Fated escrita por J N Taylor


Capítulo 7
VI - Tempus Fugit


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora. Eu estava um pouco bloqueado em determinadas partes, como o final dele. Além do mais, espero que gostem.



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Londres, Inglaterra, 17 de Julho de 1843

Charles entrou em casa tranquilamente. A última apresentação de piano tinha sido cansativa. Se atrasaram alguns momentos e, quando finalmente conseguiu começar, um grupo de adolescentes, que provavelmente estavam bêbados, às cinco da tarde, chegaram fazendo confusão, paquerando algumas garotas jovens e irritando os pais da mesma. Com a chegada da polícia, os garotos saíram tranquilamente, sem discutir. Constrangido, ele se desculpou e começou a apresentação.

Elizabeth o esperava, lendo um livro na biblioteca dele, era pouco mais de sete da noite.

–O que está lendo? - perguntou ele, entrando.

Poemas de Lord Byron. - ela murmurou, educada, fechando o livro e colocando o indicador na página, marcando-a – Como foi a apresentação? Demorou.

–Um grupo de baderneiros atrapalharam a apresentação, que já estava atrasada. Mas foi bem, em um contexto geral. Não me diga que será como as antigas mulheres enamoradas por um coxo.

–Ora, claro. Não deixa de ser um homem elegante, e sagaz com as palavras.

–Trocado por um morto. - ele riu – Estou extremamente decepcionada contigo. Ao menos me troque por um homem vivo! - ela sorriu para ele.

–Sabe o quanto eu o amo, não? - ela pegou um pedaço de pergaminho e usou para marcar a página, colocando o livro fechado sobre uma mesinha. Se aproximou do marido – Eu o amo.

–Eu também a amo. - e chegou perto dela, quase a beijando. Mas afastou-se repentinamente. Ela o observou surpresa – Mas não a beijarei. - emendou, sem esperar ele dizer algo – Peça para seu coxo escritor. Ah, ele está morto, não? - comentou, debochado e divertido.

–Ora! - ela soltou, fingindo estar ofendida – Eu pediria. Mas quero o seu. Você pode não ser tão bom quanto ele com as palavras, mas…

–Qual poema estava lendo? - a interrompeu.

Lines Inscribed Upon A Cup Formed From A Skull. - ele a olhou, curioso, enquanto a ouvia.

–Repita skull. - ela repetiu. Ele sorriu – Você ficou linda dizendo isso.

–Obrigado. - ela corou levemente – E você ainda me elogia depois de anos de casado. Existem outros maridos que sequer tocam na esposa.

–Eu não sou os outros maridos. Eu sou o seu marido. - e a beijou, apaixonado.

–O que acha? - perguntou, sem esperar resposta, e começou a recitar:

Quaff while thou canst; another race,

When thou and thine like me are sped,

May rescue thee from earth’s embrace,

And rhyme and revel with the dead.

–Acho que faltou algo. - ele disparou. E prosseguiu:

Why not – since through life’s little day

Our heads such sad effects produce?

Redeemed from worms and wasting clay,

This chance is theirs to be of use.

Verdade. - ela sorriu – Se lembra do final. Lembra do começo?

–Não. - e riram, com cumplicidade.

–Ora, está ficando velho.

–Você também não está mais tão jovem. Em aparência, lamento dizer, fui o único que envelheceu. E estaremos velhos, e eu com 50 anos, diante das portas da morte, com meus cabelos caindo, mancando, com gota, quase surdo, quase cego; e você estará linda como sempre, com esse mesmo ar jovem, andando como uma rainha, com os seus cabelos cinzentos. Linda, jovem, imponente; e eu estarei velho, caído e derrotado. - e se afastou, dando um tapa dramático no ar - Me troque por um homem mais jovem, mais rico e mais belo, por favor. Só isso que eu preciso, morrer sozinho, definhando numa cama de um hospital ou jogado num beco sujo de Londres. Lamentável.

–Muito dramático. - ela riu – Pensou em ser escritor?

–Pensei. Mas percebi que não sou tão criativo assim.

–Drama me parece bom. Tente qualquer dia.

–Pode deixar, minha querida, tentarei. E dedicarei o primeiro volume para você.

–Como um bom cavalheiro.

–Como um bom cavalheiro. Sede? - ele não esperou a resposta. Andou até uma estante lateral e empurrou alguns livros para o lado. Pegou uma garrafa com um líquido vermelho, e dois pequenos copos. Colocou um pouco nos dois, até quase a metade deles, e ofereceu um para a esposa.

–Muitos homens se recusariam a oferecer licor para a esposa.

–Eu não sou eles. - e deu uma piscadela para ela. Um brinde?

–Um brinde?

–Sim, um brinde.

–O que vamos brindar?

–Não sei. - ele ergueu uma sobrancelha – Talvez ao poema?

–Pode ser. - e ergueu o copo. O marido fez o mesmo.

***

Washington D.C., Estados Unidos, dias depois

Lucian abriu a porta do seu apartamento. Olhou em direção da sua cama e levantou uma sobrancelha, com um ar de dúvida. Um homem estava sentado na cama dele, vestindo uma camisa de linho branco com um colete de couro por cima, junto de uma calça jeans. O cabelo negro estava bagunçado, os olhos inchados, como se tivesse chorado, e o nariz vermelho. A barba estava pintada num tom dourado que, junto com os óculos escuros, lhe davam uma aparência estranha.

–Quem é você? - o homem não respondeu – Hey! Estou falando contigo.

O homem olhou para ele com uma expressão surpresa. Apontou para o próprio peito.

–Sim, você. Como entrou aqui?

–Desculpa! - ele falou, com a voz esganiçada. Lucian o encarou, descrente. O homem se levantou e começou a andar para todos os lados do quarto, agitando a mão e gesticulando descontroladamente enquanto falava – Meu Deus, ninguém fala comigo. Tu é o cara que esteve do outro lado! Ainda bem que tu me trouxe de lá. Homem, tu não deve lembrar de como o outro lado é frio. Eu me sentia um bife no frigorífico. Tu não tem ideia. Na verdade, tu tem. Tu esteve lá. Eu senti uma grande vontade de te abraçar, sujeito, mas não posso. Estar morto é complicado. Como tu voltou? Tu teve muita sorte. Aquela pizza na sua geladeira, cara, eu realmente daria minha morte por aquela pizza. Eu queria pizza. Estou sentindo fome, complexo isso. Estou morto, e sinto fome. Ao menos vontade de comer. Ah, perdão pelos meus modos. - ofereceu a mão para Lucian, agitado – John Wells.

–Olá. Agora… Como você entrou na minha casa?

–Tu realmente não se lembra. - e puxou a mão de volta ao ver que não seria cumprimentado – Tu me tirou do outro lado, quando tu morreu. Ou entrou em coma.

–Isso foi duas semanas atrás.

–E só agora tu me viu? Jura?

–Acho que sim.

–Estou morando no teu apartamento por duas semanas e não me notou. Tu não é exatamente a pessoa mais observadora do mundo.

–Faça outra piadinha e eu mato você.

–De novo. - e começou a rir descontroladamente, até se curvar, com a mão na barriga, dando tapas na própria perna. Riu por quase dez minutos – Vai me matar de novo? Que louco isso.

–Você está morto? - Lucian deu de ombros – Alguém teve essa sorte.

–Por que? Tu queria estar morto, parceiro?

–Não sou seu parceiro.

–Quanto mau humor. O que está acontecendo, colega?

–Não sou seu colega.

–Ora, não seja grosseiro. Estou tentando ser simpático.

–Fale-me mais sobre você… Qual seu nome mesmo?

–John Wells. - repetiu – Meu nome é John Wells. E o teu?

–Lucian Howlett. - e sentou na cama. John o seguiu e se deitou do outro lado – Para um fantasma, você é bem folgado. - comentou.

–Veja bem, estive preso por dez anos. Minha cabeça está acostumada a ficar num buraco frio e escuro. Cara, o Purgatório é entediante. Mas encontrei tua casa.

–Como saiu? Do Purgatório, como você diz.

–Tu me tirou de lá, eu falei. Tu gritava que queria estar morto. Foi horrível, na verdade. Quando tu começou a ser puxado por uma força invisível, tu tentou se agarrar em qualquer coisa. Eu tentei ajudar, tu me arrastou pra fora contigo. Mas eu não tinha um corpo, te segui. Chegamos aqui, duas semanas te vendo trazer aquelas garotas pra cá… Tu tem bom gosto, elas são boas. E as posições que eu já te vi fazendo, cara, tu é…

–Vamos parar de falar da minha vida sexual. - se sentiu levemente constrangido – Por favor.

–Desculpa. Sinto falta dessas coisas. Sabe, quando eu estava vivo, eu tinha uma boa quantidade de mulheres passando pela minha cama diariamente. Foi legal. Aí eu morri.

–Morreu como? - murmurou, pragmático.

–Uma delas era casada. E o marido tinha uma arma. - e deu de ombros – Não doeu muito.

–Não? Bom, eu já levei um tiro.

–Foi bem rápido na verdade. - comentou John.

–Eu não morri. - Lucian confessou, cabisbaixo – Infelizmente.

–Por que quer tanto morrer, rapaz? Tu é jovem, bonito.

–Por que eu cansei. Vivi muito mais do que você, John. A imortalidade não é uma dádiva de Deus, é um castigo do demônio. Perder tudo e todos que você se importa para algo que, para você, é tão banal. É tão passageiro. Tempus fugit.

–O que significa?

O tempo foge.

–Poético. - murmurou, percebendo que Lucian falava sobre algo que o incomodava profundamente.

–Era uma frase que se escrevia em relógios, para indicar que o tempo passa e você não pode impedir. A tragédia da imortalidade é que ele jamais acaba para você. Nunca.

–Quanto tempo deve cumprir sua pena? - ele sabia que não era de seu interesse o que aconteceu com Lucian, mas se sentia no dever de confortá-lo – Ou é para sempre?

–Para sempre.

–Para sempre é muito tempo. - gemeu, com ressentimento.

–Você entende? A morte.

–Entendo, parceiro. Perdão, senhor.

–Tudo bem. Não se preocupe com isso.

–Tu e eu vivemos a mesma praga, a mesma sina. A eternidade vem atrás de ti se tu não correr atrás dela, ela te encontra. Ou enquanto vivo, ou enquanto morto. Ela te alcança, na vida ou na morte, desse lado ou do outro.

–Como é o Inferno? - a voz de Lucian tremeu. A pergunta surgiu repentinamente em sua mente, como se um isqueiro fosse acendido em uma pilha de palha coberta por gasolina e se espalhasse como um incêndio, saindo naturalmente.

–Como é? É frio. Muito frio. Ao menos onde eu fui. Eram salas frias, outras quentes, mas eram frias em sua maioria. Os gritos, os gemidos de dor e o cheiro de enxofre, sangue, morte. O sofrimento.

–É tão horrível assim?

–Pior. Muito pior. Um dos homens que vi teve um castigo horrível. Ele era açoitado por uma mulher até a pele de suas costas se soltarem e o osso aparecer em algum lugar. Então ele era mergulhado em um tanque de álcool, tirado e obrigado a costurar a pele na própria carne para ser novamente chicoteado, até ela se soltar novamente. Tudo isso com os olhos e as unhas sendo furados.

–Meu Deus. Então, o Diabo realmente manda no Inferno.

–Não, ele era a pior pena que vi. Trair Deus, todo castigo seria pouco para ele, não? As penas das asas dele eram arrancadas e afiadas, como navalhas, e enfiadas em suas costas. Depois ele era açoitado, espancado, tinha o corpo queimado até os ossos para ter a chance de se recompor. Então ele tinha os olhos perfurados, era esquartejado e os membros separados eram empalados, queimados novamente, e ele sentia tudo. Em seguida, ele era obrigado a beber um líquido, que não sei o que era, mas parecia ácido para ele. Quando acabava, os membros dele eram mergulhados no mesmo líquido, ainda empalados, até se recompor. Então, ele era sufocado, tinha os olhos arrancados e…

–Chega! - Lucian gritou, pálido e trêmulo – Já ouvi o suficiente.

–Perdão. O Inferno é horrível. Tinha coisas que aconteciam com ele que eu sequer consigo descrever em palavras humanas.

–Pare, por favor. - ele tremia descontroladamente.

–Acalme-se.

–Deus me abandonou. - olhou para cima, passando a língua pelos lábios, umedecendo-os.

–Tu é legal, tu parece ser uma boa pessoa.

–Eu desisti da vida e da morte por uma mulher! E eu nunca a terei. Espero que ela tenha ido para o céu, ela não tem culpa dos meus erros.

–A garota ruiva?

–Quem? - Lucian ergueu uma sobrancelha.

–A garota ruiva que tu visita constantemente. Vocês tem alguma coisa?

–Você estava me seguindo?

–Opa, falei demais. Foi mal, mas já vi o jeito que olha para a ruiva. Eu sei que gosta dela.

–Eu não gosto dela! Eu desejo ela, é diferente.

–Que seja. A tenha para você, já que quer.

–Não posso.

–Não deve, é diferente. Você sabe que pode, se quiser. Ela pode ser sua.

–Mas eu… - a campainha tocou – Minha companhia chegou. Saia, me deixe sozinho.

–Como quiser. - e sumiu lentamente, como fumaça assoprada pelo vento.

***

Henry colocou o prato sobre a mesa. Ele sabia que não era o melhor cozinheiro do mundo, mas ele teve que aprender a se virar. Sabia fazer algumas coisas boas na cozinha. Elizabeth deu um sorriso e olhou para o espaguete ao molho branco que ele preparou. Estava com uma bela aparência. Ele pousou uma taça de vinho ao lado do prato e uma diante dele. Puxou uma cadeira, pegou o outro prato e se serviu. Pegou o decantador com o vinho tinto e encheu as taças. Ele não perdia a classe nem servindo vinho.

–Sei que isso não é a melhor coisa que você já comeu – disse, após ela começar a refeição -, mas é o melhor que pude fazer. Não sou tão bom quanto pareço.

–Está delicioso, Henry. Estou extremamente agradecida com sua generosidade. Perdoe a minha intrusão na sua casa. Não quero incomodar, pelo menos até eu encontrar um lugar e…

–Pare, Elizabeth. - ele colocou a mão sobre a mesa e arrastou até o outro lado. Sorriu docemente e pousou sua mão sobre a dela, acariciando lentamente com o polegar – Não quero ouvir você dizer que está me incomodando, certo? É bom ter alguma companhia. Esse apart é entediante…

–Como quiser. Henry, posso ser um pouco inconveniente? - ela falou, após alguns momentos de silêncio. Ele murmurou um “sim” e ela prosseguiu – Quando poderei falar com o Charles?

–Eu não sei. Você quer que eu te leve até ele amanhã?

–Eu agradeceria. - ela disse, constrangida.

Ela não merece isso, pensou.

–Você se mostrou um amigo melhor do que eu jamais imaginei. - ela confessou, com um suspiro.

–Como assim? - ele se surpreendeu. Ela bebeu um pequeno gole do vinho.

–Eu nunca vi você como alguém que cuidaria tão bem de mim. Não sei o porquê.

–Eu te amo, Elizabeth. - desabafou. Ela ruboreceu – Deus, eu não deveria dizer isso.

–Henry, me desculpa. - ele afastou a mão dela.

–Não, eu que peço desculpa. Você não precisa se desculpar por nada.

–Eu não posso retribuir seu sentimento.

–Você ainda ama o Charles. Eu sei.

–Não, eu não amo. Eu não consigo sentir o que eu sentia antes.

–Passaram muito tempo longe. - ele argumentou – Quando o encontrar…

–Eu quero encontrar pra ele saber que eu estou viva. - ela gemeu, ficando um nada pálida.

–Você está confusa, não sabe o que sentir.

–Eu sei, Henry. - ele se levantou e se aproximou dela.

–Elizabeth, você não está totalmente bem. - ele se ajoelhou.

–Você não quer acreditar em mim?

–Eu acredito, mas você está confusa.

–Estou, mas não sobre isso.

–Estou aqui para o que precisar. - e levou as mãos ao cabelo castanho dela, acariciando lentamente.

Ela, se sentindo protegida, encostou a cabeça no peito dele.

–Termine de comer, querida. Vai fazer bem pra você.

–Obrigada por tudo, Henry. - e levantou o rosto, olhando dentro dos olhos dele.

–Sempre que precisar. - ele murmurou.

Elizabeth continuou observando os olhos dele por mais algum tempo e, instintivamente, se aproximou. E mais, e mais. Suavemente, ela fechou os olhos e encostou os lábios nos dele. Ele, carinhosamente, segurou os cabelos dela mais firmemente. A mão dela correu até a mão dele e ele sentiu o gosto doce do vinho, ainda nos lábios dela. Quando ela se afastou, ele se sentiu tonto. Ambos se entreolharam, com carinho e cumplicidade, mas também com medo e surpresa. Então, num impulso, ele a beijou novamente.


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Notas finais do capítulo

Bom, a tradução do poema. Achei mais interessante deixar o texto original dele no texto. E eu mesmo traduzir. As traduções que encontrei não me agradaram totalmente:

Bebe enquanto puderes; outra raça
Quando tu e teus ossos forem em em frente
Podem te resgatar da terra que te abraça
E use teu crânio, e em ti, rimas invente
Por que não? A vida é apenas um dia
Em tua face, um triste efeito produzes
O tire dos vermes e argila que havia
E tenha a chance de que eles, a ti uses



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