P.o.V. Lily

Estávamos andando em direção a um restaurante onde nós sempre almoçávamos juntas e comecei a reparar que Abby estava muito quieta, ela não havia dito praticamente nada para mim desde a nossa conversa de ontem e isso me preocupava, já que sempre se fechava em si mesma quando tinha problemas.

– Fico até com medo quando fica quieta assim. - falei e ela suspirou.

– Não tenho muito o que dizer.

– Tem certeza que não quer desabafar sobre o que conversamos ontem?

– Achei que a conversa já tinha sido um desabafo. - comentou.

– Eu te conheço Abby, sei que não me disse tudo.

– Se acha isso talvez não me conheça tão bem assim. - falou e eu bufei de frustração - Qual é Lily? Eu estou bem, só preciso de um tempo para esquecer tudo que aconteceu.

Apenas revirei os olhos e decidi deixar o assunto de lado, já que por enquanto ela não parecia estar muito aberta a receber ajuda.

Assim que estávamos atravessando a praça que ficava de frente para o restaurante uma mulher velha com os poucos cabelos brancos e espetados, usando um vestido marrom nos fez parar bloqueando nossa passagem.

– Olá minhas jovens. - a mulher disse mostrando um sorriso um tanto quanto desdentado - Será que eu poderia ler a sorte de vocês?

– Me desculpe, mas não estamos interessadas. - respondi e puxei Abby pelo braço, mas a senhora continuou insistindo.

– Por favor, a primeira leitura é uma cortesia.

Olhei para Abby em busca de uma resposta para aquela situação, mas ela apenas deu de ombros e ofereceu a mão para a senhora que sorriu e a segurou. Eu apenas revirei os olhos.

– Querida posso ver escuridão em seu passado - ela comentou enquanto examinava a mão de minha amiga e fingia se concentrar, eu realmente não acreditava que ela poderia ler a mão de uma pessoa, nunca fui do tipo que acredita em coisas sobrenaturais e nem mesmo acredito em Deus - Há algo que você carrega dentro de você que não te deixa realmente seguir em frente, tem que aprender a largar isso para que possa viver o futuro. - Abby olhava a velha senhora, que agora estava com os olhos fechados, com uma cara pensativa.

– É só isso? - perguntei depois de ela ter ficado em silencio.

– Tenha paciência minha jovem. - falou e voltou a se concentrar - As respostas que você procura estão em um lugar onde os antigos procuram por sabedoria.

– Ótimo. - resmunguei para mim mesma - Uma charada era exatamente o que precisávamos.

– Você vai descobrir que terá um papel importante a cumprir no futuro, mas não da maneira que espera.

Nesse momento comecei a observar para saber se as pessoas que passavam ao nosso redor poderiam nos achar loucas, mas todos pareciam alheios à cena que se desenrolava como se nada de estranho estivesse acontecendo.

– Querida - a velha disse depois de abrir os olhos - Você é uma pessoa muito especial e no momento certo descobrirá isso.

Abby continuou em silêncio parecendo pensar sobre tudo que tinha ouvido e a senhora simplesmente se virou e começou a seguir seu caminho para algum lugar desconhecido.

– Senhora, espere. - Abby a chamou parecendo se lembrar de algo e a mulher se virou - Posso saber qual é o seu nome?

A velha sorriu.

– Muitos me chamam de Amália.

– Não tem nada para dizer pra mim? - gritei para ela, mas apenas piscou um olho e voltou a caminhar logo desaparecendo ao dobrar a esquina. Virei-me para Abby novamente e encontrei um olhar diferente em seu rosto - Não vai me dizer que realmente acreditou nela.

– Eu não sei você ouviu o que ela disse. Como ela poderia saber aquelas coisas? - indagou.

– Porque qualquer um que olhe para você agora pode perceber que tem algo errado. Eu só consideraria acreditar nela se ela tivesse especificado uma situação.

Ela me olhou como se quisesse dizer algo, mas suspirou como se soubesse que não valeria a pena discutir sobre isso comigo, ela me conhecia bem o bastante para saber que não me convenceria. Então nós duas simplesmente decidimos continuar em direção ao restaurante e almoçar.

Comemos rápido e em silencio, pois a leitura daquela mulher acabou nos tomando uma grande parte do horário de almoço.

– Você vai ficar bem? - perguntei enquanto saíamos.

– Claro que vou. - revirou os olhos - Não sou uma criança não preciso de supervisão o tempo todo.

– Ok. Te vejo a noite então. - eu disse levantando um pouco os braços como forma de dizer que não estava a fim de brigar.

Ela apenas se virou e começou a caminhar em direção ao Starbucks em que ela trabalhava há mais ou menos um ano, fiquei alguns segundos observando, mas logo também me virei e segui meu caminho até a loja de roupas onde eu trabalhava.

***

– Vai se vestir Abby já estamos atrasadas. - reclamei enquanto prendia os cabelos em uma trança malfeita para ir para a aula.

– Eu já estou vestida. - disse com a voz abafada pelo travesseiro na cara - E eu também não vou hoje.

– Qual é? Você não pode fugir dos problemas para sempre.

– Para mim parece uma ótima opção, mas só para sua informação não é por isso que eu não vou.

– Então por quê?

– Porque eu estava pensando sobre o que aquela mulher disse sobre encontrar as respostas que eu procuro no lugar onde os antigos buscam sabedoria e acho que sei onde é. - disse se sentando.

– Abby você não pode acreditar em tudo que uma estranha fala para você no meio da rua. - indaguei.

– Olha eu sei o que pensa sobre tudo isso, mas quando aquela mulher pegou na minha mão eu tive a estranha sensação de já tê-la visto antes. - explicou - E além do mais você deveria estar feliz por alguma coisa conseguir me arrastar para fora desse quarto.

– Pena que não é o motivo certo. - resmunguei.

– Lily, você quem escolhe, pode vir comigo ou ir para a faculdade e eu vou sem você.

Mordi os lábios enquanto considerava aquela ideia e por fim decidi.

– Eu vou com você. - suspirei - A que lugar você acha que ela se referia?

– A biblioteca central. - respondeu - Era lá que minha avó e até minha mãe iam quando precisavam encontrar alguma informação sobre algo.

– Mas mesmo que seja lá a biblioteca já fechou a essa hora, são mais de seis horas. - argumentei.

– Eu sei disso, mas lembra de quando eu disse que tinha um amigo que trabalhava lá? - balancei a cabeça concordando e indiquei que ela continuasse - Pois bem, eu sei que ele sempre tem que ficar até tarde para organizar tudo e eu sei que ele nos deixaria entrar se eu pedisse.

– Então vamos nessa. - falei e ambas saímos do apartamento em direção ao estacionamento.

Eu era a única que tinha um carro, era um camaro preto 72 com a pintura meio descascada, não era o carro dos sonhos de ninguém, mas servia para o que eu precisava e isso era o que importava.

Dirigi por mais ou menos vinte minutos, com o transito não muito tumultuado até parar em frente à biblioteca. Era um prédio grande e antigo, mas a sua idade não impedia que parecesse imponente e se destacasse de todas as construções ao redor.

Subimos as escadarias largas que davam para a fachada, mas desviamos da entrada principal enquanto Abby nos levava até uma entrada lateral. Ela havia ligado para seu amigo no caminho até aqui e ele havia concordado em nos deixar entrar desde que não demorássemos mais que uma hora, que era quando o turno dele acabava.

– Oi Abby. - um rapaz alto e loiro disse quando nos viu entrando, ele estava no alto de uma escada parecendo organizar alguns livros.

– Olá Luke. - ela disse e depois apontou para mim com a cabeça - Essa é a Lily, a amiga de quem eu te falei.

Levantei uma sobrancelha em duvida sobre ser a amiga de quem ela tinha falado e ela apenas deu de ombros como se não desse importância ao assunto.

– Muito prazer. - ele disse e eu sorri em retribuição.

– Luke, onde fica a ala mais antiga? - perguntou.

– No fim do terceiro corredor. - disse e apontou aonde deveríamos ir.

Abby murmurou um "obrigada" e me puxou para aquela direção. Fazia muito tempo que eu não via aquele olhar no rosto dela que dizia que ela estava animada com algo, mas eu não sabia se ficava feliz ou preocupada por saber o motivo que a deixara assim.

– Por que a ala mais antiga? -resolvi perguntar - A biblioteca é enorme.

– Eu sei, mas ela disse o lugar onde os antigos procuravam sabedoria e eu achei que seria um bom lugar para começar.

– E você deduziu tudo isso sozinha?

Ela apenas revirou os olhos ao meu comentário e parou assim que chegamos.

– Você vai para a direita e eu pela esquerda.

– O que exatamente vamos procurar? - indaguei.

– Sei lá... - pensou por um momento - Procure algo fora do comum, que pareça não se encaixar muito bem.

Balancei a cabeça em afirmativa e comecei a procurar por algo que eu não sabia o que era, todos os livros estavam gastos e empoeirados mostrando que as pessoas não costumavam frequentar aquela ala. A cada vez que eu tirava algum livro do lugar liberava uma nuvem de poeira que fazia meus olhos arderem, devo ter espirrado varias vezes.

Fiquei procurando durante meia hora aproximadamente e já estava quase desistindo quando algo chamou minha atenção, era um dos livros da série que a Abby assistia, Supernatural, que se destacava ali no meio por ser o unico novo e não estar cheio de poeira.

– Abby, acho que achei alguma coisa! - gritei e ela logo veio ver o que era.

Mostrei o livro a ela que o folheou e percebeu que tinha uma pagina marcada com um trecho em destaque.

– "Procure um espelho, diga alto aquilo que deseja e se for algo realmente puro e forte, ele ira se realizar". - eu li em voz alta - Que droga é essa?

– Não custa tentar. - Abby disse e se virou andando rapidamente em direção a algum lugar que eu realmente não sabia.

– Aonde você vai? - perguntei tentando acompanha-la.

– Ao banheiro.

– Não me diga que acredita mesmo nisso.

– Você não?

– Não.

– Qual é Lily? - falou parando e virando de frente para mim - Para de ser tão racional e tenta só se deixar levar pelo momento, se não der certo nada vai mudar.

Eu revirei os olhos em relação a isso, mas resolvi tentar ser uma boa amiga e acompanha-la nessa insanidade. Entramos no banheiro feminino onde tinha um enorme espelho e ela se posicionou bem na frente dele.

– Eu desejo ir para um lugar novo e inexplorado. - disse de maneira determinada, apertando o livro contra seu peito - Um lugar onde eu faça a diferença como Sam e Dean fazem em Supernatural.

Depois disso nós esperamos alguns minutos, mas nada aconteceu, até que me assustei com uma batida na porta.

– Hey meninas. - reconheci a voz de Luke - Já deu o meu horário.

– Nós já estamos saindo. - falei.

Depois disso Abby pediu para levar o livro essa noite e nós duas saímos em direção ao carro. Estávamos completamente em silencio até que não aguentei mais vê-la olhando pela janela daquele jeito e resolvi quebrar o gelo.

– Você não está decepcionada, está?

– Um pouco, uma parte de mim acreditava que talvez fosse possível, mas eu sabia que era bem provável que não desse certo.

– Não sabia que aquele era seu desejo. - comentei um pouco distraída.

– Eu sei.

Não houve mais conversa após isso, não demorou para chegarmos no prédio e logo subimos para o apartamento que ficava no segundo andar. Assim que chegamos a primeira coisa que eu fiz foi me jogar na minha cama, peguei no sono quase que instantaneamente.

***

Acordei num pulo depois de escutar um grito vindo do quarto da Abby e a primeira coisa em que eu reparei foi que de lá emanava uma luz branca tão brilhante que fazia meus olhos arderem só de tentar olhar.

Corri até lá cobrindo um pouco os olhos e tentei chegar até onde a Abby estava, mas aquela altura eu já não tinha noção alguma do que estava acontecendo e a última coisa que eu ouvi foi ela gritando o meu nome.

Depois disso foi só escuridão.

"I felt a tidal wave

And I watched the city lights

Illuminate? Em bright

And a little walk in the dead of night

Why must, we not, act tonight"