardas os cercaram com as espadas em punho.

E assim o baile acabou.

Y

Rukia praticamente gritou no travesseiro. Estava doendo, doendo, doendo!

— Pronto, criança — a freira que cuidava de seu ferimento nas costas falou, condescendente. Ela colocou a agulha em uma pequena trouxinha de tecido no criado mudo da cama, a enrolou e depois guardou no seu kit de médica. — Só tome cuidado para não romper as costuras. Elas ficarão aí por umas duas semanas, venho aqui tirar.

— Obrigada, ma soeur — Rukia chamou com a voz abafada de sua forma jogada na cama.

— Não há de quê, só tome mais cuidado da próxima vez, certo? — acariciou seus cabelos e partiu, dizendo um “Deus te abençoe” quando já estava na porta.

Ela ficou na cama por mais um bom tempo. Suas costas, aparentemente, tinham sido praticamente rasgadas ao meio pela bala. O “arranhão”, que era na verdade um sulco enorme em sua pele, vinha do meio das costas e passando por seu ombro.

Rukia tinha, inclusive, desmaiado logo depois da captura de Grimmjow, completamente exausta e com grande perda de sangue. Só tinha conseguido se manter em pé durante aquelas horas por causa da adrenalina bombeando por suas veias, mesmo.

Ichigo a pegara enquanto caía, claro. Ele parecia estar ligado a ela de alguma forma, do jeito que ele sempre sabia quando que ela iria precisar dele. Ele tinha gritado seu nome, e todos estavam tensos, mas Rukia só sorriu e falou que estava tudo bem antes de fechar os olhos de vez.

Tinha acordado naquela mesma cama há alguns minutos, com Irmã Fleur dando pontos em suas costas. Estava praticamente acordando a casa inteira com seus gritos quando a Irmã a acalmou, informou onde estava e o que estava fazendo.

Estava na casa de Ichigo, mais especificamente a casa de sua família. Pelo que parecia, ela estivera apagada por mais ou menos um dia, um pouco a mais, um pouco a menos. Tinha sido levada para lá sob recomendações médicas de “descanso absoluto”.

Todos tinham mandado melhoras, inclusive seu irmão, que agora estava ocupado cuidando de toda a bagunça que Lorde Grimmjow tinha deixado. Eles não queriam guerra contra a Alemanha, portanto tudo estava sendo muito delicado.

— A Irmã foi embora. — Veio uma voz de trás dela, e ela corou ao perceber que estava praticamente nua da cintura para cima para fazer os pontos. — Rukia.

— Ichigo. — Ela ofegou em resposta, virando-se agarrada às vestes e sentando-se com cuidado para não abrir os pontos. Seu vestido estava meramente desbotado atrás, mas era vergonhoso.

Ele sorriu e sentou na cama, tomando as mãos dela entre as suas. Seu sorriso, entretanto, não enganava Rukia, que libertou uma das mãos e acariciou os círculos escuros debaixo de seus olhos.

Franziu a sobrancelha.

— Não conseguiu dormir esta noite?

— Vim cavalgando, direto, com você na carruagem — explicou, colocando uma mão por cima da dela. Sentia já suas pálpebras pesarem, somente com aquele toque. — Quando cheguei aqui, estava agitado demais, e acabei rompendo os pontos que o médico fez em Paris e tive de ir chamar a Irmã Fleur.

Rukia riu. — Bem sua cara, mesmo. Agora, o que temos para jantar?

— Bem, o jantar foi há algumas horas, na verdade. — Ele coçou a cabeça, envergonhado. — Posso ir pegar um pedaço de pão com queijo, se quiser.

— Seria ótimo.

Ele se levantou da cama, beijou sua testa e desceu as escadas. Subiu alguns minutos depois, com o que tinha prometido. Rukia estava quase babando só de olhar.

— Toma.

Rukia fez sua pequena refeição em silêncio, devorando o sanduíche como se fosse a melhor especiaria do mundo e ela só tivesse alguns minutos para consumi-la. Ichigo ficou encarando o espaço, seus olhos pesando cada vez mais, preso e perdido em seu próprio mundo.

Ela pousou o prato na cômoda também, confirmando com um “terminei” baixo.

— Quer dormir um pouco? — perguntou, nervosa. Queria completar e dizer “comigo?”, mas tinha de se conter. Só um pouquinho, só um pouquinho.

Ichigo não disse nada. Só sentou ali e encarou-a por baixo, com uma intensidade impressionante. O coração de Rukia estava, novamente, descontrolado. E então, caiu na cama pesadamente, quase pulando da cama pela maciez do colchão.

— Pelo menos tire as botas — ela reclamou, e ele riu, rolando na cama. Chutou as tais botas para longe com o pé, jogando-as em qualquer canto do quarto.

Rukia se infiltrou mais na coberta que estava jogada pela cama, sentindo o calor gostoso que fazia ali embaixo. Ichigo se jogou do seu lado depois de alguns minutos de se arrastar pelo colchão, passou seu braço pela cintura dela e logo estava ressonando baixinho.

Ela ficou parada ali, acordada, ouvindo as batidas dele do coração e as suas próprias.


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Notas finais do capítulo

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