Bastille escrita por Litsemeriye


Capítulo 1
Catorze Juillet




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O cigarro Galoise* que fumava era forte, a fumaça enchendo seus pulmões e queimando-o por dentro. Em compensação, a taça de Belle Epoque Rosé* brincava em sua língua cada vez que sorvia do líquido, agitando o paladar meio adormecido, tirando o salgado da boca. Abaixo da varanda, a Place de la Bastille* se abria, cheia de vida, parienses e turistas, todos ansiosos pelos fogos.

Sentiu os braços de seu amante circundando sua cintura, suas mãos tomando-lhe a taça de champanhe de sua mão.

“O que você tanto olha?”

“Fazem duzentos e vinte e seis anos, cher”, respondeu quase num suspiro, tragando o cigarro e soprando a fumaça no ar. “Parece que foi ontem que estávamos aqui, comemorando o primeiro Catorze Juillet*. Mas foram tantos, tantos inocentes. Ah, eu me lembro, cher; Launay* decapitado, as labaredas e toda aquela construção caindo por terra. O alívio que senti quando tantos pobres coitados, inocentes, se arrastaram para a luz do sol e suas famílias...”

“Fale por você. Não foi nesse ano que a monarquia caiu? A união da menina Antonieta e de Luís, afinal, de nada serviu. A garota apenas morreu mais cedo, executada pelo seu próprio povo.”

“Nunca gostei muito de Luís XVI, melhor que tenha morrido. Mas não, não. Eles morreram em 1793 mesmo, o rei em janeiro e a rainha em outubro. Foram presos em 1789, sim, mas só conheceram a guilhotina tão de perto quatro anos depois.” Virou-se, as mãos se embrenhando por baixo da camisa social do amante, única peça que este usava. Sorriu ao senti-lo se aproximar, beijando seu pescoço e passando os dedos por seus cabelos louros. “Ah, Arthie, por que você insiste em ser tão pessimista, mon amour?”

“Eu pessimista? Diga isso para aqueles gêmeos*. Tanto tempo e eles ainda não te perdoaram por trazer Antonieta para a morte”, Arthur resmungou, afastando-se e se debruçando sobre a madeira que demarcava o final do espaço.

Ele também queria ver os fogos.

Sentiu Francis tirar a taça de sua mão, abraçando-o por trás. Mesmo o cheiro de tabaco que prevalecia sobre toda Paris e mesmo da boca do amante não era capaz de disfarçar o perfume do francês. E saber que ele havia tomado um banho decente só para o receber aquecia, de certa forma – em geral, o louro apenas se preocupava em lavar o rosto, genitais e embaixo dos braços, como todo bom europeu.

“Certo. São três pessimistas, nesse caso” França riu, até sentir o namorado – poderia chamar Arthur desse modo? – roçar sua parte traseira contra sua pélvis e, quando o francês tentou por mais contato, parar e voltar o quadril para frente. “Arthie, isso é cruel”

“Era pra ser, pervertido”

Eles ficaram em silêncio, até a primeira linha fumacenta cruzar o céu, acabando na explosão colorida. Os olhos do inglês brilhavam, como sempre faziam quando ele via fogos de artifício, e seu namorado – Francis acabara de decidir que sim, podia ser chamado assim – o trouxe mais perto.

“Esse ano, como você aceitou passar o feriado comigo, eu tenho uma surpresa.” Sussurrou, mas Arthur não respondeu de imediato.

Meia hora depois, Inglaterra pressionou seus lábios contra os do outro, intimamente agradecendo por ter aceitado o convite.

Que se danasse a Bastilha, Maria Antonieta e Luís XVI. E a queda da monarquia francesa, sua vitória sobre os ingleses na Guerra dos Cem Anos e os problemas que Napoleão causara. Pro inferno com tudo aquilo.

Porque, quando os fogos formaram um coração no céu escuro, nada mais importou.


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Notas finais do capítulo

1 - Galoise - cigarro tipicamente francês
2 - Belle Epoque Rosé - champanhe francês. O custo da garrafa gira em torno de R$1665,00, e raramente é exportado (ano passado foram trazidas apenas 24 garrafas para uma loja temporária no Brasil!)
3 - Place de la Bastille - ou "Praça da Bastilha", ocupa o espaço onde até 1789 se erguia a Bastilha francesa. A tomada da até então prisão representou o início da Revolução Francesa.
4 - Catorze Juillet - ou "14 de Julho", feriado francês que comemora a tomada da Bastilha (14/07/1789)
5 - Marquês de Launay - governador da Bastilha durante a tomada. Foi decapitado e sua cabeça espetada em uma lança, levada para desfilar pela cidade pelos populares.
6 - Maria Antonieta, famosa por governar a França ao lado de Luís XVI, era, em verdade, italiana! Seu nome completo era Maria Antonieta Josefa Joana Von Habsburgo-Lorena, e ela nasceu em Viena, no dia 2 de novembro de 1755. Não bastasse ser Rainha da França e arquiduquesa da Áustria, também era caçula dos Imperadores do Sacro Império Romano Germânico, Maria Teresa de Habsburgo e Francisco Estêvão de Lorena

Wow, quanta coisa. Mas eu não podia deixar o dia passar.
Um amigo meu está em Paris e, quando ele falou dos fogos formando um coração, eu surtei e vim escrever :v
Espero que tenham gostado



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