A carta escrita por magalud


Capítulo 5
Nas masmorras




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Vozes distantes pareciam se aproximar dele.

– ... acho que é só isso, Severo. Qualquer coisa que precisar, pode me chamar na lareira.

– Não creio que seja necessário, Madame Ponfrey – era a voz de Snape – Acredito que estarei bem.

– Foi bom que ele tenha dormido a noite toda. Lembre-se, ele ainda precisa de dois dias inteiros de cama. Repouso absoluto. E uma semana antes que ele se aventure numa vassoura, para dar tempo aos ossos se reconstituírem.

– Entendido.

– Agora devo ir. Boa-sorte, Severo.

– Agradeço sua ajuda, Madame.

Ruídos de portas e passos, e Harry sentiu dificuldade em abrir os olhos. A cabeça ainda girava um pouco, e ele sentiu uma pontada de dor nas costas quando se mexeu, tentando se sentar na cama, gemendo.

– Não foi um movimento nada inteligente.

Harry abriu os olhos finalmente e se viu num aposento com as paredes de pedra. Obviamente ele estava em Hogwarts, numa ampla cama de dosséis, num quarto bem maior do que seu alojamento na Torre de Grifinória. Snape o encarava, com um frasco de poção na mão.

– Antes de qualquer coisa, tome isso – ele pegou outro na mesinha de cabeceira – E mais esse.

Harry obedeceu, gemendo um pouco de dor, e sentindo o gosto pronunciado de ervas. Ele fez uma careta depois do segundo vidrinho:

– Que houve?

– Tive que removê-lo dos cuidados amorosos dos seus tios na noite passada. Você está dormindo desde então.

– Oh – Harry ficou vermelho – Desculpe, professor.

– Por que está pedindo desculpas?

– Pelo trabalho que estou dando. Mas acho que o senhor exagerou. Eu teria ficado bom em alguns dias.

Snape deu um suspiro aborrecido:

– Dificilmente, por isso eu o trouxe a Hogwarts e não de volta para a casa de seu querido padrinho. Duas costelas trincadas, perna e braço fraturados e hemorragia interna não desaparecem em alguns dias, Sr. Potter.

Harry disse, ainda mais vermelho:

– Eu... caí da escada.

– Potter, você foi empurrado da escada – pronunciou Snape bem devagar – Por que está tentando defender seus agressores?

– Eu... eu... – Harry estava extremamente embaraçado – Eu sempre tinha que dizer que a culpa era minha se eu me machucava.

– Você não é Longbottom. Aliás, nem Longbottom seria tão desastrado.

– Como assim?

– Madame Pomfrey fez um exame cuidadoso de seus ferimentos e descobriu outros mais antigos, que não foram tratados. Ficou claro que o "carinho" de seus tios vem de longa data.

Harry não podia ficar ainda mais vermelho, mas ele conseguiu. E se sentia um fracassado.

Snape sentou-se na cama e disse, numa voz macia e agradável, uma que Harry nunca tinha ouvido:

– O que você está sentindo é muito comum em lares onde as crianças são espancadas – Harry olhou para ele alarmado; ele nunca tinha se sentindo "espancado" – Acredite, eu já vi isso acontecer com muitos dos meus sonserinos. Parece que não é comum em famílias grifinórias, ou McGonagall teria visto os sinais em vocês. Se bem que, como sempre, Potter, você é um caso totalmente à parte. Como ficariam os poderes de Hogwarts se fosse descoberto que o Menino-Que-Sobreviveu e salvador do mundo bruxo era espancado na casa de seus parentes trouxas?

– Olhe – tentou dizer Harry –, não é nada disso. De vez em quando meu tio gosta de me dar um tapa ou dois, o filho dele também. Nada de mais. Mas dessa vez eu sei que foi diferente. Ele estava possesso e eu tentei me defender. Só que precisei tirar Edwiges a tempo – aí ele me pegou desprevenido.

– Na verdade, ele pegou a nós dois desprevenidos – confessou Snape – Se eu tivesse tido tempo, teria dado a todos eles uma lição mais... duradoura.

Harry arregalou os olhos:

– O que fez? Eles… estão vivos, não estão?

– Contra meus melhores instintos, eles estão vivos. Não fiz nada de permanente ou devastador contra eles. Achei que você não aprovaria.

– Obrigado.

– Mudando de assunto, Madame Pomfrey me deixou encarregado de sua recuperação. Ela está com sua irmã em Gales. Você não deverá deixar essa cama por dois dias, e deve se manter longe de encrencas durante uma semana para dar tempo a seus ossos de se recuperarem. Seu adorável padrinho mandou suas coisas para cá e você deverá ficar em Hogwarts pelo resto do período de férias.

*E com Snape. Mas que alegria*, pensou Harry desanimadamente. Depois ele lembrou que pelo menos não teria que voltar aos Dursley.

Snape foi direto ao ponto:

– Já que você ficará nas masmorras, as regras de convivência devem ser simples. Quando estiver melhor, poderá ocupar-se com o que bem entender e fazer seus deveres de verão, mas quero-o de volta a esses aposentos na hora do jantar. As proteções já estão programadas para reconhecer você. Exijo limpeza e arrumação suficientes para a convivência não ser um fardo para nenhum dos envolvidos. Você pode receber seus amigos, desde que me avise com antecedência para que eu possa dar uma senha temporária a eles e retirar-me por um tempo razoável evitando a presença deles. Você concorda com essas regras, ou tem algo que queira acrescentar?

Harry ficou abismado:

– Eu... posso discordar?

Snape deu outro suspiro aborrecido:

– Isso não é a sala de aula, Potter. Eu espero que você consiga se comportar de acordo com as normas básicas de convivência e civilidade.

– Sim, senhor.

– Um lembrete: sua saúde é prioridade, e eu tenho autoridade para interferir em qualquer circunstância que eu julgue estar ameaçando sua recuperação. Não espere que eu aja como Black, concordando em saídas irresponsáveis pelo mundo trouxa apenas porque você estava entediado. Espero que isso esteja bem claro.

– Sim, Prof. Snape.

– No momento, acho melhor você comer alguma coisa, Potter, e depois descansar. Você deverá tomar suas poções no horário. Isso o deixará praticamente dormindo esses dois dias, mas você precisa desse sono para se recuperar dos danos internos.

Harry de repente sentiu que aquele bando de regras mais parecia um regime militar.

– Entendo, senhor.

– Voltarei já com seu almoço.

Foi Dobby quem trouxe o almoço, e o elfo parecia querer fazer de tudo para ajudar Harry em sua convalescença – da maneira de Dobby, claro. Enquanto Harry comia, Dobby ficou ali, tentando ajudar. Harry comeu o almoço mais depressa que pôde.

Ele esperava Snape vir com uma poção, mas em lugar disso quem apareceu depois do almoço foi o Prof. Dumbledore.

– Trago boas notícias, Harry. – O velho parecia entusiasmado. – Tivemos muito sucesso, muito sucesso mesmo.

– Prof. Dumbledore, eu lamento todo o trabalho que estou dando, eu –

– Esqueça isso, Harry, meu rapaz. Escute: pelo que o Prof. Snape me disse, você gostaria muito de fazer o Feitiço da Paternidade, é verdade?

Harry sentiu-se meio constrangido:

– Bom, senhor, só o que eu gostaria era de uma confirmação sem dúvidas de quem é meu pai. Mas isso parece estar dando muito trabalho, então eu acho que podemos simplesmente deixar tudo como está e –

– Bobagem, meu rapaz, bobagem! – Dumbledore tinha os olhos brilhando – Procurar uma maneira de efetuar o feitiço foi uma grande vantagem para a Ordem da Fênix. Graças a você, conseguimos recrutar um excelente curandeiro de St. Mungo's, credenciado no Ministério da Magia.

– Mas Prof. Dumbledore, isso não vai tornar tudo público?

– Não necessariamente, de acordo com esse curandeiro. O nome dele é Seymour Hafflehub. Ele sabe que você está de repouso, e virá aqui amanhã de manhã para efetuar o Feitiço. Fomos muito fortuitos. Hoje ele fará uma verificação semestral de varinha e isso nos dará seis meses para encontrar uma solução.

– Desculpe, mas eu não entendi.

– Os curandeiros credenciados têm suas varinhas verificadas uma vez a cada seis meses, usando o Priori Incatatem. Assim, se aparecer algum feitiço que não foi reportado, ele é descoberto e passa a fazer parte dos registros. Mas a verificação semestral de Seymour será hoje, então ele ficará...

Harry raciocinou, entusiasmado:

– Ele vai ficar seis meses sem ninguém verificar sua varinha e ninguém vai descobrir o Feitiço da Paternidade durante seis meses! É brilhante, senhor!

– Não, Harry, não é brilhante, mas é o máximo que pudemos arranjar. É satisfatório para você?

– O feitiço é mesmo garantido? Não há possibilidade de erro?

– Não há erros para esse feitiço. Você conhecerá, sem dúvida alguma, quem são seus verdadeiros pais. Está preparado para isso?

Harry suspirou, depois assentiu, determinado:

– Sim, senhor. Eu preciso muito saber.

– Está bem – disse Dumbledore – Amanhã de manhã você saberá. Mas quero que você se lembre de uma coisa, Harry, seja qual for o resultado desse feitiço: o Prof. Snape sempre salvou sua vida, e foi ele quem o resgatou da casa de seus tios. Mesmo que ele não seja seu pai, ele sempre zelou por seu bem-estar, além do chamado do dever. Procure se lembrar disso.

Aquilo fez Harry sentir uma pontada de culpa.

– Sim, Prof. Dumbledore.

– Bom garoto. Agora tome sua poção e procure relaxar. Madame Pomfrey espera uma coruja dizendo que você está descansando bastante.

Ele não tinha saído quando Snape voltou, trazendo um vidrinho com uma poção roxa. Harry já sabia o que era aquilo: Poção Sem Sonhos. Ele tomou o vidro inteiro e em questão de minutos estava adormecido.

***

Harry não tinha noção das horas quando Snape o acordou. O menino fez a higiene matinal e pensava em trocar de roupa quando o Mestre de Poções lhe deu um roupão e disse:

– O curador Hafflehub está se dirigindo para cá. Tire a camisa do pijama e use isso.

Harry não entendeu direito, mas obedeceu. Ele mal tinha se enfiado debaixo das cobertas quando alguém bateu à porta dos aposentos de Snape. Eram Dumbledore e o curador Hafflehub, que chegou com uma maletinha muito parecido com a de um médico. Harry ficou olhando e notou que as semelhanças paravam aí.

Seymour Hafflehub parecia ser tão velho quando o Sr. Olivaras, e os cabelos brancos apareciam por debaixo do pontudo chapéu de feiticeiro que ele usava, preto de veludo, combinando com as vestes negras, que apreciam grandes demais para ele. O grande nariz parecia pendurado no meio do rosto, e os olhos castanhos encararam Harry, com bolsas arroxeadas que iam até o meio das bochechas.

– Ah, mas esse já está bem grandinho para um Feitiço da Paternidade. Agora entendo todo o sigilo.

– Não, Seymour – disse Dumbledore – Acredito que você vai entender rapidamente a necessidade de sigilo quando você conhecer o menino em questão. Por isso todo o sigilo, por isso tivemos que inventar uma desculpa para ninguém descobrir que você esteve em Hogwarts.

– Está bem, está bem, Dumbledore – disse o velhinho, que parecia ser bem-humorado – Vamos ver então o que há com esse rapazinho.

Ele se sentou na cama, sorriu para Harry e disse:

– Ora, ora, em geral eu costumo atender bruxinhos em fraldinhas para esse serviço. Acho que você está bem grandinho para usar fraldas. Que bom! Pelo menos o cheiro vai ser melhor!

Algumas pessoas costumavam achar Dumbledore um pouco senil, e meio amalucado por causa da idade. Para Harry, essas pessoas obviamente não conheciam Seymour Hafflehub. Ele arregalou os olhos.

O curandeiro indagou:

– Você está em jejum, meu rapaz?

– Sim, senhor.

– Ótimo. Comida pode exigir várias leituras ao longe de várias horas. Assim a gente resolve esse assunto de uma só vez – ele continuou sorrindo para Harry e então seu olhar se desviou do rosto de Harry para a testa. E o seu sorriso caiu.

– Por Merlin... – ele disse, de olhos arregalados – Ele não é... é?

Dumbledore confirmou:

– Sim, Seymour, esse é Harry Potter.

– Mas... Eu não entendo, Dumbledore. Pode haver alguma dúvida sobre quem são os pais desse menino?

– Novas notícias nos deixaram dúvidas sobre a paternidade de Harry, Seymour. Por isso você entende a necessidade de sigilo?

– Sim... sim... claro! Mas é extraordinário! – O Sr. Hafflehub se voltou para Harry mais uma vez – Não se preocupe, rapaz, chegaremos ao fundo disso. Por favor, queira deitar-se.

Harry não esperava por aquilo. Ele esperava ter que cortar um fio de cabelo, dar uma gota de sangue ou um pouco de saliva, mas não deitar-se. O Sr. Hafflehub se ergueu da cama e chegou perto dele, buscando a maletinha:

– Afaste as cobertas e abra o seu roupão, por favor. Isso mesmo.

Sem nem dar tempo a Harry de respirar, o velhinho tirou sua varinha da maleta e enfiou no umbigo de Harry – não com força, mas deu um susto danado no rapaz.

– Ui!

– Ah, todos eles fazem isso – riu-se o Sr. Hafflehub – Isso não vai doer nada.

*Ele diz isso porque não é o umbigo dele*, disse Harry para si mesmo. Snape se mexeu desconfortavelmente, e Harry tinha até esquecido que ele estava no quarto.

– Eclaro paternum!

Harry olhou para a varinha enfiada no umbigo e viu que da ponta dela saiu uma luz prateada, uma luz forte o suficiente para percorrer o interior de seu corpo e ser observada por todos, uma luz muito brilhante que ia iluminando seu sangue, seus órgãos internos, alguns ossos, percorrendo todo o corpo dele, dando-lhe uma sensação agradável de calor interno como ele jamais tinha experimentado na vida. Era uma coisa tão boa que Harry sorriu.

– Ah, todos eles gostam – disse Haffleburn, também com uma risada – Os bebezinhos costumavam dar aquelas gargalhadinhas de bebê, que gracinha.

A luzinha percorreu todo o corpo de Harry e voltou para o umbigo, deixando a ponta da varinha iluminada. O Sr. Haffleburn retirou a varinha de dentro do umbigo de Harry e apontou-a para cima, enunciando:

– Eclaro pater!

Sempre brilhando num tom prateado, a luz começou a se movimentar rapidamente em círculos e logo ele viu um rosto conhecido – o rosto de sua falecida mãe e escrito na mesma letra da carta, o nome dela apareceu em prateado. Lílian Potter.

Harry sorriu e o rosto de sua mãe lhe sorriu de volta, sumindo em seguida.

Depois a luzinha voltou a fazer círculos no ar, girando rapidamente, rapidamente até formar um rosto que Harry também conhecia – e muito bem.

Mesmo se não conhecesse, a letrinha miúda e apertada escreveu o nome de seu pai.

Severo Snape.


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