A lenda dos amantes do Tempo escrita por Geovanna Ferreira


Capítulo 11
Ao badalar o relógio, a fantasia da Gata Borralheira desmoronará


Notas iniciais do capítulo

"Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo..."

Legião Urbana



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Ela fitou seu reflexo, desejando por um instante, ter uma fada madrinha. A mulher que sempre tinha o controle de tudo, de centenas de vidas que mantinha reféns de seu capricho, sentia-se impotente, sentada diante de uma penteadeira e um problema sem solução.

A luz do luar invadia o cômodo, iluminando o espelho prata. As pequeninas e delicadas rosas de sua moldura enquadravam seu rosto como se guardassem uma bela e triste tela.

Regina virou-se para sua cama, coberta por seus três vestidos.

Era desconcertante não ter nada decente para vestir.

Ainda estava com seu uniforme, exausta depois de um dia serviço, parecendo uma pobretona, o que realmente era, naquele mundo.

Em contrapartida, ela observou o espelho se perguntando se a rainha daquela terra teria algo tão luxuoso. Era idêntico com um que tivera na adolescência. Com um pouco de mágica, tornou-se real. Destoava gritantemente daquele quarto tedioso, não que isso não a preocupasse. Apenas ela e Abigail entravam ali, ninguém perceberia.

Regina tocou a carta aberta de Bernard, na mesinha.

A magia podia fabricar-lhe objeto e quem sabe, também um vestido, mas não poderia sair com ele pela porta sem que tudo desse errado, sem que suas colegas e até mesmo Madame Duchamp ficassem abismadas com sua aparência, com o que vestia. Desconfiariam dela. Como uma moça do interior, que trabalhava como vendedora teria uma roupa daquelas? Talvez a acusassem de roubo.

Ela tentou tocar o vidro do espelho, testando seu dom.

_ Regina! - disse Amy, fechando a porta atrás de si. A menina encostou as costas na madeira, surpreendida.

A rainha encolheu seus dedos imediatamente.

_ Santo Deus! De onde veio esse espelho?

_ Eu... não, sei. – respondeu ela, pega de supetão pela pergunta.

_ É maravilhoso. Estranho... Pois bem, vim te chamar para juntar-se a mim e às outras garotas no quarto de Lily e Rose mas vejo que coisas mais interessantes estão acontecendo por cá! - Amy sorriu abertamente. Era sempre tão inacreditavelmente alegre.

_ E porque você esvaziou seu guarda roupas? Para ficar aqui, conosco, de camisola é que não. Me conte - disse a funcionária, agarrando um dos vestidos de Regina, com olhos enormes de curiosidade - aonde vai?

Não esperara ter que compartilhar seus planos.

_ Á ópera. – contou timidamente.

_ Óh! E ISSO é o que tem para vestir? - Amy parecia terrivelmente chocada.

Regina deu de ombros.

_ Nem pensar! - berrou a menina, fazendo uma careta de determinação.

Amy logo reapareceu, carregando algo.

_ Só sairá se estiver usando essa belezinha. – ela destampou a caixa que trouxera. Dentro, Regina viu a salvação de sua noite.

_ UAU! Se eu não te conhecesse, falaria que você é da realeza. - confessou Amy ao ver a colega usando o vestido que ela mesma havia providenciado, branco creme, bordado cuidadosamente no busto com incontáveis pedrinhas brilhantes que ajustou-se perfeitamente ao corpo da rainha, como se fosse feito para ela. A saia azulada ia de sua cintura fina até o chão, e destacava seu caminhar, sua pele morena, seus olhos. Estava deslumbrante.

Amy se encarregou do cabelo. Sentada frente a penteadeira, Regina observava-se cheia de expectativas enquanto a ruivinha a penteava com uma escova de madrepérola. Era como uma jovem debutante a aprontar-se para seu baile, torcendo para encontrar entre os convidados, aquele que conquistará.

_ E quem será o nobre cavalheiro que a acompanhará? - arriscou Amy.

Regina corou e a outra mulher riu de sua reação.

Alguém chamou por Amy, que foi ao corredor ver o que queriam.

Regina percebeu que faltava algo em si. Movimentou os dedos e um instante depois, uma névoa roxa se dissipou, e uma discreta coroa estava posicionada em sua cabeça.

Agora era verdadeiramente uma rainha.

_ Que tiara linda! É sua? - perguntou Amy, retornando ao quarto. Estava cada vez mais embasbacada.

_ Sim.

_ Com uma joia dessas, o que ainda faz aqui, na La Duchess?

_ Não sei! Pois já está quase na hora! – respondeu aflita, mirando o relógio. Ela franziu a testa, séria. _ E Madame Duchamp?

_ Não se preocupe! Reparou que ela sumiu cedo da loja hoje? Está adoentada, de cama, dormindo como uma pedra. Vá! Mas volte antes da meia noite! Se alguém perguntar por você, digo que saiu com urgência, para ver um tio, sua única família na cidade, que está em seus últimos minutos. Vá! - a incentivou.

Nove e cinco. Estava atrasada. Regina correu, erguendo o vestido. Seus passos ecoaram pelo corredor.

Sorriu ao alcançar a rua.

Bernard a esperava.

A megera não iria junto dos Bell. Ms Davis ficara cuidando de Henry. Estavam apenas os três, Bernard, Eliza e Regina, na carruagem, e podiam facilmente se passar por uma família. Durante a viagem, os olhinhos encantados de Liz permaneceram na prefeita. Ela se sentia em casa com eles.

Chegaram em Convent Garden. A rua estava congestionada de carruagens, damas e cavalheiros sorridentes de braços dados. Tinham todos um único destino: o Royal Opera House. Os olhos de Regina reluziam frente o que a esperava. Era como um ser vivo, a impor-se diante de tantas casas e construções, ciente de sua importância, de que era a alma da vida cultural de Londres.

Bernard ajudou Eliza descer do veículo e em seguida deu a mão para sua convidada. Estava radiante de tê-la junto deles.

Para Regina, entrar no teatro fora como estar de volta a um palácio. O dourado de móveis, escadas e lustres estavam em todos os lugares e os envolviam em sua elegância. Sentia-se bem naquele lugar, tão semelhante aos que ela frequentara no passado. Uma parte sua preocupava-se com os olhares indiscretos e comentários abafados que notava aqui e ali quando passava junto aos Bell. Mas adorava ser notada e porque não, temida, como nos velhos tempos.

_ Eles estão te olhando feito uns bobos! Sabe porque? Você está parecendo uma princesa! - Eliza puxou-a e cochichou em seu ouvido, finalizando com um sorriso caloroso e banguelo de quem acabara de perder seu primeiro dente.

Liz tinha a cabeleira loura presa a nuca. Pequenas florezinhas vermelhas enfeitavam seu coque. Usava um vestido de veludo da mesma cor. O contraste entre sua pele e o tecido lembrava sangue e neve, lado a lado. Regina pode perceber a bela e gentil mulher que ela se tornaria.

O camarote em que se instalaram dava uma vista privilegiada do recinto que cintilava de tanto luxo e luzes. Centenas de pessoas em outros camarotes e nas cadeiras, embaixo, esperavam com empolgação o início do espetáculo. A orquestra terminava de se preparar. A expectativa estava no ar.

Eliza acenou freneticamente para Wendy, sentada com o restante da família Darling, abaixo. Senhorita Bell não podia conter-se de tanta ansiedade. Era muito baixinha e de seu lugar não via muito bem. Rapidamente concluiu que o assento vago ao lado da amiguinha seria o ideal. Pediu permissão e foi até ela.

Regina checou num folheto que encontrou sobre sua cadeira, o nome da ópera. Os finais felizes de Branca de Neve. Não havia em nenhum canto do autor.

A Rainha franziu a testa, aborrecida. Ficou instantaneamente tensa, incapaz de se ver minimamente contente, mesmo que estivesse a sós com Bernard.

Mesmo naquele tempo, ela insistia em lhe infernizar, tendo sua felicidade, sendo duplamente realizada.

Branca.

Trompetes soaram. As cortinas se abriram e uma floresta surgiu diante do público. O desconforto de Regina era nítido. Algo lhe dizia, com razão, que seu show de horrores começara.

Ao fundo, erguia-se um castelo. A pálida e frágil princesa corria entre as árvores, fugindo do caçador.

Sua surpresinha veio logo adiante.

Regina segurou firme sua cadeira, laçando-se violentamente para frente quando a Rainha Má fez sua entrada triunfal. Uma mulher obesa, muito maquiada, com uma careta permanentemente na cara entrou em cena. O rosto da prefeita avermelhou-se de uma fúria muda. Vários atores vieram, cantaram e saíram. Em uma hora, Branca encontrara aos anões, caíra em seu sono amaldiçoado, fora salva por Charming, casara com o príncipe. Estavam os dois agora num jardim, cercados por flores, entre lágrimas, com a pequena filha nos braços. A rainha então apareceu, sorrindo sadicamente. Não demorou começou a cantarolar, esgoelando sua vingança numa melodia estridente. Ela lançou um feitiço no ar e então o tempo parou. O semblante desesperado do casal de heróis ficou, congelado, enquanto a perversa mulher arrancava deles sua criança, que chorava sem trégua, no colo da malvada. Ela gargalhava eufórica com sua vitória, quando uma dúzia de fadinhas surgiram, lhe imobilizando por poucos segundos, o bastante para um garoto ruivo, de não mais que cinco anos, surgir e logo sumir, carregando o bebê. A rainha não se abateu, voltou a gargalhar. Cenários iam passando, verão, inverno, outono, primavera, e sua risada diabólica continuava a viver, entre estátuas de carne e osso.

Seu glorioso desfecho parecia não ter fim.

Mas algo nunca mudara. A felicidade não é permitida aos vilões. Do corredor, vinda do meio do público, uma moça loura apareceu, correndo, vestindo branco, uma roupa que se assemelhava a penas de cisne. Ela subiu no palco. Os ponteiros do relógio, na torre do castelo, até então parados, movimentaram-se novamente.

_ A salvadora! A filha do bem! Depois de quase trinta anos, ela retornou, para salvar aos seus! A magia de luz finalmente vencerá... - gritava um homem, com toda sua força.

Aquelas palavras fincaram-se na cabeça de Regina.

A suposta majestade não teve reação. A salvadora ergueu o punhal que trazia e cravou-o no peito de sua inimiga. Ouviu-se um uníssono OH da plateia. A rainha começou a cantar, notas agudas, cada vez mais altas, agonizantes enquanto pendia para trás. A moça forçou mais a lamina. Regina prendeu a respiração, sentindo a faca perfurar seu próprio coração.

_ Você está bem, Miss Mills? - perguntou Bernard, preocupado.

Ela nada respondeu.

Ouvia outra vez Cora a chamando de estúpida, proclamando a verdade da qual ela tanto tentava fugir.

Não era feliz, e nem nunca seria.

Era uma bruxa, e bruxas estavam condenadas desde o nascimento.

Podia até parecer e ter sido uma princesa, mas aquela atriz no tablado, encenava sua história. O imutável final dela.

A morte, o sofrimento, a solidão de uma vingança vazia.

A mulher atingia agora quase que as mais altas notas que um humano podia alcançar. Tinha uma expressão moribunda e os olhos esbugalhados. Os de Regina estavam marejados. Ela fuzilava o palco com determinação, ao mesmo tempo em que flashes de seu passado se reprisavam.

Chegavam ao ápice da ópera. Quando a falsa Rainha estava prestes a morrer, um imenso lustre caiu sobre o palco, quebrando-se em mil pedacinhos.

A dor e a fúria que a consumiam eram os culpados do acidente.

Um coro de vozes espantadas se ergueram. Regina deixou sua cadeira e correu em disparada.

Seu destino era fugir.

O relógio do cenário badalava, incessantemente, anunciando a meia noite, enquanto ela descia as escadas do teatro, desnorteada.

Regina alcançou a entrada do Royal Opera House. Avistou a rua, os telhados da vizinhança. Não sabia como voltar a La Duchess e tinha de sair dali, apagar aquele dia da memória, aquela viagem, sua mãe, Bernard.

_ Miss Mills! - gritou Bell.

Ele agarrou sua mão. Ela olhou por um segundo para seu rosto angustiado, a lhe oferecer conforto para o que quer que seja que a magoava.

Regina não podia o aceitar. Retirou seus dedos dos dele e continuou a correr, em vão, de seus demônios, de sua alegria. Choro cobria sua face, e não parava de cair.

Bernard não desistiria.

Apertou o passo e conseguiu a envolver por trás, num abraço quente, acolhendo seu corpo, seus braços, a impedindo de desmoronar dentro de si mesma. Ela pousou a bochecha em sua mão, desistindo de lutar. Assim ficaram, por eternos instantes.

Bernard ficou diante dela. Ele levantou docemente seu queixo, limpou suas lágrimas com o polegar. Queria cuidá-la. E então eles se olharam.

_ Regina... o que aconteceu? - perguntou num sussurro, tendo o rosto a centímetros do dela.

_ A ópera... – a rainha soluçava como criança – de alguma forma, lembrou-me minha vida, quem eu sou, tudo que perdi.

_ Entendo...

_ Não! Você não pode entender! - respondeu ela, em desespero, fugindo de seu olhar.

_ Não? - ele a abraçou mais forte, com voz falha e irada – Regina, quase todos a quem amei hoje estão mortos. Meus pais, meu irmão, Annabeth... – Ela fitou-o e viu um homem morto em vida.

_ E quando já não tinha mais fé e queria acabar com tudo, uma mulher linda e diferente dessa cidade ordinária onde ninguém se importa com os outros, só com regras ridículas, apareceu e me fez acreditar, que haveria alguma chance para mim, que eu podia ter um final feliz. E não o deixarei escapar....

Bernard a beijou. Seus lábios a aquecera, a acalmara. Suas bocas, unidas, se pertenciam. Regina sentia-se derreter, tinha a certeza que voltara cem anos antes para estar ali, com Bell, para sentir seu perfume, seu toque, enfiar seus dedos em seus cabelos, ver seus olhos sorrindo para ela.

De alguma forma, conseguiram contornar o ocorrido do lustre. Não havia ninguém indo embora, a rua estava deserta. A melodia tocava pela orquestra, tristonha e suave, os embalava. Em frente ao Paul Hamlyn Hall, o grande restaurante do teatro, iluminado, feito de ferro e vidro, que parecia saído de um conto de fada, em meio a rua deserta, eles se amaram pela primeira vez, um nos braços do outro, curando suas almas feridas, sedentas por amor.


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Notas finais do capítulo

* Prequel de Once Upon a Time. Tudo acontece antes de Regina adotar seu filho Henry e a série começar. Fanfic de minha autoria, protegida contra plágio. A fic se relaciona com a terceira temporada de Once, mas é perfeitamente possível Lê-la sem ter visto a temporada. Lugares como Royal Opera House e Paul Hamlyn Hall são reais, estão em Londres. :)