Lorena escrita por slytherina


Capítulo 19
Sincronicidade IV


Notas iniciais do capítulo

"Mas Will sabia, sem sombra de dúvida, que aquele gramado do outro lado ficava em outro mundo. Não sabia por que, mas sabia, como sabia que o fogo queimava e que a bondade era boa: estava olhando para alguma coisa inteiramente alienígena. E apenas por esse motivo ele se inclinou e olhou mais para dentro."
A faca sutil por Philip Pullman.



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Lorena foi até seu quarto para pegar cadernos escolares. Precisava mostrar para a filha da vizinha que ela estava errada. Ainda bem que anotara a aula da professora em seu caderno, em vez de simplesmente baixar o arquivo em seu notebook. Na verdade, seu notebook estava sem bateria naquele dia, por isso precisara escrever.


Ao abrir a porta atabalhoadamente, viu-se de repente em outro lugar. O quartinho de bonecas da menina pequena. Ela se virou admirando tudo ao redor. Ficou desconcertada. Antigamente queria tanto voltar para cá, quando seu mundo era perfeito e ela era infeliz. Mas agora ela tinha amigos com quem convivia diariamente, seus vizinhos e os filhos dos serviçais, uma vez que todos viviam juntos, no mesmo prédio, protegidos da horda de selvagens do fim do mundo. Ela até havia adotado sua governanta como figura materna, algo impensável há um ano.


Engraçado como as coisas mudam. Antigamente o céu era azul claro durante o dia, e azul escuro, quase negro, durante a noite. Hoje em dia ele era imutável. Havia uma aquarela de cores berrantes e brilhantes que recobria o céu, dia e noite. Além disso, nenhum aparelho eletrônico funcionava, como se estivessem sendo atingidos por um pulso eletromagnético sem fim. Talvez por isso as pessoas tivessem ficado loucas e destruído a cidade em poucas semanas. Aqueles que se refugiaram no prédio, onde ela vivia, ainda mantinham a sanidade e a esperança de que tudo voltasse ao normal.


Os mais velhos ainda faziam comparações ao tempo da invasão nazista, que perdurara por 5 anos, mas que no final fora escorraçada pelos aliados e pela resistência Maqui e Partisan. Lorena inclusive sentia um certo orgulho de ser chamada de mascote por aquelas pessoas, por causa de seu nome, que aludia à liberdade da pátria.


E eis que agora ela atravessara o portal dimensional, ou seja lá isso que permitia entrar em contato com outra realidade diferente da sua. Será que aqui o céu era normal? Ela se dirigiu até à janela do quartinho e olhou para fora. O céu era azul claro límpido. Ela deu um suspiro de contentamento.


– Quem é você e o que faz aqui? - Alguém perguntou as suas costas.


Lorena virou-se rapidamente e viu diante de si a boneca barbie, que agora parecia um ser humano, entretanto, sem perder o rosto plastificado. Lorena ficou pasma e não disse nada.


– Ela não pertence a este lugar, embora seja igual à menina. Estranho. - Disse outra boneca barbie, como se fosse feita de carne e osso.


– Rápido, voltem a seus lugares. A avó vem vindo. - Uma terceira boneca barbie avisou as outras, que foram sentar-se nas cadeirinhas de plástico, e ficaram inertes.


Então a porta se abriu e uma idosa entrou, seguida de um passarinho amarelo e um gato malhado. Lorena achou aquilo estranhamente familiar, como um deja-vu.


– Lorena, querida ... quem é você? - A idosa perguntou.


– Eu ... eu me chamo Lorena. - Foi tudo que ela conseguiu dizer.


– Você se parece com a minha netinha, mas é mais velha. Quantos anos você tem, querida?


– 16 anos, senhora.


– Oh! Tudo bem! Acho que posso ter mais uma netinha. Que acha, piupiuzinho? E você, Frajola? Podemos adotar outra menina? - A vovó perguntou aos animais.


Nenhum deles respondeu, mas Lorena arregalou os olhos em surpresa. Ela conhecia esse trio da TV. Eram personagens de desenho animado.


– Então, querida Lorena, você está com fome? Acho que tenho sopa de feijões na cozinha. Trarei para você. Espere aqui. Volto num minuto. - A avó saiu, seguida pelos bichos.


– Você tem sorte por essa vovó achar tudo normal. Nós, não! Você não é nossa Lorena! Não a queremos aqui. - Uma das bonecas falou.


– Traga nossa menina de volta! - Falou outra boneca.


– Onde ela está? - Inquiriu outra boneca.


– Acho que ... ela está no meu mundo. Isso tudo é tão confuso. Então quer dizer que o faz de conta é de verdade? E que personagens da TV viram pessoas de carne e osso? Sendo assim, meu personagem favorito poderia aparecer aqui? - Lorena perguntou às bonecas.


Como se ouvisse seu chamado, alguém mexeu no trinco da porta. As bonecas ficaram paralizadas nas cadeirinhas, mais uma vez. Lorena sabia quem era e segurou a respiração. A porta se abriu e Leon Scott Kennedy entrou. Trazia uma pistola e uma escopeta.


– Lorena! Que bom que a encontrei! Seus pais me contrataram para levá-la de volta para eles. - Ele falou grave e pomposo. Lorena sentiu lágrimas quentes escorrerem pelo rosto. Súbito um movimento nas costas de Leon a despertou de seu torpor.


– Leon, cuidado! - Lorena avisou.


No mesmo instante, Leon fez um rolamento e foi parar ao lado de Lorena, já com as pistolas nas mãos, descarregando um pente de balas em dois monstruosos zumbis. Lorena então apanhou a escopeta e ajudou seu personagem favorito a detonar aqueles seres fantásticos. Eles caíram mortos no chão e derreteram sem deixar vestígios.


– Você é boa com uma escopeta, moça. - Ele a elogiou.


– Você nem imagina. Já detonei esse jogo quatro vezes. - Ela respondeu sorrindo.


– Detonou?


– Tudo bem, é só uma expressão. - Lorena sorriu para aquele bonitão de olhos azuis e porte atlético.

Longe dali, a menina Lorena acordou em uma cama macia e enorme, em um quarto às escuras. Ela levantou-se e ficou chamando pela avó. Resolveu olhar pela janela que estava atrás de pesadas cortinas e deparou-se com o mais incrível e maravilhosos céu que já tinha visto, como se crianças houvessem derramado tinta na casa de São Pedro.


– Que maravilha! - Ela exclamou.


– Lorena, não deve abrir as cortinas! Venha, menina! Está na hora do jantar. Todos estão lhe esperando. - Uma senhora vestida de modo elegante lhe falou da porta.


Lorena fechou as cortinas e foi em direção à lamparina que aquela mulher tinha na mão. Ao chegar perto ela estacou e olhou curiosa para aquela mulher, que aparentemente não pertencia a seu mundo, mas ao mundo da outra menina, que morava ali. Será que ela a aceitaria para ficar ali?


– Você não é a minha Lorena. Sabe onde ela está?


Lorena fez que sim com a cabeça.


– Tudo bem! Venha, vou lhe servir a janta. Depois eu faço um prato para Lorena.


– Eu também me chamo Lorena, senhora.


– Oh, que interessante!


As duas foram andando normalmente, enquanto conversavam. Saíram do quarto e foram em direção à cozinha, que era muito maior do que a cozinha da casa da pequena Lorena. E graças a Deus, ali não havia personagens de desenho animado.


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