Quase humano escrita por Scout caramel


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Quero deixar aqui um muito obrigada à Lucid, da liga dos Betas, que foi quem betou minha fic!
Esse é o perfil dela: https://fanfiction.com.br/u/188439/
Valeu, Lucid!



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Azazel pisou na areia seca e fervente, que apenas algumas horas atrás havia sido um caos. Corpos se empilhavam aos montes, uns sobre os outros, ainda portando suas armaduras e lanças quebradas, agora mais que inúteis. Seu olhar passou pelo altar vazio e esquecido, progressivamente coberto pela areia trazida pelos ventos áridos do deserto. Chutou a areia, afagando os pelos da nuca com um sorriso debochado. Ali jazia a grande criação de Deus, esperando pelos chacais e aves de rapina. Mesmo assim, não podia deixar de sentir pena da ingenuidade humana, que tão facilmente os levava à destruição. Foi assim com Eva e com Adão. Assim seria com a humanidade.

Sentou-se sobre a pilha vazia de gravetos, os olhos vazios do soldado o encarando de volta. O fracasso era o destino da humanidade, com certeza, mas e o que dizer deles próprios? A areia fervente lhe queimava os pés, mas se acostumara à sensação, a achava até um pouco divertida. Pôs os pés na base do altar, bem menos quente, sentindo-os esfriarem e uma pequena sensação de alívio através disso.

Francamente, ele se perguntava, como era possível que o Criador em pessoa nunca tivesse experimentado nada disso. Não era à toa que sempre tomava as decisões erradas, pensou. O exílio não era tão ruim, afinal de contas. Alguns homens sacrificavam-lhe bodes às sextas-feiras, em retribuição aos seus conhecimentos passados a eles, e até algumas mulheres se encantaram por ele. E quando estava só, sempre podia chamar Asmodeu e convencê-lo a pregar uma peça em alguns rabinos. Na verdade, seria ótimo pregar uma com as tropas que voltavam à Judéia. Pensando nisso, transfigurou os pés para patas de camelo e seguiu pisando sobre alguns corpos, animado com a ideia que lhe ocorrera, quando um clarão desceu, cortando os céus. Ergueu o braço um pouco abaixo dos chifres, cobrindo os olhos. Aquela claridade insuportável não poderia ser um meteoro — Teria de ser coisa muito pior, com certeza.

O clarão pousou no extremo oposto a ele, revelando-se na figura de Miguel, o arcanjo. Suas seis asas dobravam-se sobre ele, levitando-o e protegendo daquele calor infernal, diferente das suas próprias, que repousavam torcidas e quebradas sobre suas costas. Franziu os cantos da boca, relembrando com rancor daquele dia.

O arcanjo desembainhou a espada flamejante, e apontando-a em sua direção, sua voz grave e retumbante estranhamente ressoava pelo deserto: — Azazel, tu ensinaste aos homens como fabricar armas e a combater com lança, não ensinaste?

O anjo caído gargalhou incessantemente. Miguel repetiu a pergunta:

—Ensinaste tu, Azazel?

Ele parou de rir então, falando num tom condescendente: —Desculpai-me Miguel, mas porque vós falais com formalismos? Não és tu sábio como Deus? Então já sabes a resposta.

— Ninguém é como Deus.— Miguel retrucou, pacientemente: — Melhor para ti controlar a língua. Porque o Senhor é justo e misericordioso, me enviaste para comunicar que não tolerarás mais ações semelhantes. O destino dos homens pertence aos homens e vós deveis deixá-los em paz!

— Deixá-los em paz... Rá, só consigo rir de tais bobagens! Do céu, de certo, não veem o que acontece por aqui. Populações crescem e crescem e nada a não ser a morte pode controlá-las. A fome, doenças e assassinatos se encarregam dessa tarefa, mas mesmo elas não podem com esses fornicadores!

— Controla-te a língua ao falar da criação do Senhor! Bem, se vê sua culpa, tanto andas com eles que até falas como eles!

— Só fiz o que me pareceu inteligente: Dei uma maneira desses pobres diabos resolverem suas questões. Mas tenho que confessar que tive certa inspiração no Senhor para isso...

— Não foi apenas o Senhor que deu início ao Armagedon: foram vocês que seguiram-se ao lado do Dragão e definiram seu próprio destino! Agora quereis também definir o dos homens, criaturas sem esperança e sem humildade, caídos que são!

Azazel não esperou mais palavras do arcanjo: Conjurando uma espada para si próprio e patas de antílope sob seu corpo, correu por sobre os corpos, soltando um grito de fúria, a lâmina apontando para o pescoço de Miguel.

Um instante bastou para que o líder dos arcanjos se desviasse, sobrevoando-o.

Azazel ria-se, empertigado: — Desças aqui, ave arrogante! Falais alto de justiça, mas voardes como um pardal acuado!— Sentiu a espada divina descer sobre seu ombro pouco depois, e gritou num acesso de dor e fúria, encolhendo-se, segurando com força o braço inerte.

Miguel se limitou a observar a lamentação do demônio, seus gemidos que logo se transformando em murmúrios. No fundo, o maldito demônio sabia o quanto esta tarefa estava sendo difícil para ele, raciocinou.

Apesar de penalizado, o arcanjo se preparou para uma possível investida dele, empunhando a espada. E ele logo se ergueu, o braço pendurado do lado do corpo inchava-se e um par de asas deformadas e cheias de garras e penas escuras despontou do braço ferido. Proclamava seu próprio cântico amargurado, com uma belíssima voz:

What did I ever do to you

That you should treat me this way?

Is it really such a crime

For an angel to speak his mind?

Anytime I tried to shed some light

O que eu fiz pra você

Pra ser tratado assim?

É mesmo um crime tal

Para um anjo, falar o que pensa?

Toda vez que eu tentei compartilhar um pouco de luz

If I were a big boy

I wouldn't cry

But since I'm not a big boy

I'll have to cry

Se eu fosse um garoto crescido

Eu não choraria

Mas como eu não sou um garoto crescido

Eu tenho que chorar

Outrora, querubins e cupidos aglomeravam-se para ouvi-lo, agora havia apenas o arcanjo e uma pilha de corpos por plateia. Circulava próximo a Miguel, procurando roçar a ponta das asas demoníacas sobre ele, que permanecia estoico frente a isso.

What did I ever do so wrong

That you should cast me from grace

Though I love to rule in Hell here

How I miss the taste of Heaven,

Its soft and cool embrace

O que foi que eu fiz de tão errado

Pra vocês me lançarem fora da graça

Apesar de eu amar governar no inferno aqui

Como eu sinto saudades do gosto do Céu,

Do seu abraço macio e fresco

If I were a big boy

I wouldn't cry

But since I'm not a big boy

I'll have to close my eyes

And picture what it's like

Se eu fosse um garoto crescido

Eu não choraria

Mas como eu não sou um garoto crescido

Eu tenho que fechar meus olhos

E imaginar como era

Como previsto, o demônio tomou um impulso, brandindo a lâmina com chamas verdes na direção do arcanjo, entoando seu hino furioso e cheio de rancor:

I'm just like you

I'm made by He

Despised by they

I'm almost me!

I'm nearly human

Look at me!

I'm almost a human being

Eu sou igual a você

Feito por Ele

Desprezado por eles

Sou quase eu!

Sou quase humano

Olhe pra mim!

Sou quase um ser-humano

Miguel não recuou perante a abominação que se erguia sobre ele, pelo contrário; Avançou, contra-atacando os golpes do outrora anjo. A amizade entre eles era uma coisa do passado, e ele deixou isso claro com dois ou três golpes mirando a cabeça do demônio. Azazel desviou-se dele, se afastando sorrateiro no ar. Seus lamentos, porém, ainda podia ser ouvidos e Miguel se atemorizou diante disso; Não falharia, não poderia!

I'm just like you!

I'm made by He

Despised by they

I'm almost me!

I'm nearly human

Pity me

I'm almost a human being

Eu sou igual a você!

Feito por Ele

Desprezado por eles

Sou quase eu!

Sou quase humano

Ai de mim

Sou quase um ser-humano

— Cala-te, serpente! Não tenho interesse em ouvirdes! —Gritou, pressentindo o que poderia acontecer caso chegasse a lhe dar ouvidos. Rápido como um falcão, cravou a espada em suas asas, estraçalhando-as completamente, e a criatura corrompida soltou um gemido emudecido pela surpresa ao cair por terra.

A areia do deserto se agitou com o movimento, conforme o anjo caído pisava nos corpos, tentando se erguer. Miguel desceu até ele.

I still remember your light

And it was streaming down

And burning out my eyes

Ainda me lembro da sua luz

Que fluía abaixo

E queimava meus olhos

O arcanjo flutuava sobre ele. Seu olhar era misericordioso, porém rígido. Ele tinha uma missão a cumprir, Azazel sabia. Deus queria se livrar deles, queria prendê-los nos porões do planeta para toda a eternidade, como se nada tivessem sido um dia.

If I were a big boy

I wouldn't cry

But since I'm not a big boy

I'll have to close my eyes

And picture what it's like

Se eu fosse um garoto crescido

Eu não choraria

Mas como eu não sou um garoto crescido

Eu tenho que fechar os olhos

E imaginar como era

I'm just like you

I'm made by He

Despised by they

I'm almost me

I'm nearly human

Look at me

I'm almost a human being

Eu sou igual a você

Feito por Ele

Desprezado por eles

Sou quase eu

Sou quase humano

Olhe pra mim!

Sou quase um ser-humano

Num último esforço, sua mão enternecida buscou a espada de chamas verdes; Não tinha nada mais a perder. A espada deslizou a meros centímetros da canela de Miguel, cravando-se no peito de um dos soldados abaixo deles. O sangue fresco respingara do corte no humano e lhe tingia a face, mas já não mais lutava, apenas bradava em fúria:

These tears are real

I'm jealousy

I'm spite and hate

To the core I'm mean!

I'm nearly human

Look at me!

I'm almost a human being!

Essas lágrimas são reais

Sinto ciúmes

Sinto ódio e mágoa

Eu sou mau até o fundo!

Sou quase humano

Olhe pra mim!

Sou quase um ser-humano!

Ajoelhou-se; Miguel se aproximou, a espada flamejante em riste sobre o pescoço dele. O golpe fatídico não tardou, mas tampouco foi com apenas um que conseguiu. A fúria, a dor e o desespero acompanharam Azazel por mais alguns instantes, enquanto declarava:

I'm just like you

Better than He

To Hell with they!

I'm almost me

I'm nearly human

Pity me

I'm almost a human being

Sou como você

Melhor que Ele

Pro inferno com eles!

Sou quase eu

Sou quase humano

Ai de mim

Sou quase um ser-humano

Miguel só parou com os golpes quando viu a cabeça do demônio cair pesada sobre a areia. Apesar dos olhos congelados e dos lábios parados, um último apelo ainda podia ser ouvido dela:

Don't touch me, oh

I couldn't bear the thought of it, now

Don't touch me, oh

I couldn't bear the strain

Não me toques, oh

Eu não suportaria o pensamento disto, agora

Não me toques, oh

Eu não suportaria o choque

Sua cabeça decepada fitava a imensidão do fosso recém-aberto no chão logo abaixo, quente e profundo. Um último gemido, e encontrou, finalmente, a escuridão.

Don't touch me

Touch me

Touch me...


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Notas finais do capítulo

A música usada pode ser encontrada no youtube aqui: https://youtu.be/E_OWfHOHq_U

E por favor, antes de comentar, tenham em mente que isto é só uma fic, eu não sou satanista (também não tenho nada contra quem seja! Respeito todas as religiões), só sou uma escritora de fanfics que quer aprimorar a escrita e teve uma ideia que achou legal quando ouviu uma música, tá?

Então por favor, não tirem conclusões antes de conhecerem as pessoas, amores! Bjs e muita paz no coração.