O garoto da loja de CDs escrita por Padawan


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Olá, bravx guerreirx que chega! Já adianto minhas desculpas pelos eventuais erros. Espero que tenha uma boa leitura, sim? Te vejo lá em baixo!



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Preciso confessar uma coisa: eu não gosto de rock.

Vocês devem estar se perguntando então “hey, Sousuke, o que você está fazendo numa loja de CDs, parado na seção de rock?”.

Essa, sem sombra de dúvidas, é uma excelente pergunta. A resposta, porém, não é tão excelente assim.

Acontece que o cara que trabalha aqui é muito, muito gato. Wow, esse pensamento soou muito menos gay dentro da minha cabeça. Certas coisas a gente não precisa externar, não é? Enfim...

Eu, Yamazaki Sousuke, não sou de acreditar em amor à primeira vista, mas eu não sei bem o que está acontecendo comigo desde que vi o tal do Tachibana pela primeira vez. Não sei se é só atração, não sei se é obsessão (espero sinceramente que não seja), só sei que ele não sai da minha cabeça.

Ele provavelmente não faz a mínima ideia da minha existência, o que é um pouco deprimente. Não posso nem culpá-lo, sou um sujeito bastante reservado, sabem? Mas eu me lembro direitinho como foi que o conheci.

Havia prometido ao meu melhor amigo, Matsuoka Rin, que iria ajudá-lo com seu presente de aniversário para o namorado depois que saíssemos das aulas da manhã. Ele está na minha turma, cursamos direito juntos.

Nossa amizade é do tipo improvável. Eu sou o cara fechado que gosta de silêncio e paz, enquanto o Rin é a pessoa mais dramática, sensível e barulhenta que eu já conheci. Não faço a menor ideia de como foi que a gente ficou amigo, acho que eu me acostumei com o grude dele depois do terceiro ano na Universidade de Tóquio.

O caso é que eu não estava nada feliz com aquela promessa. Nem me lembrava de tê-la feito, mas óbvio que isso não era justificativa aceitável pro bebezão do Rin. Ele me arrastou pelas ruas do centro, lotadas de pessoas, mesmo sabendo o quanto eu me sinto sufocado em multidões (que pena pra você, Sousuke, porque você nasceu na porra do Japão), e pra fugir daquela massa de gente apressada eu não vi saída a não ser opinar no presente, mesmo que eu não fosse com a cara daquele namorado apático dele.

Puxei Rin pra dentro de uma loja de CDs. Pronto, super romântico, dar um CD bem meloso pro Nanase estava passando de bom.

Graças aos deuses e todos meus ancestrais ele achou a ideia boa mesmo e já foi se enfiando naquelas sessões de Celine Dion e derivados, quase me fazendo ter ânsia de vômito.

Desculpa se você curte Celine Dion, falando nisso. Eu não tenho absolutamente nada contra ela. Mas, coloque-se no meu lugar: eu estava ajudando meu melhor amigo a comprar um presente para o aniversário de namoro dele com um cara que eu não gostava. Eu, solteiro, tinha que conviver com aquele menino exagerado surtando por causa do namoro pra lá de sem graça na minha orelha dia após dia. Inclusive no dormitório, porque, claro, dividia com o Rin desde o segundo ano, ele teve alguns problemas com o primeiro companheiro e não cabe entrar em detalhes aqui.

Enfim, quando você está solteiro e convive muito com casais, ou mesmo um único casal, você começa a pegar raiva de todos os casais do mundo. Tá, tá, pode falar que é dor de cotovelo, atire a primeira pedra quem não se sentiu meio triste no dia dos namorados ou coisa assim. Vamos deixar minha inveja de lado e voltar ao tópico.

Eu não sei se tem muito a ver com isso de eu me sentir meio de fora por estar solteiro, ou se o funcionário daquela loja é mesmo muito bonito, mas sei que quando ele veio todo sorridente, com aqueles olhos verdes brilhantes piscando pra mim, perguntar se eu precisava de ajuda, tudo que consegui fazer foi murmurar um lamentável “você”.

Claro que o Tachibana – nome que eu li na placa grudada em sua camiseta desbotada do Pink Floyd – riu e fez uma cara de confusão, porque decerto pensou que eu o tinha confundido com outra pessoa. Não, cara, a gente não se conhece. Eu só te achei muito gostoso mesmo.

– Eu? – ele perguntou com aquela voz que mais se assemelhavam a canção de duzentos anjos abrindo as portas do céu.

Juro, eu olhava pra ele e conseguia ouvir Say you, say me do Lionel Richie.

De alguma forma misteriosa o bom senso me puxou pra Terra novamente e eu, um pouco envergonhado e nervoso, ajeitei meus óculos de nerd e tossi, balançando a cabeça.

– Ah, não... Desculpe, haha, é que estou com um amigo e ele tá procurando um presente... Rin!

Então eu chamei o Rin e ele ficou ocupando o Tachibana, perguntando a opinião dele sobre músicas românticas e tudo mais, o que eu duvidei muito que fosse a praia dele.

Breve resumo: ele tem cabelo castanho claro, olhos verdes – já disse isso? – e um sorriso de anjo, mas... Piercings na orelha, vários deles, usa coturno e camiseta de bandas de rock que eu não conheço – então provavelmente é um daqueles metaleiros que sempre tá de preto, faça chuva, faça sol de 48°, ouvindo as músicas pesadonas de um inglês impossível de se entender misturado com gritos –. Lá vai meu preconceito: esse cara não entende nada de músicas melosas.

Descobri que eu estava redondamente enganado. O garoto entendia de tudo, aparentemente, apresentou um monte de músicas depressivas e românticas pro Rin, perguntou as bandas favoritas do namorado inclusive, atendeu a gente tão bem que eu só pude supor que ele fosse o hétero mais mente aberta que eu tive o prazer de conhecer, ou que era gay, o que seria o equivalente uma graduação precoce com louvor na universidade de tão bom.

E eu estou na torcida pra que ele seja gay até hoje.

É isso aí, até hoje. Faz mais ou menos umas cinco semanas desde que entrei pela primeira vez na loja e eu venho aqui sempre depois da aula, religiosamente, toda terça-feira.

Já vim em horários diferentes, mais pra noite, e dei de cara com uma garota de cabelo azul tingido, cheia de tatuagens nos braços. Deduzi o óbvio, Tachibana trocava de turno com ela. Eu não sabia o horário dele em mais nenhum outro dia, como seria pra lá de estranho eu entrar e sair da loja no mesmo segundo – na minha cabeça é estranho, ok? – eu resolvi ir toda terça, mais ou menos no horário que apareci ali com Rin pela primeira vez, assim eu sempre pegava o turno dele.

Não faço nada de diferente, mas não é como se todo mundo que fosse numa loja de CDs levasse alguma coisa. É tipo entrar numa livraria ou parar pra olhar uma banca de revistas, simplesmente acontece. Você entra lá, dá uma olhada, se achar algo do seu gosto, ótimo.

Eu passei a visitar mais a ala de rock depois do nosso primeiro encontro. Acho que já decorei os nomes das músicas de um dos CDs do tal Pink Floyd e nunca ouvi nenhuma. Eu sempre me esqueço de fazer isso, contentando-me com minhas fantasias a respeito do futuro distante em que eu finalmente tomo atitude pra perguntar se aquele cara quer sair comigo. Com direito a trilha sonora de Lionel Richie na minha cabeça.

Sousuke, você é sensacional.

Começo a resmungar comigo mesmo, voltando o CD que estava nas minhas mãos para estante. Dou uma olhada na direção do balcão, pra ver se o Tachibana ainda está lá.

Não está.

Percorro a loja com os olhos, um pouco ansioso demais pro meu gosto.

– Então, hoje você vai criar coragem? – escuto sua voz atrás de mim e quase dou um pulo com o susto. Levo a mão ao peito e viro-me, precisamente cento e oitenta graus, dando de cara com a pessoa que estava procurando.

Meu Deus do céu, como ele sabe que eu estava querendo coragem? Acho que meu rosto está ficando quente. Acho que estou com as mãos geladas e suadas. Acho que vou ter um infarto.

Claro que eu dou uma resposta bem inteligente para ele:

– Que?

Minha pergunta sai com aquele tom de arrogância e autodefesa que eu detesto, mas simplesmente não controlo. Ele não parece se importar e sorri, da forma mais adorável que eu já vi alguém sorrindo, apontando com um aceno da cabeça para os CDs da banda que eu estivera espiando.

– Você sempre fica encarando esses daqui, fico me perguntando quando vai levá-los pra casa. É uma banda muito boa, sabe? – ele explica com a maior gentileza do mundo, se aproximando alguns passos.

Minhas pernas voltam a ficar firmes. Ótimo, ele não lê mentes, estou salvo. Estou muito salvo.

– Ah, claro... Eu... Acho mais fácil baixar da internet – falo antes de pensar e recebo um arquear de sobrancelhas.

Sousuke, você acabou de confessar que é a favor da pirataria pela web. Qual sua desculpa pra ficar horas aqui, parado em frente a essa estante?

Tenho vontade de dar um soco na minha cara.

Tachibana demora alguns segundos me encarando antes de soltar um riso gostoso, sinceramente se divertindo por isso. Eu quase fico agradecido a minha estupidez. Quase.

– Você é bem sincero. Pra que fica encarando eles, então? – ele pergunta sinceramente curioso, sem parecer me julgar pela confissão.

Nenhum sermão. Eu esperava um sermão.

Bem verdade, todo mundo faz isso hoje em dia, tem que ser muito fã pra ficar gastando dinheiro com CDs. Eu fico agradecido por ele não ser hipócrita e junto essa informação ao monte de qualidades, até então físicas, que arquivei no meu cérebro sobre ele. Pareço uma adolescente apaixonada de ficção americana falando de seu ídolo, não é?

Eu precisava respondê-lo, algo mais aceitável do que “fico encarando porque é a banda da camiseta que você estava usando no dia que te vi pela primeira vez”. Tudo que eu menos preciso é o cara achando que sou algum stalker maluco.

Mas, pensando bem, eu venho toda terça-feira nessa loja e fico olhando ou dos CDs para ele, ou dele para os CDs, se Tachibana tinha o mínimo de percepção já tinha notado isso. Fazer o quê, acho que já pareço um stalker maluco.

– Eu gosto dessa banda – minto, claro, com a certeza de que não seria pego na minha mentira por uma pessoa que provavelmente era fã da banda. Como será que eu passei no vestibular mesmo? Como será que minha média é uma das mais altas da turma?!

– Ah, é? – Ele parece bem interessado. Droga, droga, não me pergunte nada, por favor! – Qual sua música favorita? – PUTA MERDA!

Arregalo os olhos. Céus, estou suando outra vez. Falo a primeira música que me vem em mente, porque eu decorei mesmo os nomes das daquele CD.

– Wish you were here.

Não faço ideia de como é essa música. Não faço ideia de como é essa banda.

Pela cara dele, não era uma boa escolha. Ele me observou avaliativo, depois fez uma expressão que beirava a descrença. Acho que fui pego na mentira.

– Você começou a ouvir há pouco tempo? Essa é bem modinha. – ele comenta pensativo, virando-se de frente para a estante.

Como que as crianças de hoje em dia dizem? Poser? Damas e cavalheiros, apresento a vocês um poser. Ele é alto, tem cabelos pretos e olhos azuis. Aparentemente é um ótimo aluno de direito, sabe-se lá Deus como. Esta aqui, em pé, morrendo de vergonha.

Tenho vontade de me enterrar no buraco mais próximo. Que ideia imbecil foi essa de inventar que gostava da banda?

– Tente ouvir One of these days, é ótima. É instrumental, praticamente, mas te digo uma coisa: é do melhor álbum da banda. - Ele pega um dos CDs na estante e me mostra, sorrindo tão satisfeito por falar sobre algo que realmente gosta que eu começo a cogitar levar todos os CDs do Pink Floyd para casa.

E, não sei porquê, ele não parece me achar um otário completo.

– Praticamente instrumental? – pergunto, só pra puxar assunto mesmo porque é melhor ele continuar falando do que eu voltar a falar.

– Sim! Só tem uma frase no meio da música. – Ele toma ar e recita: – One of these days I’m going to cut you into little pieces. – E sorri aquele sorriso de propaganda de pasta de dente pra mim.

Olha, meu inglês não é dos melhores, então não sei se eu traduzi aquilo direito. Provavelmente não, imagina que uma musica considerada boa por aquele carinha de anjo fosse dizer...

– Um dia desses, eu vou te cortar em pedacinhos – ele traduz, confirmando minhas suspeitas, porque deve ter confundido minha expressão de assombro com confusão.

Alerta de psicopata, é melhor eu dar o fora dessa loja bem rapidinho. Minha boca está aberta, não sei há quanto tempo. Ele ri novamente.

– Qual seu nome? – pergunta, voltando a colocar o CD na estante e se virando para mim.

– Yamazaki Sousuke – sim, eu o respondi apesar do claro aviso de serial killer estar aceso na minha mente. Por que ele tinha que ser um maluco tão gato, pelo amor da senhora minha mãe? Minhas defesas não estão muito firmes aqui.

– Tachibana Makoto. É um prazer, Yamazaki-kun.

Ele estendeu a mão para mim. Estranho um pouco, talvez ele estivesse muito ligado no ocidente por causa das bandas pra me cumprimentar dessa forma, mas eu não ligo, realmente. É uma oportunidade única de tocar a mão dele, eu não iria desperdiçá-la.

Imaginei tantas vezes como seria segurá-la que fico com medo de ter elevado demais minhas expectativas. Depois fico com medo dele ficar com nojo da minha mão suada e gelada. Num segundo, estou debatendo internamente sobre limpar ou não limpar a mão na calça antes de retribuir o gesto. Acabo não limpando e torço pra ele não se importar.

A mão dele é surpreendentemente quente. Devia ter limpado.

– Sousuke... Sousuke está ótimo – murmuro, sentindo a garganta seca.

Desço meus olhos pelo corpo dele – sem malícia, sério – e vejo que a banda da vez é Black Sabbath. Mais uma que eu não conheço e que eu faço a anotação mental de procurar a respeito. Provavelmente vou esquecer porque eu falei com ele e vou ficar sonhando com isso a noite.

Opa, estou segurando a mão dele por tempo demais! Solto-a de maneira meio brusca e desvio o olhar da sua camiseta. Não adianta nada e ele deixa claro que sabia muito bem pra onde eu estava olhando.

– Naquele dia era Pink Floyd, não era?

– Hm? – pergunto, um tanto apreensivo, olhando-o de canto.

– Quando você veio com seu amigo pra comprar o presente - ele explica, trocado o apoio do peso de seu corpo de pé – eu estava com uma camiseta do Pink Floyd. Desde então você vem toda terça, no mesmo horário, e fica na estante onde estão os CDs dessa banda.

Meu estômago afunda uns dez metros. Acho que ele está do outro lado do mundo. Todo meu ar some e eu acho que fico pálido também, antes do sangue voltar com toda força pras minhas bochechas.

– Pensei que um dia desses você iria falar comigo, então eu esperei. – É minha imaginação ou ele está corando? – Mas não quero ficar mais sete semanas só olhando você encarar a estante de Black Sabbath de agora em diante, pensando se fala comigo ou não. – Definitivamente ele está corando. E desviando o olhar!

Ele está com vergonha. Agora não sei se o Tachibana sorridente é mais bonito que o Tachibana corado. Dá uma briga boa.

Demoro algum tempo pra processar tudo que ele falou. Ele sabia então, esse tempo todo. Ele sabia que eu ia lá por causa dele! Mas...

– Cinco – digo.

– Cinco? – ele pergunta.

– Faz cinco semanas que venho aqui.

– Oh. – Ele ri novamente, coçando a bochecha com o indicador. Eu não faço ideia do porque estou sorrindo também, estava a ponto de morrer alguns minutos atrás. – Então... Vai me chamar pra sair, Sousuke?

Um arrepio percorre minha espinha quando ele fala meu nome. Meu primeiro nome. Isso me dá o direito de chamá-lo de Makoto também, certo? Odeio formalidades mesmo.

– Você quer sair comigo, Makoto?

– Meu turno termina as seis – ele responde com uma piscadela e, definitivamente, meu estômago está de volta ao seu lugar. Pena que ele trouxe uma porção de borboletas junto consigo e elas alçaram voo.

Makoto começa a se afastar depois de me dar a informação. Eu refreio um suspiro e a curiosidade de dar uma checada na bunda dele. Lembro-me de um fato importante:

– Ah... Eu tenho que confessar, não entendo nada de rock – digo com um pouco de culpa, enfiando as mãos nos bolsos da calça.

– Eu sei – ele responde com um dar de ombros.

Novamente estamos os dois sorrindo. Óbvio que ele sabia. E ele não se importa se eu gosto ou não de rock’n’roll. Amo-o mais ainda por não se importar.

Amo?

Ah, sim. Talvez eu acredite em amor à primeira vista.

Acho que essa noite eu vou ter mais com que fantasiar do que um simples aperto de mão.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler! Por favor, não deixe de comentar, críticas, sugestões, elogios, tudo bem-vindo. :3