Second Chance escrita por Snow Black


Capítulo 2
Capítulo 1




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Barulho de ambulância, vozes desconhecidas e passos apressados. Sinto um cheiro - nada agradável, aliás - de hospital. Estou no escuro e minha cabeça dói. Posso sentir uma luz forte atravessando minhas pálpebras, mas não consigo abri-las.

– Carter. Aysha Carter Maktub. – escuto uma voz dizendo. E é o meu nome, embora eu prefira simplesmente, Amy. Meu avô começou a me chamar assim porque segundo ele "Aysha é um nome muito difícil de pronunciar." e quando me dei conta, Amy já era meu nome.

– Eu sou o pai dela. Richard Carter. - outra voz responde. A voz do meu pai... Não me é familiar, não o vejo há anos, mas ainda a reconheço, grave e potente.

– Me acompanhe, por favor.

Devo estar tendo algum tipo de sonho sem imagens. Bem, somente cegos de nascença têm essa capacidade (ao menos foi o que vi num documentário da Discovery Channel, tempos atrás). Possibilidade descartada. Consigo sentir meu corpo, então concluo que estou dormindo, tento abrir os olhos novamente, mas não consigo, também não posso me movimentar. Logo uma sensação de impotência e desespero toma conta de mim. Tento me concentrar, respiro fundo e consigo me levantar, me sinto bem, muito bem na verdade. Estou de frente para o médico e o meu pai, que parecem ignorar completamente a minha presença. Algo me parece estranho, sobretudo quando escuto as seguintes palavras:

– Senhor Carter, durante o acidente a sua filha bateu a cabeça e teve um trauma grave. Ela está em coma, com traumatismo craniano, e necessita passar por uma neurocirurgia imediatamente.

– Ei! - resolvo chamar atenção- isso é algum tipo de pegadinha?! – não me lembro de nenhum acidente, na verdade a última coisa que me lembro é de estar dirigindo para o aeroporto. Aproximo-me e toco no braço do médico, que não esboça reação. Consigo tocar os objetos, mas não movimentá-los, tento falar com meu pai mas ele parece não me escutar. Estou em choque, sinto um calafrio percorrer todo o meu corpo, temo pelo pior, não me viro, tentando adiar o inevitável. Fecho os olhos, respiro fundo e chacoalho a cabeça insistentemente para me certificar que se trata de um pesadelo. Ainda de olhos fechados eu me viro e entro novamente no quarto e então, abro os olhos. - Eu morri... - sussurro, como se alguém ali pudesse me ouvir.

Dentro de um quarto de hospital, está o meu corpo. "Aysha", (ironicamente no meu caso) significa "aquela que está viva”, sempre imaginei o meu nome como uma garantia de vitaliciedade, e ali estava eu, morta. Eu tinha uma teoria: independente dos assuntos pendentes se tenha na Terra, só morremos quando nos sentimos prontos, completos. Eu sei, é uma merda de teoria. E eu não me sinto pronta, nem de longe. Talvez isso tivesse a ver com outra palavra peculiar presente em meu nome, também herdada de minha família materna. Maktub, que significa “já estava escrito”. Claro, porque “Aysha” não era suficientemente embaraçoso, eu tinha que ser batizada como Aysha Maktub. Na opinião da minha mãe, um nome forte e cheio de personalidade. Na minha opinião? bem, embora a maioria das pessoas soltassem uma risada baixa ao ouvi-lo, os árabes com quem eu fechava alguns negócios constantemente, achavam-no bonito, então posso afirmar que meu sobrenome árabe servira para algo, afinal.

Então grito o mais alto que posso, tentando convencer-me de minhas palavras:

– Eu morri! Então é isso? - olho pra cima, não sei exatamente se estou me dirigindo a Deus, há muito tempo não falo com ele. - Acabou? e agora? vai ter um filme idiota sobre a minha vida e uma luz branca ? pode mandar...

– Não, você não morreu! - disse uma outra voz. Engraçado, sempre imaginei que Deus tivesse uma voz masculina... mas aquela voz era surpreendentemente familiar... a voz da minha mãe, que morreu há seis anos. (Eu sei, há algum tempo atrás eu também diagnosticaria como louca qualquer pessoa que me dissesse isso). Lá estava ela, encostada no batente na porta. Seu perfume imediatamente exalou pelo ambiente, e eu, inconscientemente sorri.

– Mamãe? - perguntei, sentindo uma alegria inenarrável. A situação me parecia absurda, e ainda acreditava que estava sonhando, mas a sensação de vê-la, mesmo num sonho, era incrível.

– Olá, querida!- falou com um doce sorriso de canto que era exatamente como eu me lembrava.

– Que saudades! - me aproximei prontamente, e a abracei por alguns segundos que poderiam facilmente se transformar em horas. Dizem que um abraço sincero tem o poder de fazer esquecer momentaneamente de todos os problemas. A partir daquele momento, eu concordei.

– Mãe, se eu estou te vendo... eu morri. Certo?

– Errado - respondeu, rindo. - Bem, mais ou menos.

– Isso não é engraçado - eu digo, com minha habitual falta de senso de humor.

– Em primeiro lugar, não sou o que você imagina. Um fantasma, espírito ou qualquer coisa do tipo, me admira você acreditar nisso a essa altura da "vida", meu bem - ela disse, fazendo sinal de aspas, e sorrindo. Logo você! Que eu me lembre a pequena Amy não acreditava nem na fada do dente...

– O meu corpo está em cima de uma cama num quarto de hospital e eu estou conversando com a minha mãe morta. Não acho que ser cética é a minha melhor opção no momento - disse, sarcástica. Tinha que parar com aquela mania de responder qualquer simples pergunta com sarcasmo.

– Boa... ! - ela respondeu, sorrindo e apontando pra mim. Mas eu não sou a sua "mãe morta", Amy - disse, fazendo sinal de aspas novamente. - Você está em coma, e como não pode interagir com pessoas vivas a sua mente faz com que você veja pessoas, inclusive pessoas que já morreram, mas elas não estão aqui de verdade.

– São frutos da minha imaginação. - concluí.

– Touché, minha cara! Você está passando por um tipo de experiência extracorpórea. Alguns pesquisadores afirmam que uma pessoa em coma pode ficar num estado consciente, ainda que não se lembre disso depois... caso sobreviva, é claro. – apertou os olhos e deitou levemente a cabeça, em complacência.

– E quais são as minhas chances de sobreviver?

– Falando como médica, o seu caso é grave e suas chances são poucas. - ela respondeu, consternada. Não era o que eu esperava e gostaria de ouvir.

– Não é justo. Isso simplesmente não é justo! - Ando de um lado pro outro do quarto - tenho tantas coisas inacabadas... eu não posso ir agora.

– Mas falando como mãe, eu tenho certeza que você vai sair dessa. - Ela se aproximou e colocou as mãos sobre os meus ombros, me olhou de um jeito terno, me acalmando. - Tudo depende de você...

– Depende de mim? Então, por favor, me diga o que eu faço para impedir a minha morte. - supliquei.

– Você deve querer ficar pelos motivos certos.

Eu perguntaria quais os motivos certos, mas ela desapareceu, à la Mestre dos Magos.

Apertei os olhos num esforço inútil de tentar recuperar a tal "imagem da minha mãe criada pela minha mente". Ótimo, era só o que faltava.

Eu sou uma alma solitária, não posso conversar com ninguém e não sei como impedir a minha morte. Não poderia ser melhor. Resolvo andar pelo hospital. Estou no Hospital de St. Mary, em Londres, cidade onde moro há oito anos. Nos corredores vazios do Saint Mary, uma senhora anda em minha direção, não me preocupo em desviar-me já que ela certamente não notará a minha presença. No entanto:

– Olá, Amy!

– Achei que a minha cota de fantasmas tinha acabado por hoje! - respondi, numa tentativa frustrada de sarcasmo, me arrependendo de ter sido áspera no momento de vi o rosto da senhora. Um pequeno e doce sorriso se abriu olhos bondosos e azuis, pele branquinha e bochechas levemente rosadas.

– Sou menos fantasma que você, querida! não esqueça que sou apenas uma imagem criada pela sua mente.

– A nossa mente não cria imagens de alguém que nunca vimos... suponho que eu a conheça... qual o seu nome?

– Não, você não me conhece... Eu sou você. Sou o rumo que a sua vida poderia ter levado.

Franzi a testa, arqueei as sobrancelhas, demonstrando não ter entendido. A senhora "Rumo que a minha vida poderia ter levado" sorriu, e fez um gesto com a mão pedindo que eu a acompanhasse, sem se preocupar em me fazer entender. Paramos em frente à uma porta.

– Aqui é a nossa primeira parada, meu bem. Pronta?

– Não...? - disse prontamente, como se a resposta fosse óbvia.

– Esse é o lugar mais importante para você e é onde você tem passado a maior parte do tempo, nos últimos anos. - explicou , apontando para a porta, como uma guia que conduz os visitantes pelos corredores e salas de um museu.

Abri a porta e entramos no meu escritório.

– Esse definitivamente não é o lugar mais importante pra mim! - protestei.

– Vejamos.

Nós nos sentamos em um banco, perto da janela, no canto da sala. Da janela podia ver que estava um dia ensolarado. O escritório ficava na City, um bairro de Londres, perto da Catedral de St. Paul. No calendário, marcava dia 21 de junho de 2014, ou seja, uma semana atrás, início do verão. Então a porta se abre. Uma "Eu" usando uma saia Gucci, casaco e bolsa Channel e os cabelos ruivos e longos amarrados num alto rabo de cavalo entra falando - gritando - ao celular.

FLASHBACK ON

– Não, eu não vou resolver nada! Eu quero esse processo na minha mesa às 7 horas. Não estou lhe perguntando se é seu aniversário de casamento, deveria ter providenciado isso antes se queria ter folga hoje.

A mulher desligou o celular e massageou as têmporas, jogando-se na poltrona de couro, ao lado de sua mesa. Segundos depois, uma mulher loira, de cabelos curtos e lisos, pele levemente bronzeada, olhos castanhos e apertados, magra e -bem - sorridente adentra o ambiente.

– Bom dia, Amy! - disse a mulher.

– Eu realmente espero que fique bom daqui pra frente, porque até agora estou tendo um péssimo dia!

– Está um dia maravilhoso. - falou sorrindo claramente por provocação - só está tendo um dia ruim porque você quer! - disse a loira sorridente, dando uma piscadela e sentando em cima da mesa de Amy.

– Lógico! Eu adoro ter dias ruins! - A outra lançou um olhar sarcástico - Levanta da mesa, Bonnie.

– Já decidiu se vai viajar semana que vem? - perguntou, ignorando a ordem.

– Eu vou, e nem adianta tentar me convencer do contrário! Já tomei minha decisão.

– Ok, não vou tentar nada. Eu sei que não adianta. - Disse, fazendo cara de entediada.

– Eu tenho que ir , não é como se eu tivesse escolha Bonnie...

– Você sabe que semana que vem é aniversário do seu pai, não é? Sábado.

– Sei. Eu vou estar viajando semana que vem.

–Você viaja domingo.

–Mas não quero ir. - Amy rolou os olhos.

–Por quê?- Perguntou, colocando as mãos na cintura.

–Você não cansa de ser chata não?

–E você nunca tem um porquê! - disse a outra, bufando.

–Eu não gosto de porquês! Dá licença, Bonnie! Tô ocupada, tá?

– Ok! - Levantou os braços.- Desculpa se eu estou tentando ajudar a minha melhor amiga.

–Desculpa. Mas não estou tendo um bom dia, e tenho vários relatórios pra entregar para o escritório de Boston.

–Se você mudar de ideia... - pegou um chocolate que ficava em um potinho, em cima da mesa e se virou para ir embora.

–Tchau, Bonnie! - Falou , sorrindo e empurrando a amiga para fora da sala.

Por um momento, Amy quis cancelar todos os compromissos para rever o pai. Porém, tinha metas a cumprir. Ela era assim, embora se considerasse, lá no fundo, uma romântica incurável, não gostava de se se sentir assim. Seu lado pragmático e perfeccionista sempre vencia, não gostava de deixar coisas pra depois, não gostava de perder um contrato e principalmente, não conseguia esquecer o orgulho. Desde pequena, queria ser como o pai, queria agradá-lo, orgulhá-lo... as coisas haviam mudado um pouco desde... aquilo, mas ainda nutria uma grande admiração pelo homem que a criara. Ele era um juiz conhecido e não foi difícil ser aceita na Universidade de Londres, Direito internacional. E embora fosse formada há pouco mais de quatro anos, também não foi difícil abrir seu primeiro escritório e ser nacionalmente conhecida. Mas ela nunca estava satisfeita, sentia um vazio, embora não admitisse, e preenchia-o com conquistas e realizações profissionais.

FLASHBACK OFF

O tempo começou a passar em uma velocidade surreal, como se a cena se passasse em câmera rápida , e conforme o relógio dava voltas completas, folhas caíam do calendário. Nesse intervalo de tempo, a "eu" entrava e saía do escritório diversas vezes , passando a maior parte do tempo ali dentro.

– E então? – a senhora sorriu, com um ar vitorioso. Parecia satisfeita, havia usado um bom recurso para provar seu argumento de que aquele era o lugar mais importante da minha vida. Tempo é uma questão de prioridade, correto? você provavelmente se esforça e utiliza a maior parte de seu tempo cuidando daquilo que mais importa pra você. Eu era obrigada a concordar.

– E agora...?- estávamos novamente no corredor do hospital. Alguns enfermeiros e médicos transitavam por ali e tudo o que eu pensava era que em um daqueles quartos estava o meu corpo, e que eu poderia morrer a qualquer momento. Senti um calafrio novamente.

– Teremos uma outra viagem. - disse, simplesmente. - uma viagem ao futuro.


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