6 horas escrita por Bela Sartori


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Tudo do ponto de vista do Gui.



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–Doutor, estão te chamando no Pronto Socorro agora.

–Eu estou no meio de uma cirurgia, não dá pra chamar outro? - Disse olhando para a enfermeira que me encarava pelo vidro da sala.

–Não, tem que ser você. É extremamente urgente.

Voltei a me concentrar no homem que estava na minha frente, não podia ser nada tão sério que o Henrique ou os outros médicos não pudessem resolver. Fora que esse caso em especial está muito interessante. Ouvi a porta ser aberta novamente.

–Vai, Gui, eu assumo daqui. - Disse o diretor do hospital, amarrando o avental.

Olhei para ele e depois para a enfermeira parada atrás da janela de vidro. Suspirei e tirei a máscara, me afastando do paciente e indo em direção à porta.

–É bom ser um caso bem difícil. - Arranquei as luvas com raiva e saí.

Fui andando tranquilamente para a entrada de ambulâncias, peguei o jaleco e perguntei o que havia acontecido.

–Acidente de carro. A mulher foi mandada pra cá com a criança e o outro não resistiu. - E me olhou.

Assenti e voltei para o meu caminho. Fiquei atrás de todos, logo Renato me puxou pra frente e eu fiquei sem entender nada. Entendi menos ainda quando a ambulância virou a esquina e todos, sem exceção, olharam para mim. "Força, Gui" falaram baixo e a porta foi aberta.

Olhei para dentro e analisei a mulher que agora recebia massagem cardíaca. A reconheci. E meu mundo só não desabou porque eu tive que segurar o menino, com os braços e rosto arranhados, que se jogou em meus braços.

–Pai! - Meu filho falou com a voz embargada e escondeu a cabeça em meu ombro, chorando.

O abracei forte e saí andando para dar caminho às pessoas que tentavam salvar minha esposa.

–Eu tô aqui... Eu tô aqui. - Repeti para tentar acalmá-lo e para tentar processar tudo.

Minha cabeça estava uma confusão. Manu era a mulher do acidente? Não podia ser. Devia ser uma brincadeira de muito mal gosto. Arrisquei um olhar para a entrada e vi seus cachinhos esparramados pela maca, sua roupa ensanguentada e seu rosto...

Deu vontade de xingar tudo. Por que comigo? Por que com ela, que nunca fez nada à ninguém? Antes, quando diziam que a vida não é justa eu duvidava. Agora, eu tenho certeza.

E então correram para dentro. Quem ficou para fora fez menção de se aproximar de nós e eu negava. Eu precisava daquele tempo, e meu menino também.

–A mamãe vai ficar bem, não vai? Vão cuidar direito dela e fazer ela sarar, não vão? - Manuel me olhou com seus olhinhos vermelhos e seu bico de choro.

–Vai sim, meu anjo. Os amigos do papai vão todos ajudar ela pra ela sarar direitinho. Agora, você quer ficar mais um tempinho aqui fora? - O olhei e arrumei seu cabelo que insistia em cair sobre seus olhos castanhos... Como os dela.

Ele não respondeu e voltou a deitar sua cabeça em meu ombro. Fechei os olhos e respirei fundo, pedindo para que tudo não passasse de um pesadelo e eu acordasse logo.

Meia hora se passou até que ele reclamasse de dor. Fui burro, ele podia ter alguma fratura interna e eu saí andando sem ao menos fazer exames no meu pequeno. Corri com ele para o hospital e o coloquei em um quarto.

–Chamem a Danielle! - Gritei. - A tia Danny vai te examinar pra ver se não tem nenhum dodói por dentro, tá?

–Tá bom. - O deitei e ele segurou minha mão. - Eu gosto da tia Danny.

–Opa, e eu adoro você! - Ela disse entrando no quarto com um sorriso no rosto. - Como que você tá, moço?

–Eu quero a minha mãe. Cadê ela, pai?

–Já vou ver. Enquanto isso, você fica aqui um pouquinho com a tia Danny? - Manuel assentiu e eu beijei sua testa. - Já volto.

–Vai, eu cuido dele. - Danny disse e eu corri para fora do quarto, em busca de alguma notícia.

Aquele hospital nunca pareceu tão grande quanto naquele momento, eu corria e não chegava a lugar nenhum. Procurei por todas as alas, só encontrei no centro cirúrgico.

–Guilherme, sai daqui! - Mayara gritou.

–Eu quero saber como ela tá.

–Caramba, sai daqui! Você não pode ficar perto dela nesse caso.

–Fala, Mayara! - Eu gritei e todos me olharam.

–Chega! - Valmir me puxou pelo braço para fora. - A Manu tá com hemorragia interna, no momento a May tá tentando descobrir de onde surgiu pra poder estancar. Você tem que ser forte pelo seu meninão.

–Qualquer coisa você me avisa, pelo amor.

–Claro que sim. Agora eu vou voltar e você se cuida.

O observei voltar para dentro da sala e fiquei ali parado, sem saber o que fazer. Sem saber pra onde ir. Só fiquei ali. Pensando como tudo tinha virado de cabeça pra baixo em uma hora.

Em um minuto, estou concentrado em uma cirurgia importante. Em outro, estou acalmando meu filho e pedindo à Deus para que salvem minha mulher. Se me contassem uma história dessa, eu iria perguntar como uma pessoa conseguiu aguentar tudo isso. Pra falar a verdade, nem eu sabia como estava aguentando.

Fui andando pra qualquer lugar, só não aguentava mais ficar ali. Acabei na parte de trás do hospital, um lugar deserto que eu nem sabia que existia. Sentei na calçada e coloquei a cabeça entre as mãos. Cadê a coragem de contar para uma criança que a mãe está em estado grave? E como se conta para uma mãe que sua filha está entre a vida e a morte?

Ninguém deveria ter que passar por esse sofrimento, é uma coisa que eu não desejava nem para as pessoas que eu mais odiava.

Fiquei ali durante uns 15 minutos, avisei a família e depois fui ver Manuel. Ele brincava com a Jessica quando eu cheguei.

–Ah, mas que animação brincando com a madrinha! Tudo bem, Jess? - A abracei.

–Tudo, neh coisa linda da dinda? - Ela deu um beijo no rosto dele e voltou a me olhar. - Quer que eu cuide dele hoje?

–Mas você não tem mais coisas pra fazer?

–Ah, e eu lá ligo? O diretor vai entender, fora que eu sou a madrinha do Zé Sapeca aqui, nada mais justo.

–Nem sei como te agradecer. Muito obrigado.

–Não há de quê. - Ela sorriu e voltou a atenção para o pequeno que bocejava em seu colo.

–Quer vir no colo do papai pra dormir? - Manuel balançou a cabeça e esfregou os olhinhos, eu o peguei e deitei na cama.

–Pai, quando a mamãe vai voltar? - Ele levantou a cabeça pra me olhar.

–Eu espero que logo, anjinho... Espero que logo... - Voltei a fazer carinho em seu cabelo e o observei pegar no sono, fazendo o mesmo instantes depois.

Acordei e não soube quanto tempo havia se passado, mas o pequeno ainda dormia agarrado à minha blusa. Soltei sua mãozinha e o cobri, avisei a Jessica que estava saindo e fui dar uma volta.

A cirurgia ainda não tinha acabado, então passei na lanchonete para comprar um café e fui para a recepção. Minha sogra estava lá e mais alguns amigos que souberam e vieram nos dar apoio. Conversei com todos e expliquei o que eu sabia, pois, como eles, ainda não tinha entendido como foi o acidente. Pouco a pouco todos foram embora e eu fiquei sozinho com a mãe dela, em um completo e absoluto silêncio, apenas esperando o tempo passar.

Uma hora depois, Valmir apareceu com o Manuel no colo. Eu o peguei e perguntei sobre a Manu.

–A situação ainda é crítica, mas o pior já passou. Ela não tem nenhum trauma craniano e nem na coluna, só uma perna quebrada.

Fechei os olhos e apertei meu pequeno, que me encarava sem entender nada. O olhei sorrindo e disse que a mamãe iria ficar bem, então foi sua vez de me apertar com seus bracinhos pequenos. Minha sogra agradeceu os médicos muitas e muitas vezes, depois se juntou ao nosso abraço. Um abraço aliviado, um abraço emocionado. Um abraço feliz.

E, em cinco minutos, eu já estava dentro da UTI, caminhando rapidamente para poder vê-la. Deixei Manuel com a Jessica e entrei em seu quarto, seu corpo todo coberto, seu rosto machucado, mas ainda era a minha Manuela. A mulher doce e mandona pela qual me apaixonei perdidamente. A pessoa que, em pouco tempo, tirou tudo de ruim de mim e que me deu o melhor presente de todos. O amor da minha existência.

Depois que arrumei seu cabelo, segurei sua mão e deixei um leve beijo em seus lábios. Agora tranquilo depois das 6 horas sem ela. As piores horas da minha vida.


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Notas finais do capítulo

Se não ficou muito bom, sorry :$