Apenas Um Olhar escrita por Mi Freire


Capítulo 30
Surpresa!




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/631068/chapter/30

Passaram-se duas semanas.

Nunca estive tão ocupada em toda minha vida.

Pela manhã eu ia para o trabalho dar aula. A tarde eu ajudava a mamãe na pousada, agora que minha irmã estava cuidando dos bebês. No final da tarde eu passava um tempo com o Vinicius ou saia para a minha caminhada com a Alícia. E a noite, já exausta de correr de um lado para o outro atarefada, eu me dedicava ao Rodrigo, que estava de repouso em seu quarto, cuidando da perna fraturada.

Na verdade, estavam todos se desdobrando ao máximo.

O Igor, por exemplo, tirou férias no trabalho. Afinal, agora ele tinha uma creche em casa e precisava ajudar a Juliana, minha irmã, a dar conta da situação. Ter sete filhos não deve ser uma tarefa fácil. E eu espero do fundo do meu coração que eles tenham parado com essa fábrica de bebês. Ou a mamãe vai enlouquecer com tantos netos.

Por falar em filhos, eu tenho dois e já não é fácil. Principalmente porque o pai deles não facilita muito. Desde que o Gustavo partiu para morar com o pai, eu só falei com ele uma única vez por telefone. Desde então ele nunca mais entrou em contato. E por mais que eu tente, ninguém me atende, ninguém retorna. Acho até que o Carlos está fazendo isso de propósito.

E o pior: para ele é como se o Vinicius não existisse. Nem o buscar ele veio mais. Mas se bem que o Vinicius não faz mais tanta questão assim. Ele quer ficar aqui comigo, junto da nossa família. E isso é uma das poucas coisas que reconforta meu coração.

O único problema é que eu não tenho só um filho. Eu tenho dois. E quero os dois! Nem que seja por único final de semana.

Já liguei para a minha advogada, Judith, e contei para ela a situação. Ela pediu para que eu esperasse mais um pouco antes de começarmos a agir. E até agora eu estava sendo muito paciente.

— Deixa essas coisas aí, Mel. – mamãe se aproximou, enquanto eu limpava umas mesas na pousada. — Você não precisa mais me ajudar aqui. Vai cuidar do seu filho, passe um tempo com o seu namorado, resolva seus problemas...

— Mas, mamãe...

— Obrigada, filha. Por tudo. Você sempre foi tão maravilhosa! Mas eu já contratei uma nova funcionaria temporariamente.

Olhei para trás e á estava ela, a Vanessa, a nova funcionaria da mamãe.

— Oi, Melissa.

— Oi, Vanessa.

Larguei tudo por ali e fui para casa. Onde tomei um banho e troquei de roupa. Coloquei uma camisetinha básica e uma sainha jeans. Ainda estava muito calor, mas parecia que ia chover a qualquer momento. O que era bom. Fazia tempo que não chovia.

Desci e preparei algo para o Vinicius comer. Ele estava na sala, sentado no chão, montando um quebra-cabeça. O papai estava no sofá, assistindo à televisão. E o Augusto estava lá em cima, jogando videogame.

Depois que o Vinicius terminou de comer, subimos para o quarto. Aproveitei para bater na porta do meu irmão e pedir para ele ir ajudar a mamãe na pousada. Porque é claro que a Vanessa não daria conta de tudo no primeiro dia de trabalho. Mesmo resmungando ele desceu para ajudar.

Vinicius tinha dever de casa. E muito pacientemente eu expliquei a ele o que ele deveria fazer. Enquanto ele fazia seu dever na cama ao lado, eu corrigia algumas atividades dos meus alunos que eu tinha passada aquela manhã para eles fazerem.

As cinco e meia da tarde, levei o Vinicius para ir brincar com os priminhos na casa da Juliana. Ela ainda estava de repouso, dando o máximo de atenção possível aos gêmeos. Mas ela continuava sendo a mulher mais bonita que eu já vi em toda minha vida. Radiante e animada. E com a casa cheia de crianças e brinquedos espalhados.

Ao contrário do que todos pensam, ela não se importava.

Juliana tem um coração enorme.

Fui para a casa do Rodrigo. Cumprimentei o pessoal que estava lá em baixo na sala de estar e subi para o quarto dele. Quando entrei ele estava deitado, com a perna esticada sobre uma almofada. Ele estava dormindo. Eu não tinha avisado que ia vir.

Fechei a porta devagar e me aproximei com cuidado. Inclinei-me e o beijei no rosto. O suficiente para desperta-lo. Quando me viu ele abriu um sorriso meigo que me fez sorrir também.

— Como você se sente? – perguntei, sentando-me no pequeno espaço da cama que me sobrara.

— Muito melhor agora que você chegou. – ele beijou o meu ombro e voltou os olhos para mim. — Como foi o seu dia?

— Cheio como sempre. Mas a partir de manhã não vai ser mais. Sabe porquê? A mamãe contratou a Vanessa para ajudar na pousada no lugar da minha irmã.

— Sério? A Vanessa nunca me pareceu muito do tipo que gosta de ajudar as pessoas. O que será que deu nela?

— Talvez ela esteja precisando de grana.

— É, pode ser. Não importa. Não quero falar dela. Mas vamos de você. Conseguiu falar com o Gustavo?

— Ainda não. Tentei umas três vezes hoje e nada. – torci os lábios. — Mas vou continuar tentando até a advogada decidir tomar alguma atitude mais drastica.

— Não se preocupe. – ele entrelaçou os dedos nos meus. — Vai dá tudo certo, Mel. Você vai ver.

— Bom, espero que sim. Ou o Carlos vai ser ver comigo. Mas e você, me conta como foi o seu dia?

— Eu corri o dia inteiro. Minha perna está ótima! – disse ele, sorrindo.

— Não seja, bobo. – eu ri. Sabia que ele só estava dizendo aquilo para descontrair. — Logo, logo você vai ficar bom de novo. E vai poder correr comigo e com a Alícia na praia.

— Seria muito bom. Não aguento mais ficar aqui preso nesse quarto. Ninguém me deixa descer. E mesmo no banheiro eles querem me levar nos braços. Só falta me darem comida na boca.

— Que bom que eles estão cuidando de você direitinho, já que eu não posso ficar aqui o dia todo com você.

— Mas não é justo...

— Não, não é. Mas eles gostam muito de você e só querem te ver bem o mais rápido possível.

— Eu sinto falta do meu trabalho...

— Você tem que ser paciente.

Ele encosta a cabeça no meu braço.

— Posso confessar uma coisa?

— Pode...

— De todas as pessoas que cuidam de mim, você é a minha preferida.

— Jura?

— Eu não tenho dúvidas!

Quando ele volta o rosto para mim, eu me inclino para beija-lo nos lábios.

Ficamos nos beijando por algum tempo, até sermos interrompidos por uma barulheira que vem do corredor.

Rodrigo e eu paramos para ouvir o que está acontecendo.

— Eu não gosto de te ver com ele! Ele não me passa confiança!

É a voz do Tiago.

— Mas qual é o problema? Eu e ele somos apenas amigos. E agora eu trabalho para a mãe dele. É inevitável que passaremos um tempo a mais juntos. Não tem nada de mais nisso...

Pelo que parece, Tiago e Vanessa estão discutindo no corredor.

— Por acaso eles estão falando do meu irmão? – pergunto baixinho para o Rodrigo.

— Parece que sim...

— Você deveria ficar longe dele. Pelo que eu sei, ele não é flor que se cheire. E eu não quero que ele te faça mal.

— Tiago, você ficou maluco? – Vanessa ri. — Ele não vai fazer nada comigo. Eu já sou grandinha, sabia? Eu sei me cuidar. E porque você se incomoda tanto? Por acaso você quer me dizer mais alguma coisa que eu ainda não saiba?

— Acho que ele deveria dizer que gosta dela. Esse é o momento. – Rodrigo sussurra ao meu lado.

Eu me sinto tão mal por estarmos ouvindo a conversa dos outros, mas não é como se pudéssemos evitar.

— Não é nada. Deixa pra lá. Só se cuide, está bem?

Depois disso ouvimos uma das portas baterem e o silêncio volta outra vez.

— O que será que ele quis dizer quando disse que meu irmão não é flor que se cheire?

— Bom, eu não sei se você sabe, mas seu irmão mais um sucesso enorme entre as garotas. Talvez seja isso. Talvez o Tiago só esteja com ciúmes por eles estarem mais próximos agora.

— Vou falar com ele amanhã. Vou pedir para ele se afastar da Vanessa. O Tiago gosta dela, poxa. Coitadinho... ele merece uma chance.

— Mas e se a Vanessa não sentir o mesmo e não quiser dar essa chance? E se ela tiver mais interessada no seu irmão?

— Não me parece certo.... Afinal, até poucos dias atrás ela estava interessada em você. Então, qual é a dela?

— Ninguém sabe. – Rodrigo dá de ombros. — Pode ser que ela só esteja precisando muito de alguém.

— Se for isso, não sei se o meu irmão é a pessoa correta para ela.

— Porque não? Porque você concorda que ele não é flor que se cheire? Ou porque você não gosta dela?

— Um pouco dos dois.

Ficamos um tempo em silêncio.

Não sei no que o Rodrigo está pensando. Mas eu estou pensando na possibilidade do meu irmão começar a namorar a Vanessa. Seria muito estranho para mim. Não sei se eu conseguiria aceitar com facilidade. Mesmo sabendo que a vida é dele e que eu não tenho nada a ver com isso.

Lá pelas oito da noite, Fabi me chama para ajudá-la com o jantar. Rodrigo bem que tenta me convencer a ajuda-lo a descer. Mas eu insisto que ele fique por ali mesmo para não forçar muito a perna. E acabo vencendo.

Quando terminamos de preparar tudo, faço meu prato e o dele e depois subo para comermos lá em cima mesmo.

— Eu me sinto uma criança. – Rodrigo resmunga, enquanto o ajudo a comer.

— Eu também me sentia assim quando você fazia o mesmo por mim, lembra? Mas depois você se acostuma. Eu só quero cuidar de você. Tentar fazer o mínimo de tudo que você fez por mim.

Depois de comer, ele deita a cabeça no meu colo enquanto eu leio para ele e ao mesmo tempo passo a mão em seus cabelos macios. Em poucos minutos ele cai no sono.

Com cuidado eu coloco a cabeça dele sobre o travesseiro, cubro-o com o cobertor, apago as luzes e saio, fechando a porta devagar. Me despeço do pessoal e vou para a minha casa.

Vinicius está me esperando acordado. Na casa da minha irmã ele brincou muito com os priminhos e jantou. Juntos colocamos nossos pijamas e deitamos na cama. Conto uma historinha para ele e depois vamos dormir.

Choveu durante toda a madrugada.

No outro, quando volto para casa depois do trabalho de baixo de uma garoa forte, vejo uma cena inusitada na pousada. Augusto completamente dedicado ao trabalho. Mas só porque a Vanessa está por perto fazendo suas tarefas. É evidente, pelo menos para mim, que ele está tentando se exibir para ela. Porque o meu irmão nunca gostou de ajudar em nada por aqui e nem em casa.

Mais a tarde para de garoar, mas o tempo está nublado e faz um ventinho frio. Mesmo assim, Alicia e saímos para correr na orla da praia. O mar está agitado com fortes ondas. Quase não há ninguém por ali, excetos alguns surfistas.

Depois de uma hora de caminhada, nós paramos de baixo de um quiosque e pedimos água de coco para matar a sede.

— Por acaso eu já te falei da Vanessa? Uma garota que mora na casa do Rodrigo e que era super afim dele.

— A que o beijou no dia do show quando você estava prestes a se declarar para ele?

— Sim, essa mesma.

— Tá, mas o que têm ela? – Alícia quis saber.

— Eu acho que o meu irmão está caidinho por ela. Agora que ela está trabalhando lá na pousada.

— Mas isso não é bom? Porque agora ela pode enfim deixar o seu homem em paz.

— É, sim, você tem razão. Mas não é estranho? Primeiro o meu namorado e agora o meu irmão.

— Ah, Mel. Você sabe como essas garotas dessa idade são. Elas ainda não sabem o que querem da vida.

— Você diz como se tivesse passado pela mesma coisa quando tinha essa idade.

— É, você tem razão. Talvez nem todas nós passamos pelas mesmas coisas. Mas ela é jovem, cheias de planos, vontades e desejos. Ela só quer curtir. E aposto que seu irmão também.

Fico com aquilo na cabeça por um bom tempo. Mesmo quando não deveria. E confesso que passei o resto da tarde os observando de longe, trabalhando na pousada, só para saber se estava ou não rolando alguma coisa entre eles.

À noite, depois do jantar em casa, resolvo enfim confrontar o meu irmão.

— Você não pode ficar com ela.

— Ela quem?

— A Vanessa.

Ele ri. Eu estou lavando a louça e ele secando.

— E porque não?

— Porque o Tiago gosta dela.

— E quem é Tiago? O gordinho que não sai do pé dela?

— Sim, esse mesmo. E qual é o problema?

— Ela não gosta dele! Como ela mesma disse: ele é como um irmão.

— Não importa! Mas ele gosta dela.

Augusto suspira.

— Entendi, Mel. Eu não vou ficar me engraçando para o lado dela, ta bom?

— Você promete?

— Prometo.

Ele revira os olhos e termina de secar e guardar o resto da louça. Depois ele sai lá para fora.

Tento ligar para o Gustavo mais uma centena de vezes aquela noite. Mas continuo sem respostas. Então resolvo ligar para o Rodrigo. Como não fui vê-lo hoje, preciso pelo menos ouvir a voz dele. Ele sabe melhor do que ninguém como me acalmar.

— Mel, querida, você viu o seu irmão? – mamãe entra na cozinha no exato momento em que desliguei o celular.

— Ele saiu faz um tempinho, mãe. Porque?

— Eu pedi para ele fechar a pousada hoje para mim. Mas deixa pra lá. Daqui a pouco ele volta com as chaves.

Ela saia e quando estou prestes a desligar as luzes por ali, alguém bate na porta.

— Tiago?

— Oi, Mel. – ele parece assustado e sem jeito. — Por acaso, a Vanessa está por aqui?

— Não.... Porque?

— Ela ainda não voltou para casa e estou começando a ficar preocupado. Afinal, já está ficando tarde e...

— Espera aí.

De repente as peças se juntam na minha cabeça.

— Vem comigo, Tiago.

Atravessamos o quintal e vamos até a pousada pela lateral. Está tudo escuro lá dentro. Provavelmente todos os clientes já comeram e foram dormir. Mesmo assim resolvo arriscar e coloco a minha mão na maçaneta da porta da frente.

Quando abro a porta e acendo as luzes é que vem a surpresa.

Augusto e a Vanessa estão se pegando sobre uma das mesas.

A cena é chocante. Quase tão pior do que ter flagrado meu ex-marido com a mulher que eu acreditava ser minha amiga.

— Minha nossa! Que nojo! – cubro meus olhos imediatamente. — Vocês já ouviram falar de motel? Por favor, coloquem as roupas.

Descubro meus olhos só algum tempo depois, quando acho que foi o suficiente para eles colocarem as roupas de volta no corpo. E naquele momento que me lembro que o Tiago estava logo atrás de mim, mas quando olho para trás ele não está mais lá.

Deve ter ficado tão desapontado com a cena que foi embora o quanto antes.

Começo a me sentir muito mal. Eu não deveria tê-lo chamado quando tudo começou a fazer sentido na minha mente. Deveria tê-lo poupado dessa situação mais que constrangedora. Agora ele está arrasado, com o coração partido. E por minha culpa!

— Bom, eu vou para casa. – Vanessa anuncia e passa por mim sem nem olhar nos meus olhos.

Por fim, ficamos somente eu e o meu irmão.

— Que merda você tem na cabeça, Augusto? Você prometeu! E pior: e se fosse a mamãe que tivesse vindo aqui ver o que estava acontecendo ou se algum dos clientes tivesse resolvido descer para pegar alguma coisa? Eu confiei em você!

— Eu não pude evitar. – disse ele, de cabeça baixa.

Eu queria bater nele. Gritar com ele todos os palavrões existentes. Mas isso só pioraria a situação. E de nada adiantaria, porque eu sabia que no fundo ele nunca tomaria vergonha na cara.

— Faça o favor de limpar os que vocês sujaram. Depois tranque as portas, apague as luzes e entregue as chaves para a mamãe, porque ela estava preocupada. – dito isso, saio. Sem nem conseguir olhar para a cara dele.

Estou muito desapontada.

Penso em ir à casa do Rodrigo e me desculpar com o Tiago. Mas já é tarde e não sei se há algo que eu possa fazer por ele agora. Ele viu tudo com os próprios olhos. Não tem como mudar isso. E talvez agora ele entenda que a Vanessa não é mulher para ele e que ele merece alguém muito melhor, que se importe com os sentimentos dele. Porque eu sei que no fundo ela sabe que ele a ama. Toda mulher sabe. Ela só se faz de tonta por não sentir o mesmo ou por não querer magoa-lo. Só que agora é tarde demais pra isso. Pois ela o magoou e magoou muito.

Eu sei o quanto.

— Mamãe, você tá bem? – pergunta o Vinicius, assim que me junto a ele.

— Estou, querido. – minto e tento sorrir para ele. Ele me beija na bochecha e depois se acomoda ao meu lado.

— Não precisa ficar com medo, mamãe. Eu sei que o Guga também sente sua falta. Ele só ainda não teve tempo para dizer isso.

Quando fecho meus olhos, pronta para dormir, sinto uma lágrima escapar dos meus olhos.

— Eu espero que você esteja certo, filho. Porque todos nós sentimos muita falta dele. Não é mesmo?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!