Não se muda o passado escrita por ServineHXP


Capítulo 1
Episódio 1: Lar doce lar


Notas iniciais do capítulo

A história vai explicar qualquer dúvida que possa surgir ao decorrer dela, se você não entendeu algo pode ter certeza que no futuro ela será explicada.



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Era mais uma daquelas noites barulhentas na grande cidade de Nova Iorque. Eu estava na varanda virado, distraidamente, para a rua. Observava uma grande cicatriz em meu pulso, era uma marca grande com um formato do símbolo do infinito pela metade.

– Ei, amor... Será que dá para me ajudar aqui? – Emily perguntou, tentando tirar a mala de cima da cama.

Aquela cicatriz me fazia recordar minha infância e a minha cidade natal.

“Onde você está, Jack?”.

–Olha... essa mala está pesada, será que dá para me ajudar? – Ela falou sorrindo sarcasticamente.

Olhei um momento para aquela gigante vista. A única coisa que conseguia ver era aqueles vários arranha-céus. O barulho dos carros mais parecia uma melodia descoordenada, mas, mesmo assim, não me incomodava. A noite estava linda, e olhando por um lado, aquele barulho, que em outras ocasiões seria perturbador, no momento era uma ótima música de fundo.

–Será que dá para ajudar, caralho?! – Ela gritou.

– Uh? Falou comigo? – Despertei dos meus pensamentos.

–É! Será que dá para me ajudar aqui ou está difícil?! – Emily soltou uma grande quantidade de ar pela boca.

–Tá, eu já vou...

Ela respirou fundo para não explodir em ódio e foi até a varanda para ver o que havia acontecido.

–Ok, o que diabos você tem Lucas?

– Uh, nada. É que...

–O que é isso no seu pulso? – Ela segurou meu antebraço com uma das mãos.

–É... uma coisa de quando eu era criança, eu fiz isso para...

– Calma, você se cortava quando criança? – Perguntou surpresa.

–Não, não é isso, é só... – Respirei fundo antes de continuar – Eu tinha um amigo, na cidade onde eu vivia, nós éramos inseparáveis, costumávamos dizer que seríamos amigos para sempre, sabe? Coisa de criança. Naquela época, eu nunca queria ter ido embora. Eu vivia dizendo que seríamos amigos eternamente e um dia nós decidimos que deveríamos ter um segredo que mais ninguém soubesse. Algo que só nós dois pudéssemos ter, uma marca eterna da nossa amizade, então eu peguei uma faca e fiz um símbolo do infinito no meu braço, eu fiquei com o lado direito e ele o esquerdo. – Parei alguns segundos para respirar. – Você não faz ideia do que já tive de fazer para esconder isso da minha mãe. – Sorri, um sorriso amargurado – E então eu...

–Você se mudou. – Ela completou.

–Sim, basicamente foi isso sim. Já se fazem 11 anos, e eu ainda me pergunto onde ele está. Às vezes, eu simplesmente fico sem reação pensando sobre isso. Eu deveria ter ligado, mandado uma carta, qualquer coisa, mas eu apenas tenho medo que ele ainda esteja bravo comigo.

–Por que ele estaria bravo com você?

–Talvez porque eu tenha o deixado para trás sem nem mesmo ter me despedido, ou até mesmo por eu nunca ter ligado, ou então por eu ter... – Assim que terminei essa frase fiquei quieto e o silêncio tomou conta do ambiente por alguns instantes.

–Você não tem ele adicionado em suas redes sociais?

– Não, não tenho. Éramos muito crianças na época e, não sei, acho que eu tenho medo de entrar em contato com ele.

–Nossa, você nunca me contou isso. – Ela disse soltando meu braço.

–Se eu contasse não seria mais um segredo, certo? – Ambos sorrimos.

–Sim, eu acho que sim.

–Agora que você sabe, acho que terei que te matar. – Falei de uma maneira levemente maliciosa.

–Hum... e como seria exatamente?

–Mais ou menos assim... – Aproximei-me para beijá-la. Ela colocou o dedo em meus lábios.

–Nada disso... temos um vôo para pegar, esqueceu? Tudo que eu não quero agora é chegar atrasada. – Falou em forma de sermão – Agora... pegue a mala, meu escravo! – Brincou.

–Você manda, chefia.

Peguei a mala de cima da cama e seguimos para o táxi que havíamos chamado. Chegando ao aeroporto, meus pais nos esperavam na entrada.

– Oh, filho... – Minha mãe me abraçou, e, depois de se afastar um pouco, parou seus olhos nos meus – Você sabe quem vai encontrar lá, não é mesmo?

– Sim, eu sei.

– Mande um grande beijo para eles todos por mim, okay? - Ela disse ainda mais feliz.

–Eu irei.

–Filho... finalmente você está começando a seguir meus passos, fico muito feliz! – Vez do meu pai me abraçar – Mande um abraço para o Jack por mim.

– Eu irei.

– Oh Emily, mandarei o dinheiro do casamento pelo correio e você poderá organizar tudo, já que você quer tanto fazer isso por sua própria conta. – Meu pai disse. Depois sorriu um sorriso tímido.

–Obrigada, estarei esperando. – Emily respondeu educadamente.

Depois disso, entramos naquele imenso aeroporto. Fizemos o Check-in e entramos no avião. Aquela viagem era importante, pois eu iria fazer um negócio milionário com uma empresa de São Paulo, que, curiosamente, tinha marcado para nos encontramos na minha cidade natal. Talvez fosse a viagem mais importante da minha vida.

Eu torcia para que Jack ainda morasse lá, quem sabe ele já tivesse filhos, mulher, ou sabe-se lá o que. Eu precisava reencontrá-lo, aquela angústia estava me matando.

Sentei-me na poltrona e olhei ao redor, o avião não estava tão cheio, acho que apenas umas 50 pessoas estavam nele.

Amy sentou-se ao meu lado e olhou-me, fixamente, até que eu virasse a cara para ela.

–Eu te amo! – Ela disse com aquele tom melancólico.

–Eu te amo também querida! – Sorri. Ela me deu um beijo e deitou-se em meu ombro.

Voltei-me para a janela enquanto eles terminavam de guardar as bagagens. Respirei fundo e tentei não pensar, e, apenas esvaziar meus pensamentos por alguns instantes, mas por mais que tentasse, eu não conseguia conter a curiosidade de saber como ele estava. A espera para o avião começar a se mover era interminável e horrível, e minha claustrofobia só piorava as coisas.

“Como odeio aviões.” - Levemente revirei os olhos.

Então, o avião, começou a se mover até que decolou. Eu comecei a ficar mais calmo, pelo menos, em movimento, me sentia um pouco menos sufocado. Encostei minha cabeça sobre o assento e fechei os olhos. Caí gradativamente no sono.

(...)

̶̶̶̶ Eu a amo. – Jack revelou. Tinha um ar derrotado.

̶̶̶̶ Não... você... gosta da Juliana? – Questionei.

–Sim, mas acho que ela não sabe.

– Ah, por isso você a convidou para vir à festa?

–Sim, mas achei que ela não vinha.

Estávamos na frente da casa do Jack, naquele pequeno jardim. Tinha bastante gente, na maioria amigos da família e pessoas da escola.

–Vai lá falar com ela! – Insisti.

–Que?!

–Sim Jack, vai lá falar com ela. – Dei um leve empurro em suas costas como sinal de apoio.

–Não, de jeito nenhum!

–Cara é sua festa de aniversário! Você tem que dar atenção aos seus convidados e, aproveitando isso, você vai lá conhece ela, e quem sabe vocês não se tornam namorados...

–Não é simples assim, Lucas. Por que tudo parece tão fácil para você?

–Porque as coisas são fáceis! – Insisti. – Você vai lá e conquista seu prêmio. Simples, rápido e fácil.

–E se ela me der um fora?

–Olha, você é o aniversariante. Provavelmente ela não vai te dar um fora, além do mais, ela é bem legal e simpática. Eu vivo falando com ela na hora do recreio. – Conclui.

Ele olhou para Juliana que estava conversando com uma amiga.

–E a amiga dela? – Jack estava apreensivo.

–Olha, eu vou lá e distraio a amiga enquanto você chega e arrasa, beleza?

–Olha, não tenho certeza disso não...

–Tarde demais! – Fui andando em direção ao meu alvo, enquanto tentava lembrar o nome dela. Se minha memória não me deixasse falhar, era Jhenyfer.

–Olá, minha bela dama Jhenyfer! – Falei com voz de galã.

–É Caroline! – Disse me olhando de cima abaixo com aquela cara de rejeição.

– Oh, então você tem boa memória, minha cara Caroline. – Continuei com a mesma entonação. Ela deu um sorriso falso.

– Sabias que das flores do campo, tu és a mais bela?

–Nossa que cantada ruim, meu filho. – Ela debochou.

–Ca, vamos para outro lugar. – Juliana tentou puxá-la.

– Sim, vamos Ju. Aqui não está com um clima bom. – Disse referindo-se a mim.

–Linda! – Falei rapidamente.

– O que?! – Peguei o refrigerante em minha mão e joguei no vestido dela.

– Olha o que você fez! – Ela parecia furiosa.

– Desculpa, mil desculpas. Vem comigo! Vou te ajudar a limpar isso.

–É melhor mesmo, se não... – Peguei-a pelas mãos e saí puxando-a para longe de Juliana. Pisquei para Jack se apressar.

– Eu vou com você, Ca! – Juliana disse baixinho.

–Não! – Respondi rápido. – Você tem que ficar aqui! Ela já volta. –Não dei tempo para que ela contestasse, então ela apenas ficou parada ali sem fazer nada. Jack se ajeitou e foi em direção a ela.

–Eh... oi.

–Oi. – Ela respondeu um pouco irritada.

–Precisa de companhia?

–Pode ser...

–Prazer! Meu nome é Jack.

–Eu sei, seu bobo. – Riu baixinho. Ele abaixou a cabeça.

–O meu é Juliana, mas pode me chamar de Ju.

(...)

–Amor? Amor? Chegamos... Acorda! – A voz de Emily foi invadindo meus sonhos até que eu despertasse.

– Uh? Já chegamos? – Abri os olhos rapidamente.

– Sim, chegamos. Nossa, como você dormiu a viagem toda? – Ela riu – Foi muita loucura! Uma mulher desmaiou e então foi um fuzuê daqueles, e como você estava sorrindo enquanto dormia achei melhor não te acordar... Afinal, com quem você estava sonhando? – Ela me olhou com uma cara assassina.

–Nada, apenas uma recordação.

– Recordação? Está bem... Dessa você escapa Lucas Matter Santos. – Ela voltou a sorrir. Olhei ao redor e percebi que quase todos já haviam saído do avião.

– Hmm, vai ficar aí? –Ela perguntou me encarando.

–Não, eu já vou...

– Tudo bem. Já peguei a sua maleta. Venha depressa, querido. – E saiu cantarolando.Respirei fundo e coloquei a mão sobre a testa.

–Daqui a pouco... só mais um pouco, Lucas. Por favor, esteja bem, Jack. – Falei comigo mesmo.

Eram mais 3 horas do aeroporto até Marezal, o nosso destino final. Pegamos as malas e comemos um lanche rápido antes de pegar o táxi. Guardamos as malas, entramos no carro e então seguimos.

As paisagens eram de uma auto-estrada comum, grandes campos abertos com árvores no fundo decorando, algumas fazendas, montanhas, pedágios e também túneis. E então, aquela entrada inconfundível, aquele imenso bambuzal que dava entrada à cidade, aquele cheiro refrescante invadia o ar de uma forma impressionante, aquele cheiro era único no mundo. Cheiro de nostalgia. Quando era criança, lembrava-me de falar que aquele lugar era um portal para um mundo mágico, onde tudo poderia acontecer, um mundo separado do real. Ri enquanto lembrava das loucuras que dizia quando criança.

“Como eu era besta.” Pensei sorrindo.

Já escurecia quando chegamos ao hotel, era em torno das seis e meia. Fizemos a reserva para uma semana, e então subimos para o quarto.

–Estou morta! – Disse Emily, abrindo a porta daquele grande quarto do hotel cinco estrelas.

–Ah, imagine eu.

Era um quarto deveras espaçoso, duas camas de casal, uma televisão uma parte de cozinha e outra de banheiro, bem aconchegantes.

– Ai! Não estou sentindo minhas pernas! – Ela disse enquanto tirava os saltos em cima da cama. – Tô morta! Agora só me acorde quando for amanhã, e nem ouse dormir aqui! – Ela se esparramou em uma das camas.

–Vou dar uma saída.

–Saída? Como você ainda consegue se mover? – Ela demonstrava incredulidade.

– Eu tenho algo a fazer. Algo que não pode esperar.

–Você vai atrás daquele amigo, não vai?

– Sim, eu vou. Por quê? –Perguntei de uma forma delicada.

–Nada, eu espero que você o encontre. – Ela parecia sincera.

Eu não conseguia mais esperar, deixei o quarto e me direcionei ao elevador, que ainda estava no mesmo andar. A cidade era dividida por 3 partes. A"cidade" onde tinha o comércio e tudo de uma sociedade normal. A zona da praia, onde aquele grande cinza se encontrava com o amarelo da areia com aquelas lindas águas tão cristalinas, e também a zona residencial, onde tem a maior concentração de pessoas morando em casas, que, por sinal, lembram muito as dos E.U.A por sua individualidade.

Deixei o hotel e segui através da avenida principal direto à zona residencial, onde nós morávamos.

Eu sabia de cor onde a casa ficava, eu nunca esqueceria. Sim, eu nunca havia o esquecido mesmo depois daqueles 11 anos. Finalmente eu iria tirar aquele peso que me perseguia, eu ia o ver bem, ele não estaria bravo, e o principal, ele estaria vivo. Sim, tudo é perfeito... Tudo tem que ser perfeito.

Era uma rua bem grande, plana até o fundo, com várias casas de ambos os lados, que eram "engolidas" por grandes salgueiros e ipês.

Cheguei à porta e me aproximei dela lentamente imaginando toda a felicidade que ele poderia estar vivendo. Assim que fui bater, uma lágrima rolou misteriosamente pelo meu rosto, sequei-a rapidamente e respirei fundo. Eu nunca havia sido um cara introvertido, sempre fui muito direto ao que queria, sem medo, mas naquele momento, eu me senti o cara mais tímido do mundo. Fiquei ali respirando, tentando achar forças para bater na porta.

"Estej..."

Um choro de bebê interrompeu-me, dando-me forças para seguir em frente e bater, provavelmente era o filho dele.

Ninguém atendeu, já que havia batido a primeira indaguei e bati outra vez.

Droga, provavelmente, não tem ninguém em casa. Quando ia me virar para ir embora, uma voz me atingiu.

–Quem é? – Assim que ouvi aquela voz sorri de alegria.

–Sou eu. Lucas.

Ele abriu.

– Eu sabia que... – Ele parou assim que me viu. – Calma, você não é meu filho!

Era um cara gordo e bem alto, alguns centímetros a mais do que eu.

– Você não conhece a campainha?

– Desculpe incomodar, mas tem algum Jack que mora aqui?–Ele pensou um pouco antes de responder.

– Não, por quê?

–Nada em especial, você sabe alguma coisa dele?

– Jack, Jack, Jack... – Pareceu pensar. – Não, eu não lembro de ninguém com esse nome. – Concluiu.

– Desculpa a pergunta, mas... Quanto tempo você mora aqui?

–Você é do IBGE ou o que? – Deixou transparecer sua irritação.

–Por favor, eu preciso saber! – Supliquei.

– Uns 11 anos.

–Obrigado. – Sorri de forma acanhada e dei as costas. Ele fechou a porta logo em seguida.

Voltei super desanimado. Andei um pouco ao redor da cidade para me recordar e ver se o encontrava em algum lugar. Eu ia passeando por aquela longa rua paralela à principal vendo o parquinho onde costumávamos brincar a tarde toda, nós vivíamos ali, o dia inteiro até cair de exaustão no por do sol. Aquelas recordações apenas me deixaram mais preocupado pelo o que poderia ter acontecido. Havia um carro parado a alguns metros a minha frente e um homem estava com a cabeça para dentro dele.

“Onde você está Jack?” Questionei.

O cara que estava com a cabeça para dentro do carro se levantou e olhou diretamente para mim. Ao fazer isso, ele mudou seu semblante. Eu reconheceria aquele rosto em qualquer lugar. Era ele. Jack.

–Jack? – Aumentei o tom de voz para que ele pudesse ouvir.

–Droga. – Ele resmungou, abrindo a porta do carro.

Corri a tempo de impedi-lo de entrar.

–Jack, o que você está fazendo? –Encostei a porta.

–Ei, vamos logo! Eu não tenho a noite toda! –O cara dentro do carro reclamou.

– Heim? O que raios você está fazendo? – Perguntei novamente enquanto ele me encarava sem dizer nada - Jack? – Tentei mais uma vez.

–Trabalhando...

– O que?! – Não tinha entendido. Ou melhor, não queria entender.

–Vai logo! – O cara gritou. Toda aquela situação estava me deixando confuso.

– Sim, isso que você ouviu, Lucas. – Ele tinha um semblante cansado.

–Ah, não, não vai me dizer que você...

– Vamos logo!

–Você não precisa fazer isso! Aliás, ele não vai! Você pode ir. – Disse para o cara.

– Para, Lucas! Você vai estragar tudo!

– Última chance ou eu vou! – Ameaçou o motorista.

–Você não precisa fazer isso, Jack! – Supliquei. Ele me encarou, e então vi uma pequena lágrima escorrer de seus olhos.

–Eu já fiz isso minha vida inteira. – Ele abriu a porta e foi. Fiquei perplexo.

–Eu sabia que tinha algo errado! – Comentei comigo mesmo me condenando.

Sentei-me à beira da calçada e comecei a pensar o motivo dele estar fazendo aquilo. Era simplesmente horrível. Não consegui me conter e senti aquela lágrima salgada chegando em minha boca, juntando-se ao nó forte na garganta e então meu telefone tocou.


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Notas finais do capítulo

Continua... Episódio 2: "Desconexo" agora disponível.