Tentadora escrita por Ina Oliveira


Capítulo 2
Ah, Jesse, Outra vez?!


Notas iniciais do capítulo

A primeira parte da fic é toda narrada pelo Jesse. Ok?
Vamos a leitura...



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Ah, Jesse, outra vez?!

 

 

A primeira coisa que eu notei é que lá fazia sol. Claro que eu sabia que na Califórnia fazia sol, mas eu não esperava um sol tão esplendoroso quanto esse. Acho que o meu figurino não estava de acordo já que a minha mãe tinha me dito que aqui fazia friozinho, não como em Nova York, mas fazia frio. Por isso, eu estava com a minha pesada jaqueta de couro preta, minhas calças velhas e desbotadas e um coturno preto.

Ótimo. Agora eu estou me sentindo em casa, pensei infeliz.

Eu sabia que minha mãe odiava essa roupa que eu estava usando. Ela diz que eu fico parecendo um membro de gangue com elas. Todo mundo já pensa isso mesmo, então não faz diferença.

Mas o que posso dizer? Eu queria me sentir confortável.

E agora eu estava aqui, saindo do avião e avistando minha mãe, Andy e seus três filhos. Ah, espera. Eu não disse que o Andy tem três filhos? Pois é, eu vou ter três meio irmãos. Os nomes deles são Jake, Brad e David. Aparentemente eles são legais. Espero que isso não mude com a convivência.

- Jesse! – minha mãe acenava freneticamente para mim do portão de desembarque. Como se não bastasse todo esse foco de atenção, Andy ainda fazia o filho mais novo, David, segurar um cartaz enorme escrito “Seja bem vindo, Jesse.” Eu corri na direção deles antes que chamassem a atenção de todo mundo que passava por ali.

- Ok. – eu disse tomando o cartaz da mão de David. – Já pode abaixar isso.

Ele me olhou sorrindo por trás daquelas sardas vermelhinhas na sua bochecha. Tive a nítida impressão que ele realmente estava feliz em me ver. Bom, já o Brad fez uma cara de entediado e o Jake, pra variar, estava quase dormindo em pé.

Minha mãe ficava dizendo “Oh, como esta crescido.” Ou “Jesse, senti saudades!” e coisas do tipo. Ela era inacreditável. Tinha me visto a menos de duas semanas e já estava assim.

Ela tinha vindo na frente para ajudar Andy a preparar a casa para a nossa mudança, enquanto eu fiquei em Nova York para despachar as nossas coisas.

- Bom, se vocês não se incomodam eu gostaria de ir pra casa. – eu disse assim que todos terminaram de me cumprimentar e ficaram me encarando.

- Claro, claro. – Andy disse dando tapinhas no meu ombro. Eu sorri meio sem graça para ele. Não pretendia ser rude nem nada, só estava meio cansado.

- Nossa, rapaz! O que você esta carregando aqui? – Andy perguntou ao levantar um das minhas malas. Eu apenas revirei os olhos para ele. Eu estava carregando duas malas, mas ainda sobravam três.

Deixe-me informá-los sobre uma coisa em relação ao Andy. Ele acha que é comediante. Mas na verdade, ele é carpinteiro.

- Talvez ele pense que esta fazendo uma mudança. – Andy falou casualmente para minha mãe. Viu o que eu falei?

Todos sorriram e eu os imitei. Era o correto a se fazer.

- Jesse, você percebeu que a cauda do avião sacudiu um pouco na aterrissagem? Foi uma corrente de ar. Acontece quando uma massa de ar com grande velocidade vai de encontro a uma contracorrente de vento com uma velocidade igual ou maior.

Falou o David, filho mais novo do Andy. Ele deve ter uns 12 anos, mas parecia que tinha uns 40. Na festa de casamento, ficou me falando sobre os altos e baixos da economia e sobre alienígenas e blá blá blá...

Vai se saber.

- Jesse. – minha mãe não parava de dizer. – Você vai adorar a casa. Ela é tão linda e o seu quarto... Ah, o Andy separou o melhor quarto da casa para você. – eu sorri agradecendo para o Andy.

Pelo que eu tinha entendido, Andy tinha comprado essa casa a cerca de um ano. Ele tinha procurado uma casa grande e com bastante quartos, pelo menos um para cada filho. Acho que ele alcançou a sua meta. Pelo que minha mãe tinha me falado, essa casa ficava na colina de Carmel e era imensa.

- Você vai adorar o quarto. – minha mãe falava sem parar. – Da sua sacada dá pra ver o mar.

Eu sabia que iria gostar disso, só não estava tão certo sobre a parte das pranchas de surf e fato de que aqui não tem metrô.

- Gostou da recepção? – Brad comentou com aquela sua cara de debochado. Isso era tão irritante. Ele tinha o prazer de me perturbar não importa o quão amigável eu fosse com ele. Por isso, eu só estreitei meus olhos para ele e dei um sorriso tão debochado quanto o dele.

No casamento eu fiquei sentado entre ele e o David, dá pra perceber como a conversa fluiu. Ele é um idiota que só pensa em garota e adora se fazer de fortão. Pelo que eu soube, ele é muito popular na escola dele, mas eu não sei que tipo de idiota consideraria essa cara um tipo de líder. Quase não conseguia acreditar que eu era apenas três anos mais velho que ele.

Minha mãe foi me puxando pelo braço através do saguão do aeroporto até que ela finalmente notou.

- Jesse. Pensei que já tivéssemos conversado sobre essas suas roupas. Você deveria tê-las jogado fora.

Eu estava vestido do jeito que ela mais odiava e pra completar ainda tinha uma mochila das forças armadas nas minhas costas, o que só piorou a situação.

Então eu disse toda aquela ladainha de me sentir confortável na viagem – que por sinal não tinha sido nada confortável já que eu me sentei entre uma senhora de meia idade que ficava dormindo e babando no meu ombro, e um piralho de uns seis anos que ficava pulando pra lá e pra cá. Foi engraçado ver a cara do garoto quando eu disse que jogaria ele do avião se ele não sossegasse – E minha mãe revirou os olhos e deixou pra lá.

Assim que as portas automáticas do aeroporto se abriam eu percebi o erro que cometi ao acreditar que lá fazia frio. Todo mundo tinha um óculos escuros pra se proteger do sol, menos eu. Ótimo, de novo.

Eu percebi que todos começaram a andar na direção do estacionamento, menos Jake que continuava com aquela expressão de quem tinha caído da cama – ou tinha sido expulso dela, o que é mais provável.

Eu me perguntei se ele sofria de narcolepsia* ou se usava drogas. Não me entendam mal, mas o garoto estava dormindo em pé. A única vez que ele falou comigo foi no casamento, e mesmo assim foi só pra me perguntar se eu fazia parte de uma gangue. Não posso culpá-lo, afinal de contas ele me encontrou fumando um cigarro do lado de fora com a minha fatídica jaqueta por cima do smoking idiota.

Mas eu juro, aquele foi o primeiro e ultimo cigarro que pus na boca. Eu estava estressado por causa do casamento e da mudança. Mas juro que nunca mais fumei.

Até que o Jake é um cara legal. Ele tem uma aparência normal, por assim dizer. Com seus um metro e oitenta e tal, seus olhos azuis e sua cabeleira loira igual do pai. O que eu realmente quero dizer é que o seu forte é a aparência e não a inteligência, se é que me entendem.

Enquanto andávamos pela calçada do estacionamento do aeroporto internacional de San José, David não parava de falar sobre a velocidade do vento. E eu percebi que seria muito útil tê-lo por perto para os deveres de casa, mesmo eu sendo quatro períodos a sua frente.

Eu observei o lugar com curiosidade. Era muito diferente de Nova York. Primeiro de tudo, aqui não tinham pichações ou vandalismos nem nada do tipo. Fora isso, aqui a onda eram tons neutros e não o usual preto nova-iorquino. Claro que todo mundo usava preto para não ter que lavar a roupa sempre que usar, mas aqui... Aqui não parecia ter esse problema. Mas o que eu achei mais estranho é que aqui não tinha ninguém brigando. Nem nas filas para o check-in. Em Nova York, as pessoas brigavam o tempo todo. Gritavam com os atendentes ou alteravam a voz em qualquer lugar. Eu acho que teria muitos problemas de adaptação.

Eu acho que era o clima. Isso, devia ser o clima que favorecia o humor de todos. Porque, afinal de contas, pra que brigar quando se tem um céu tão azul e um sol tão intenso do lado de fora? Por isso que todos eram muito amáveis e só ficavam se cumprimentando e sorrindo. Totalmente surreal.

Percebi que Andy andava meio torto. Eu tinha feito minhas malas e sabia muito bem o que tinha nelas. Eu tomei minha mala das suas mãos rapidamente enquanto me equilibrava para carregar três agora ao invés de duas.

- Obrigado. Estava mesmo difícil de carregá-la. – Andy admitiu sem graça.

Eu apenas acenei e continuei andando sem nenhum problema. Eu estava acostumado com coisas piores. O que era uma malinha a mais?

Quando nos aproximamos do carro, não pude deixar de observar os vários arbustos que se espalhavam pelo estacionamento e os pequenos pássaros que ficavam pairando em volta deles.

- São beija-flores. – minha explicou animada quando eu observei. – Temos um bebedouro para eles lá em casa. Fica na varanda.

Achei encantadora a idéia, mas não conseguia me imaginar dando água para beija-flores enquanto descansava calmamente na varanda. De jeito nenhum. Esse não é o meu estilo.

De repente Brad anunciou que dirigiria o carro, mas o Andy logo deixou claro que quem dirigiria era ele. Agradeci mentalmente por não ter que confiar a minha vida a um cara que torcia o pescoço de cinco em cinco segundos para olhar para uma garota. Claro que Brad não deixou pra lá e ficou discutindo com o pai. Aparentemente ele queria treinar. Oh céus! Treinar! Ele queria que fôssemos suas cobaias? Adeus mundo cruel! Eu tive de sorrir com esse meu comentário idiota.

- Você pode praticar no Rambler. – Andy disse abrindo o porta malas do Land Rover e colocando as malas – com a minha ajuda – ali dentro.

- Você também Jesse. – eu ainda estava distraído rindo da careta que o Brad estava fazendo, por isso foi pega de surpresa com esse comentário.

- Eu também o que? – eu perguntei espantado.

- Pode praticar a direção no Rambler se quiser. Mas claro que tem que ter alguém com carteira o acompanhando.

- Ah, obrigado, mas eu não sei dirigir. – eu admiti sem graça ao passo que Brad caiu na gargalhada. Depois cutucou Jake com o cotovelo enquanto contava as boas novas para o irmão.

- Dá pra acreditar, ele não sabe dirigir. Cara, quanto anos você tem? Dezenove?

Tudo bem, eu tenho dezenove e sim, eu não sei dirigir, mas meu deus! Isso não é um crime. Eu só nunca precisei aprender. Eu usava o metrô pra tudo.

- Brad, isso é normal em Nova York. – disse David em minha defesa. – Lá existe o tráfego mais pesado de todo o país, com uma população de mais de 13 milhões num perímetro de 6.400 quilômetros. Sem falar que a sua malha de ferrovias, metrô e ônibus atende a um bilhão e setecentos milhões de pessoas anualmente.

Todo mundo ficou olhando atentamente para o David. Eu não disse que esse garoto é um gênio? Definitivamente esse é o irmão que eu mais gosto.

- Bom, acho que já podemos ir. – Andy disse quebrando o espanto do momento.

O trajeto pra casa levava uma hora e com certeza não estava sendo agradável. Eu me sentei entre Brad e Jake – este ultimo já estava dormindo e babando no meu ombro. Mas eu não me importei muito porque eu estava admirando o mar. Eu sei, idiotice ficar olhando o mar, mas Hey! Eu cresci na selva de pedra que é Nova York. Eu não conhecia o mar pessoalmente, só por fotografia.

Quando minha mãe percebeu a minha perplexidade por conta do mar, desatou a falar sobre a cidade, a casa e finalmente, o colégio que eu iria freqüentar. Era o mesmo que Jake, Brad e David freqüentavam. O colégio, batizado com o nome de Junipero Serra, um espanhol que chegou no século XVIII e obrigou os indígenas que viviam na região a trocar a sua religião pelo cristianismo, era na realidade uma gigantesca missão construída com tijolos crus que atraia milhares de turistas por ano.

Eu não estava prestando muito atenção ao que a minha mãe dizia até porque o meu interesse pela escola sempre foi nulo. Na verdade, eu não pude me mudar antes porque estava esperando ter uma vaga para mim na escola. Então tive que morar por um mês com a minha avó. O que foi bem legal porque ela era uma ótima cozinheira.

- Espera aí. – eu disse de repente. – quando esse colégio foi construído?

- No século XVIII... – David começou a dizer, mas eu logo o cortei.

Eu empurrei Jake para o lado e ele acordou assustado murmurando, “Um, que foi? To acordado!”. Eu revirei os olhos e me inclinei pra frente.

- Século XVIII? - insisti inclinando-me mais para frente para poder conversar melhor com a minha mãe. Na verdade eu queria fugir do Jake e de toda a sua baba. Pelo amor deu deus! O carro tinha deixado um rastro de gosma na minha jaqueta. Eu estava prestes a enforcá-lo.

Minha mãe percebeu meu pânico e me olhou ceticamente.

- Nós já conversamos sobre isso. No colégio Robert Louis Stevenson a lista de espera é de um ano e...

- É. Eu sei, eu sei. Mas século XVIII? – eu sentia que podia enfartar a qualquer momento de tanto que o meu coração palpitava. – Isso significa que ele tem trezentos anos!

- Não estou entendendo. Qual o problema com o século XVIII? – Andy perguntou curioso.

- Jesse não gosta de prédios antigos. – minha mãe respondeu.

- Então ele não vai gostar da casa. – falou Andy.

- Por quê? – eu disse com a voz seca. – Porque não vou gostar da casa?

Claro que eu percebi o motivo assim que chegamos. A casa era linda e enorme com direitos até a torrinhas no estilo vitoriano e uma plataforma-mirante no telhado. Minha mãe mandou pintá-la de azul, branco e creme, e ela era cercada de grandes pinheiros e arbustos floridos. Com três andares, toda construída em madeira era de longe a casa mais bonita e charmosa da colina de Carmel.

Mas eu não queria entrar lá dentro. Não mesmo.

Quer saber o por quê? Porque eu estava indo morar num casarão que serviu como estalagem no século XVIII. Andy fez questão de me dizer isso enquanto eu tirava as malas do carro. Cara, não é possível! Esse século me persegue.

Construído em 1849, ele aparentemente tinha uma péssima reputação na época. Tinham acontecido vários tiroteios no salão principal por causa de jogos de cartas e mulheres. Ainda tinham marcas na parede e uma delas, Andy fez questão de emoldurar. Dá pra acreditar?!

Quando subimos os degraus para a varanda da frente, minha mãe ficou me olhando apreensiva. Ela queria muito que eu gostasse de tudo, mas eu estava fulo da vida por ela não ter me contado sobre a casa. Mas ela sabia que se tivesse me contado, eu moraria com a minha avó até entrar pra faculdade.

A verdade é que ela tinha razão: eu não gosto de construções antigas.

A casa era toda alegre em seus tons amarelos, azuis e laranjas. E eu pude reconhecer as coisas da minha mãe espalhadas por ali. Eu também notei coisas desconhecidas como, um computador branco numa escrivaninha, pranchas de surf apoiadas na porta que dava para garagem e um enorme cachorro babão que pulou em cima de mim e lambeu os meus tênis.

Meu quarto ficava no primeiro andar bem em cima do telhado da varanda. Minha mãe falou de um assento bay window* que tinha no meu quarto. Eu achei meio estranho. Afinal de contas, esses assentos normalmente são pra quartos de garotas, não que não sejam confortáveis nem nada, mas...

Enquanto eu caminhava pelo quarto, eu notava que ele era num tom de azul, tinha um enorme espelho na parede ao lado da porta e uma estante grande num outro canto do quarto.

Tudo bem, eu disse a minha mesmo enquanto caminhava, não é tão ruim assim. Talvez dê tudo certo. Talvez ninguém tenha sido infeliz aqui e talvez aquelas pessoas todas que levaram tiros merecessem isso...

Até que eu me virei para janela e vi que já tinha alguém sentado no assento que Andy tinha instalado.

Definitivamente essa pessoa não era uma parenta minha, do Andy ou de qualquer pessoa naquela casa.

Olhei para Andy aflito. Talvez ele tenha visto... não, não viu. Minha mãe também não tinha visto nada. Na verdade ela estava olhando o meu rosto e desconfio que a minha  expressão não devia estar das melhores porque fez uma cara de desgostosa e olhou pra mim suspirando...

- Ah, Jesse, outra vez?!...


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Notas finais do capítulo

N/A: Narcolepsia - é uma condição neurológica caracterizada por episódios irresistíveis de sono e em geral distúrbio do sono. É um tipo de dissonia.
 
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