Não se muda o passado escrita por ServineHXP


Capítulo 6
Episódio 6: No epicentro do caos


Notas iniciais do capítulo

Amém, sim, finalmente o episódio 6. Peço desculpas pela demora, e também pelo episódio, o qual passará como um relâmpago. Prometo que no cap 7 teremos várias emoções que vão até justificar as poucas coisas que acontecem nesse episódio. Espero que entendam e fiquem a espera do episódio 7 que virá em breve. Boa leitura.



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(...)

Adentramos a casa e permanecemos na sala. Juliana parecia preocupada e olhava constantemente para os lados, como se alguém fosse aparecer ali. Às vezes ela olhava também por cima do meu ombro, em direção à porta.

– Então, o que você tem para me dizer?

– Só um minuto! – Ela olhava para um corredor que tinha logo após o cômodo em que estávamos. Tentei dar uma olhada também, mas ela me impediu, chamando minha atenção para outro assunto. – Você gosta da Carolina?

– Sim. Ela é bem legal, por quê?

– Não desse jeito. – Ela revirou os olhos. – Você a ama? – Quase ri.

– Não! – Fiz uma careta enquanto negava com a cabeça.

– E o que você acha de mim? – Ela tentou forçar sua voz a sair sensual e fez uma pose, com um dos braços em sua cintura e um sorriso nos lábios carnudos. Avaliei-a com cuidado. Ela era um pouco gorducha, mas isso não era o suficiente para torna-la feia. Seu rosto era realmente lindo.

– É, você é legal também. – Dei de ombros, tentando parecer neutro.

– Você me acha atraente? – Ela se aproximou com um sorriso malicioso.

– É... – Eu fiquei com um pouco de receio de responder, pois aquela pergunta tinha sido muito específica. Tudo que eu conseguia pensar era que ela estava tentando ganhar tempo, mas eu não imaginava o motivo de ela precisar desse tempo.

Ela ficou alguns centímetros de distância de mim e ainda tinha um belo sorriso nos lábios. Colocou as mãos na cintura enquanto parecia pensar e novamente encarou alguma coisa atrás de mim. Perdendo a paciência, eu me virei para olhar o que ela tanto observava.

Com uma rapidez exagerada ela me virou de volta e colocou sua boca na minha, roubando-me um beijo. A velocidade com que aquilo tinha ocorrido pareceu congelar meu cérebro, impedindo-me de pensar. Tudo que eu conseguia fazer era retribuir, de forma simultânea, o beijo que ela me dava.

Ela me largou enquanto eu ainda tentava entender o que estava acontecendo. Um barulho de vidro quebrando-se ao tocar o chão chamou a minha atenção, virei-me para encontrar um Jack claramente decepcionado com o que vira.

– “Amigos”. – Ele cochichou enquanto saia do local, em fúria.

(...)

– Acorda! – Um pé me chutava de forma leve.

– O que?! – Estava desnorteado enquanto abria vagarosamente os olhos.

Vamo logo. Se quiser uma carona, sua chance é agora! – Ele tinha uma expressão que se misturava entre empatia e raiva.

Levantei-me, apoiando-me com o braço. Senti minha coluna travando, o que me fez soltar um grito baixo, enquanto fazia uma careta de dor. Meu pescoço doía, meu olho não queria abrir e minha coluna, somada a grande parte do meu corpo, estava dolorida. Jack não pareceu ter dó de mim, apenas respirou fundo e saiu do local, seguindo a filha que já estava com a roupa do uniforme.

– Eu disse que ele iria querer a carona! – A pequena disse, saltitante.

Levantei-me mesmo com a dor e procurei pela porta do banheiro. Assim que entrei dei de cara com um espelho, e fiz mais uma careta devido à minha imagem. Meu olho estava extremamente roxo, com algumas bordas levemente verdes. Toquei aquela imensidão colorida e senti pontadas onde tocava. Minha camisa e calça estavam sujas de poeira, fato que me fez fazer uma cara de nojo.

– Droga! – Afirmei comigo mesmo. Lavei meu rosto e saí do prédio, em direção ao carro. Jack olhava para um relógio, claramente apressado e mais irritado que na noite anterior.

– Será que dava para ser um pouco mais rápido?! – Eu nunca o tinha visto tão bravo e sem paciência, soltei um longo suspiro.

– Ok. Desculpa! – Disse, tentando amenizar a situação. O dia mal havia começado e eu já estava cansado.

– Seu olho está horrível! – Ele fez uma observação, tentando conter o riso diante a minha desgraça. Seguíamos para algum lugar, ainda na cidade.

– É, eu sei. – Reclamei, olhando pela janela como um menino emburrado.

O dia estava nublado e escuro, nuvens bem grandes encobriam o céu. Várias pessoas e carros passavam agitados para todos os lados, sempre fluindo e sem parar, algo que, para mim, era bem incomum naquele lado da cidade. Paramos em frente a uma creche e então Mabel desceu do carro, demonstrando independência. Foi até o outro lado da rua, enquanto despedia-se, acenando. Primeiro para o Jack e, logo após, para mim, que sorri pra ela de uma forma amarela.

Depois disso o silêncio tomou conta do carro. Depois de saber um pouco mais sobre ele, eu estava me sentindo vinte vezes mais culpado e preocupado por tudo o que tinha acontecido em sua vida. Seguimos de volta a Marezal.

– Desculpa. – Falei, jogando o assunto no ar. Eu sentia que ele ia explodir em um acesso de ódio pelo o que eu tinha dito, mas eu não tinha como deixar pra lá. Eu preferia enfrentar sua fúria a apenas deixa-lo sozinho.

Desculpa? Sério, cara? – Ele respondeu, em meio a uma gargalhada.

– É. Desculpa. Eu poderia ter ligado, mas eu apenas achei que você tivesse bravo por causa da Juliana, apenas isso. Mil desculpas!

– Que seja. – Ele respondeu de maneira fria.

– É só isso? Cadê o sangue e a condenação?

– Não sei. Você nunca teve a obrigação de cuidar de mim e muito menos de telefonar. O que aconteceu comigo não é sua culpa.

– Então por que diabos você está me tratando como se fosse? – Eu não acreditava na minha própria hipocrisia. Eu tinha aceitado, sem reclamar, o que ele tinha dito, como se eu não me sentisse realmente culpado. Mas eu sabia que era a minha culpa, talvez eu estivesse tão desesperado para tirar aquele peso dos meus ombros que aceitei qualquer coisa. Confesso que fiquei com vontade de levar um soco.

– Por que não somos mais amigos, certo? Passaram-se onze anos, Lucas. Eu não sei nada sobre você e nem você sabe sobre mim, e, sinceramente, por te conhecer, eu quero que você fique bem longe de mim. É simplesmente isso. Eu não estou irritado por você ter desaparecido igual fumaça, muito menos triste. Eu estou apenas conformado! – Ele parecia cansado. E frisou cada uma das letras da última palavras. Eu sentia que ele mentia, pois podia sentir seu ódio por dentro.

– Ah. E que tipo de pessoa eu sou? – Ironizei.

– Mentiroso. Hipócrita. Filho da puta. – Cada palavra era um murro que ele dava no volante. – Entendeu ou quer que eu repita? – Gritou.

Fiquei sem reação, apenas engoli todos os argumentos que tinha e me recostei no banco, completamente frustrado. Enquanto voltei-me para a janela. Eu sabia que merecia aquele xingamento, mas ouvi-lo dizer aquilo doeu, e muito. Olhá-lo daquela forma era muito dolorido. Aquele menino puro que me abraçava e me chamava de irmão não estava ali, tinha simplesmente desaparecido. Eu seu lugar estava um homem rude e que sentia muito ódio de mim, mesmo que não assumisse.

Todas aquelas imagens da nossa infância passaram como um filme na minha mente e tudo o que eu queria era poder chorar e pedir mil desculpas, mas não o fiz, pois sabia que não adiantaria. Mordi a língua, pois a dor era muito melhor do que a tristeza. Fiz a cara mais séria que pude e fiquei assim o resto do caminho, que passou muito rápido.

Quando menos esperava, ali estava eu, no hotel. A chegada significava um adeus, o fim de tudo, pois eu tinha prometido pra ele que ia desaparecer para sempre e não queria, novamente, passar a impressão de ser um mentiroso.

– É isso mesmo que você quer? – Suspirei. – Assim que quer que seja a última página? – Perguntei, um pouco raivoso, mas meu interior implorava para que ele fosse maleável.

– É. Assim que eu quero que termine. – Ele disse me encarando e gesticulando, para que eu saísse logo do carro.

– Mas eu não. Eu quero uma memória feliz, igual quando nós éramos crianças. – Voltei-me pra ele, sabendo que iria me arrepender. Meus olhos marejavam, mas eu segurava o máximo que podia as lágrimas que insistiam em cair.

– Eu. Não. Sou. Mais. Criança. E nem você! Entenda isso de uma vez por todas, Lucas. – Ele apoiou a cabeça em uma das mãos e me encarou fixamente. – Eu olho pra você e tudo que eu consigo sentir é repulsa e pena, nada mais. É tão difícil pra você sair do carro e me deixar em paz, como você fez em todos os outros anos? – Ele parecia implorar. – Você não pareceu sofrer da última vez, por que dessa vez é tão difícil?! Saia do meu carro. Chore, ore, grite, faça o que quiser, mas me deixe em paz, apenas isso. – Os olhos dele passavam uma expressão de choro, mas ele se segurava, assim como eu. Eu o conhecia bem, como a mim mesmo e sabia que o que ele dizia não era verdade.

– Um dia.

– O que?! – Perguntou confuso, mudando o semblante de nervoso para confuso.

– Dê-me um dia, Jack. Um dia onde vamos abrir o jogo e contar tudo o que aconteceu nas nossas vidas, sem meias palavras, mentiras ou segredos. E no final dele, se você ainda não quiser me vir, eu desapareço. Tudo bem? Eu juro que o farei e nunca mais olharei na sua cara. – Suspirei.

Ele ficou pensativo, bateu a cabeça contra o volante e ficou vários minutos pensando. Ele respirava fundo e se perguntava várias vezes o porquê daquilo ser tão difícil. Depois se recuperou e me encarou.

– Ok. Amanhã. Um dia completo com você, sem mentiras. E eu contarei tudo que você perguntar, mas no final dele, jure pela sua mãe, pai, cachorro, planta, namorada, seja lá o que for. Você vai desaparecer, ok?

– Se é isso que você quer... – Respondi com uma expressão serena enquanto arqueei rapidamente as sobrancelhas.

– Amanhã, nove horas. Eu estarei aqui na frente. – Ele respondeu e pediu outra vez para que eu saísse.

Não nos despedimos. Eu apenas saí do carro e ele foi embora. Eu precisava dormir e me preparar para o dia seguinte. Só mais um dia e tudo seria resolvido. Assim que entrei no hotel, lembrei-me que sobreviver não seria tão fácil, pois Emily provavelmente estava espumando no quarto. Subi para o meu andar e parei de frente a porta, pensando em mil desculpas que eu poderia dizer para amenizar a situação, mas desisti de todas. Apenas abri a porta e entrei, com confiança.

O quarto estava vazio, sem sinal da minha raivosa esposa. Andei até o outro lado do recinto e então virei-me outra vez, com a porta já fechada. Emily saiu do banheiro, quieta, com uma expressão furiosa. Ela parou ao lado da porta e ficou me encarando com uma expressão assassina no rosto. Ela realmente estava espumando, pois tinha pasta de dente ao redor de toda a sua boca e que escorria pelo seu queixo. A escova estava em sua mão, imóvel, e ela continuou me encarando por minutos até se mover.

– Emily, você está bem? – Engoli em seco.

Ela andava um pouco agachada, como se sua coluna estivesse travada enquanto não tirava os olhos de mim. Aproximava-se de mim devagar e de uma forma um tanto engraçada. Ela estava com roupa de banho, seu olho direito piscava como se tivesse um tic nervoso.

– Qual o nome da piranha? – Foram suas únicas palavras. Ela levantou a escova de dentes como se fosse uma faca enquanto elevou-a, mirando em meu pescoço.

– Que...

– Qual o nome dessa cavala marinha alada? Heim? – Ela gritava enquanto falava isso.

– É, não...

– Ela tinha peitões não é? Seu safado, me trocando pela primeira que vê na rua. Olhou para ela e gamou, né safado. Quer sabe, não sei por que ela ficou com você, você é feio, você é ridículo! – Ela fez uma cara que lembrou um pirata. Mesmo ela me xingando eu só sentia uma imensa vontade de rir.

– Não, eu só passei um tempinho fora, amor. Não quer dizer que eu tenha...

– O que aconteceu com seu rosto? Tava fazendo uma encenação de cinquenta tons de cinza particular para ela? Você deixou ela te dar uma lição? – Ela ficava mexendo o corpo como se estivesse recebendo um espírito. Uma cena muito assustadora. – Você a levou para o seu iate, não foi? Ficou contando história para dormir, né?

– Mas eu não tenho iate.

– Ah! Safado, comprou um iate apenas para levar a vagaranha, para escondê-la de mim, né? – Ela se aproximou e então colocou a escova de dente em minhas bochechas e deu leves tapinhas com a mesma, as batidas espalhavam pasta pela minha bochecha, enquanto Emily estava a alguns centímetro da minha boca. – Da próxima vez que você sair sem me consultar eu juro que vou te mostrar como fazer uma escovação bucal completa! E você não vai gostar. Acredite em mim. – Ela se afastou e voltou para o banheiro.

Foi simples assim, sem agressões ou chutes, apenas ameaças, algo que dizia que ela não estava nada bem, se não fosse pelo meu sono teria perguntado o que tinha acontecido. Emily saiu rapidamente do banheiro e jogou um vaso bem caro para cima de mim, felizmente, consegui desviar, o mesmo bateu na parede e fez um estrago, enquanto se fez em cacos no chão.

– Da próxima eu acerto! – Ela gesticulou com a mão e voltou a escovar os dentes.

Minhas roupas estavam todas sujas, mas não liguei, minhas costas estavam doendo, estava com dor de cabeça, sono e dor nos olhos, tudo que queria era me jogar na cama e ter bons sonhos e assim o fiz.

(...)

“ Tinha oito anos de idade, como sempre aquelas infinitas árvores de ipês amarelos encobriam nosso caminho. Estava indo com Jack a igreja no dia de domingo, era de manhãzinha, logo, podíamos ainda ouvir o canto dos pássaros.

– Odeio igreja, é tão ruim! – Murmurei, a uma altura que apenas o Jack poderia ouvir, nossos pais andavam um pouco mais a frente enquanto nós andávamos calmamente um pouco mais atrás.

– Eu não acho, eu gosto. – Jack tinha aquela voz infantil, e bem inocente, enquanto levava um sorriso bobo no rosto.

– Você não se cansa de ouvir as mesmas coisas toda a santa semana? – Disse indignado.

– Não, eu acho muito legal. – Ele se encolheu um pouco tímido. Como um bom cristão à moda antiga ele levava uma bíblia em uma das mãos.

Sempre nossos pais nos obrigavam a vestirmos terno. Mesmo sendo extremamente quente dentro de lá. Chegamos e o culto já havia começado, encaminhamos ao banco onde costumávamos sentar na frente. A moça da escolhinha nos chamou assim que nos viu para irmos com as outras crianças, mas antes eu por algum motivo prestei atenção na frase que o padre falou:

– ...O perdão. Deus, nosso pai celeste, sempre nos perdoa, e pede, para nós, seus filhos que perdoemos também, e que amemos uns aos outros, assim como Ele nos amou, e no fim, Ele deu a vida de seu filho por nós. Então, o que não devemos fazer pelo próximo? – Aquela frase pegou pesado na época por algum motivo, o qual eu desconhecia.

Jack me puxou pelo braço para que continuássemos a andar. Chegamos à sala e foi exatamente como em todos os outros domingos, Jack era o primeiro e talvez o único que respondia toda santa pergunta da sala. Ele parecia saber de tudo, capa a capa da bíblia.

Depois da morte da mãe dele há um ano ele começou a prestar mais atenção nos cultos, e talvez seja isso que tenha o transformado tanto. Em primeiro lugar para ele sempre vinha Deus, ele era tudo em que o Jack sorria e pensava na grande maioria do tempo, ele sempre falava da coisa certa a se fazer. E dizendo de modéstia parte, eu era um safado, fazia muita coisa errada durante minha adolescência e infância, acho que se não fosse pelo Jack, pelo que ele havia me ensinado a seguir eu teria me tornado um viciado louco que ficava com qualquer uma. Eu sempre achei que eu era quem o ajudava, aquele quem o salvava, mas no fundo, foi ele que me salvou de meu pior inimigo, eu mesmo.”


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Notas finais do capítulo

e-e em breve episódio 7. Até a próxima, não se esqueça de comentar e falar o que está achando, amo saber de teorias e o que vocês acham dos personagens.

PS: Agora estamos a 6 episódios do fim, sim, apenas 6 episódios para o fim da história. Espero que estejam aproveitando.



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