A Arte da Fuga escrita por Breezling


Capítulo 1
A Arte da Fuga


Notas iniciais do capítulo

A fic se passa durante Glow in the Dark e explica porque Carl agiu com agiu.



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A Arte da Fuga

 

Dedos hábeis sobre ébano e marfim. Um copo de uísque sobre o piano. Ele já fez isso um milhão de vezes, mas cada uma é diferente.

Hoje, pela primeira vez, ele toca para si mesmo.

Melodias já esquecidas, clássicos, canções folclóricas e algumas composições próprias que ele nunca teve coragem de mostrar. Execuções perfeitas.

Pelo menos ele é um musico muito melhor do que Ross.

Não que isso seja um grande consolo.

O pior de tudo na presente situação é que ele poderia ter previsto isso. Ele sabia que não deveria ter transformado aquela pequena discussão em insultos e indiferença. Que deveria ter deixado bem claro para aquele imbecil que Shirley era a mulher dele e ido ao Old Bailey. Era o que qualquer homem racional teria feito.

Mas ele não era tão racional assim.

A razão o havia abandonado no momento em que se apaixonou por ela. A mesma razão que o teria impedido de deixar Nova York e fazer algo pelo que iria se arrepender depois. Que lhe dizia que Shirley Schmidt não era para ele e teria evitado que ele sofresse o que sofria agora.

Ele escolheu participar daquela farsa, daquela loucura. Entregara sua alma a uma mulher em quem confiava para recebê-la de volta aos pedaços.

Alguma coisa dentro dele se quebrara naquela noite. Velhas cicatrizes que voltavam a sangrar. Ciúmes, o segundo veneno mais eficiente para o amor, apenas atrás da pobreza. Mais um gole de uísque. Sentia-se seco por dentro.

Quando amor está pela oferta mais alta, não pode haver confiança. Sem confiança, não há amor.

A noite botara em dúvida todas as suas crenças. Estava feliz? Shirley realmente o amava? Ou continuava apaixonada por Jack Ross?  Iria embora com ele ou continuaria com Carl? Ele seria capaz de fazê-la feliz?

Ele houve as badaladas do relógio. Todas aquelas perguntas acabariam enlouquecendo-o. Tenta esquecer, cada vez mais absorto na música, mas as imagens não saem de sua cabeça.

O olhar apaixonado de Ross. A total entrega dela. Dois seres humanos apreciando um ao outro. Uma paixão que ele nunca havia sentido no relacionamento frio e estéril dos dois.

Ela nunca pediu que ele tocasse.

Uma ou duas vezes, Shirley o viu praticando. Ela ficava parada na porta com um olhar vago e triste quando ele tocava. No início achava que ela só não gostava da música e parou de tocar quando ela estava em casa. Agora entendia o porquê.

Era outro pianista que ela amava.

A verdade chocava, mas era real, palpável. O sério, responsável e racional Carl Sack estava vivendo em uma ilusão. Era só um substituto, uma companhia temporária até que alguém melhor aparecesse. Ross provavelmente voltaria para sua esposa e Shirley cambalearia até seus braços como sempre fez. Uma boneca quebrada que ele consertaria para que assim que a última rachadura fechasse quebrar seu coração. Ela não era um anjo, era o demônio de sua perdição.

Era demais para ele.

Por alguns minutos, enquanto esperava na escuridão fria do lado de fora do Old Bailey, teve uma fantasia sombria de entrar lá aos gritos e com um alto e eficiente “crack” quebrar o pescoço de Ross e fazer com que Shirley sangrasse a seus pés até morrer. Era o preço justo por destruir a quem amava. Mas então voltou a si, sentindo-se sujo e envergonhado de tal pensamento. Era uma boa pessoa. Boas pessoas não matavam, nem por amor.

Agora ele faria de tudo para poder voltar aquele momento e se livrar dos dois de uma vez por todas.

Ela era livre para deixá-lo, não para iludi-lo.

Traição. Pura e simples. O pior dos pecados. O círculo congelado do inferno. Uma palavra para as ações dela. Carl teria aceitado se ela simplesmente tivesse dito que amava Jack Ross ou que queria terminar tudo naquele instante. Isso era sinceridade nua e crua. Talvez ela só quisesse poupá-lo do sofrimento ou fosse infantil ao ponto de não saber qual dos dois preferia. De qualquer maneira, ela deveria ter contado. Não era um homem de dividir seus sentimentos nem com as pessoas mais próximas, mas jamais teria escondido dela algo tão sério. Doía no fundo do coração ter sido tolo o suficiente para confiar em Shirley e receber em troca tamanha traição.

Em uma pausa ele ergue o copo e depois toma um gole. Um brinde aos traidores.

“E eu amo você. Então o que eu vou fazer? Deixaste-me com muita dor. Eu era a alma, eu era o coração. Já não tenho vontade de viver”.

Apesar de tudo, ainda amava aquela mulher. Não somente quando era bela, corajosa, inteligente e gentil. Amava também a traidora desonesta, a mulher cruel e parcial que ela às vezes revelava. A rosa com espinhos. A perfeita mulher imperfeita. Poderia viver sem ela se quisesse, mas o problema era que ele não queria. Seria como perder a luz de seu caminho, a labareda que incendiava sua carne. A vida era colorida, alucinante quando ela estava por perto. Sem Shirley, tudo ficaria muito simples e aí perderia a graça.

Mas ele não conseguia superar aqueles pensamentos.

Sangue por toda parte. Sua amada morta aos seus pés. O amante dela, com o pescoço quebrado, em um canto. 

Talvez eles estejam desperdiçando a pouca sanidade que ainda tem. Aquela provavelmente não seria a ultima vez que teria aqueles pensamentos, mas não podia dizer se na próxima seu autocontrole seria forte o suficiente. Naquela noite havia muito pouco entre sua pobre mente perturbada e a realização das ações horríveis em sua imaginação. Alguém precisava dar um basta naquilo. Para o bem dos dois. Seria melhor perder sua deusa do que vê-la destruída por sua adoração. Amanhã ele terminaria tudo com Shirley e voltaria para sua vida sã e sem cor. Seria difícil para ambos, mas era o certo, o que tinha de ser feito. Ele os salvaria.

Mas hoje a noite ele vai continuar bebendo e tocando para si mesmo. Vai tocar até seus dedos ficarem doloridos e seus olhos embaçarem e cair exausto sobre o instrumento. Talvez ele acorde com dores por todo corpo e uma ressaca letal, mas nenhuma dor pode ser pior do que a que vai infligir a si mesmo amanhã. 

 


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Notas finais do capítulo

Desculpe se ficou um pouco OoC ou dark demais, mas nós sabemos tão pouco sobre o Carl que fica difícil entender a personalidade dele (provavelmente o motivo de tantas pessoas odiarem tanto o personagem que é um dos meus favoritos  - tá, vou me esconder das pedras depois dessa-). Não acho que ele exista só para infernizar o Denny ou seja um Paul substituto, embora não tenha tido o destaque que merecia (sim, eu pago pau para ele). 
A fic é meio baseada na música El Tango de Roxanne, do musical Moulin Rouge. Recomendo tanto o filme quanto a música. 
Se eu receber pelo menos um comentário, faço um capítulo com o PoV da Shirley. É, virei mercenária. Sem review, sem continuação.
P.S: A Arte da Fuga é uma peça do compositor alemão Johann Sebastian Bach.



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