Shadow aproveitava os muitos – que rapidamente se tornavam poucos – momentos em que ficava sozinho para ficar no galho de uma alta árvore, à sombra, para dar atenção aos seus pensamentos e os deixá-los em ordem. E lhe repreendiam muito por isso.

Talvez, porque sabiam muito bem que pensar demais nunca seria uma boa solução, e Sonic era uma prova viva disso. Não pensava duas vezes antes de partir para cima de quem quer que fosse para salvar alguém, ou se entreter com uma aventura arriscada. E ele tinha tudo. Tinha uma boa casa, ótimos amigos e habilidades invejáveis. Ao mesmo tempo que as pessoas o idolatravam por sua popularidade, elas as invejavam também. Ele era o herói.

E Shadow? Era a forma de vida suprema, um imortal fadado a viver o resto de uma eterna vida em amargura e sofrimento, enquanto seu passado se tornava uma pedra em seu sapato. Negava toda a glória e atenção que as pessoas lhe davam, deixando as pessoas com uma imagem sombria sobre o ouriço, o que as deixavam cada vez mais afastadas. Mas ele tinha poder. Claro que tinha. Poderia destruir uma ilha inteira se quisesse. Não. Não só poderia acabar com uma ilha, como um país, um planeta inteiro.

Mas ele sentia que seus poderes seriam muito mais úteis se eles não só destruíssem.

Pressionou fortemente seus olhos e suspirou. Embora sua expressão facial não demonstrasse, sentia dor. Não conseguira nem discutir consigo mesmo sem se ferir emocionalmente.

Apalpou as laterais de seu corpo vagarosamente até encontrar o que queria. Abriu os olhos e fitou sua mão esquerda. Lá estava a fonte de seu grande poder. Uma Esmeralda do Caos, da cor de um verde profundo e doentio, emanava poder por entre seus dedos. Mas junto com o poder também vinha fúria, vinha decepção. Já estava farto daquilo tudo.

Trincou os dentes. Com os olhos fechados, jogou a esmeralda o mais longe que conseguiu, colocou as mãos sobre as orelhas e as apertou, se encolhendo cada vez mais. Estava furioso, e esse momento estava sendo estranho para ele. Raramente perdia o controle daquela maneira, mas não esperava outra coisa, estava extremamente confuso. Estava confuso sobre sua capacidade, sua importância.

Sentia o barulho da grama, e também sentia uma leve brisa tocar seu corpo negro, mas nada lhe importava naquele momento. O poder, que antes havia sumido estava estranhamente de volta e naquele momento decidiu que não iria mais se importar com isso, abrindo seus olhos e levantando a cabeça como forma de demonstrar que suas palavras não iriam ser em vão.

E lá estava aquele ouriço flutuando a sua frente, com os espinhos platinados levemente se movendo de forma rebelde por conta do vento, os olhos dourados lhe observando com neutralidade, assim como seus lábios, que estavam sérios até alguns segundos atrás, antes de se repuxarem em um sorriso tênue, enquanto com a mão direita estendida apoiava aquilo que estava com tanta, mas tanta vontade de destruir. Shadow esperava ele abrir a boca e falar alguma coisa, mas nada aconteceu. O ouriço negro suspirou e ignorou a Esmeralda do Caos, deixando com que obrigatoriamente o outro ouriço guardasse a pedra consigo.

— O que você quer, Silver? — Perguntou sem paciência. Não queria que o ouriço prata o visse nessa posição que ele estava. Parecia tão fraco, impotente. Não era aquela imagem de superioridade e de seriedade que Silver tanto via na forma de vida suprema, e isso só fez o ouriço do futuro se preocupar ainda mais.

— Vi você saindo, — Comentou Silver, indiferente — achei que precisasse de uma companhia.

— Mas eu não preciso, nunca precisei, — Retrucou, rude — já pode ir embora.

— Wow, não precisa ser tão frio, — Alertou Silver, flutuando ao seu lado esquerdo, o mais próximo que conseguia — mas eu preciso de uma, — Disse, cruzando os braços e sorrindo em desafio — e vai ser você. — Impôs. Que carinha mais irritante.

Shadow grunhiu, derrotado, enquanto o outro comemorava por dentro. O ouriço negro ficou apenas quieto, junto a Silver, que se encontrava no mesmo silêncio. Ambos sentiam uma aura tensa que se formava entre os dois, mas o ouriço prata foi o único que pensou em tentar consertar isso, já que o ouriço de madeixas vermelhas não parecia nem se importar com sua presença, o ignorando completamente.

Shadow é muito estranho.

— O que houve contigo? — Silver arriscou perguntar, sendo recebido com um olhar cortante do outro ouriço, que fez seu estomago gelar, antes de sentir seu coração bater forte de medo. Péssima pergunta.

— Não precisa agir como se importasse — Disse frio, enquanto olhava para outro ponto do ambiente.

Ficaram longos minutos em silêncio, com um Shadow impaciente e um Silver temeroso. O ouriço prata estava com medo do pior, de que o outro lhe distribuísse socos no meio da cara, o matasse, ou pior ainda: que deixassem de ser amigos. Ou pelo menos, achava que eram amigos. Já lutaram em parceria algumas vezes e a maioria delas, Sonic estava no meio. Embora Shadow discutisse muito com o ouriço azul eles continuavam a agir como a boa dupla que eram. Será que se Sonic não participasse daquilo tudo, o alvo de todas aquelas brigas seria Silver? Eles ainda manteriam algum contato?

— Mas eu... — Começou o diálogo, puxando convicção do além para que pudesse continuar a falar. Não podia se demonstrar temeroso, não agora — eu me importo com você.

Shadow soltou uma risada cheia de escárnio e olhou para Silver com uma linha séria imposta nos lábios. Achou que Silver estava brincando, mas viu que não estava assim que uma expressão furiosa se apossou de seu rosto

— Do que você está rindo? Estou falando sério!

— Não seja ingênuo, Silver, — Shadow começou a falar — você acha que se importa comigo. Ninguém se importa com algo inútil. — Desabafou, e, raciocinando o que disse, ficou surpreso. Não sabia se estava sendo modesto demais, ou verdadeiro demais. Mas a questão era que ele estava muito estranhamente abalado por algo para ter razão em alguma coisa, mas Silver não percebeu isso.

O ouriço prata ficou extremamente com raiva de Shadow. Não sabia que era possível, até agora, ficar furioso com alguém que não fez algo para com ele, mas sim, que fez algo com ele mesmo. A vontade que sentia era de dar um ou dois tapas certeiros no rosto daquele ouriço estúpido para ver se ele parava se ser tão pessimista, mas se conteve.

Silver estava flutuando e se afastando cada vez mais de Shadow, e o ouriço negro finalmente se sentiu um pouco melhor. Estava sozinho agora. Mas, também, estava se sentindo um pouco vazio. Detestava admitir, mas a companhia do ouriço prata não estava tão ruim quanto aparentava ser. Se tivesse sido menos rude, talvez ele...

Shadow não pode completar seus pensamentos assim que sentiu braços velozes entrelaçando seu corpo e o empurrando para fora do galho aonde estava escorado e, quando sentiu que seu encontro ao chão seria iminente soltou um grito de susto, mas viu que gradativamente ia se afastando do local que estava. Olhou para cima e viu Silver, sorrindo marotamente enquanto o levava para cada vez mais longe do ponto aonde se encontrava com o ouriço negro.

— O que você está fazendo? — Exclamou Shadow, raivoso, e com as pálpebras fechadas por conta do vento forte que estava deixando seus olhos ardentes. Sabia que estava sentindo a sensação de que aquela conversa ainda não havia acabado, só não esperava que seria dessa forma.

— Vou te mostrar que você não é inútil, como você acha que é. — Disse Silver, dando uma forte ênfase para a palavra “acha”. Shadow não se debateu, ou discutiu. Não tinha muita coisa que pudesse fazer. Já estavam alto demais para que ele pudesse calcular alguma forma de sair ileso daquela situação, então deixou-se levar.

Sentiu a brisa gelada tocar-lhe os pelos e espinhos enquanto estava além dos limites do chão. Muitos gostariam de poder ter essa sensação também, mas Shadow não se importava. No céu ou no chão, ainda não conseguia se sentir satisfeito consigo mesmo, e talvez fosse isso que importava agora.

Shadow pode perceber uma leve diferença na direção que estavam tomando, mesmo de olhos fechados. A sensação era Silver estava descendo, mas essa sensação parou assim que o ouriço do futuro parou de descer e continuou a flutuar no caminho que almejava, deixando Shadow levemente confuso.

— Pode abrir os olhos por favor? — Silver pediu calmo, com um sorriso terno pintado em sua boca. Shadow levemente abriu os olhos, mas os semicerrou assim que sentiu o vento seco invadir seus olhos úmidos.

Mesmo os olhos estando cerrados ainda conseguia ver. Ver as pessoas que se encontravam lá em baixo, que riam e se divertiam. Também conseguiu ver as flores, as árvores e a grama verde. Viu os animais terrestres correndo em busca de alimento. Conseguiu ver as aves que contornavam o ar com suas asas. Conseguiu ver vida.

Assim que Silver decidiu pousar, Shadow teve tempo para tentar entender o objetivo do ouriço futurista. Qual era o significado de tudo aquilo? Por que aquelas vidas, todas felizes, representariam sua utilidade naquele lugar? Ele não era vivo, ou, pelo menos, não se considerava como.

O barulho da grama sendo esmagada diante dos seus pés foi ouvido e, assim, percebeu que já estava em solo firme, assim como Silver, que sorria calorosamente para tudo que olhava naquele lugar no qual julgava maravilhoso. Shadow sentiu seu coração se aquecer dentro do peito assim que olhou para o sorriso de Silver. Ele queria saber o porquê.

— Shadow, — Começou Silver, tentando buscar as palavras certas, enquanto perambulava inquieto pelo gramado — olha, eu não sei o que seria do meu futuro hoje se você não tivesse me mostrado a verdade, se você não tivesse ajudado eu e Sonic a derrotar Mephiles, — Suspirou envergonhado. Não sabia como iria transmitir a mensagem — Shadow, acho que se não fosse por você, esse lugar não estaria como está hoje. Feliz. Vivo, — o ouriço prateado virou-se, ficando face a face com Shadow, o olhando fixamente em seus olhos de rubi — e nem o futuro estaria como ele vai estar daqui a duzentos anos...

O ouriço negro apoiou suas mãos no ombro de Silver, que curvou um pouco a cabeça e fechou os olhos de modo forte por conta do susto. Assim que o ouriço prata levantou a cabeça e tirar sua posição de defesa, foi logo surpreendido pelo calor que tomou seu corpo e o confortante aperto que sentiu depois.

Shadow estava o abraçando.

Foi uma surpresa para Silver. Afinal de contas, era Shadow, uma das pessoas mais frias que já havia conhecido, aquele que não media esforços para afastar as pessoas de seu caminho. Admitiu a si mesmo que estava gostando do abraço. Lhe era quente, confortável. Mas também tinha medo. Medo de que o ouriço negro o soltasse e começasse a bater nele até não poder mais, porque era isso que sempre esperava de Shadow o Ouriço.

— Obrigado, Silver... — Sussurrou a forma de vida suprema, desvencilhando do abraço e segurando os ombros do ouriço prata para fixar seus olhares — muito obrigado, mesmo.

Agora o cérebro do ouriço futurista deu pane. Aquele era mesmo aquele ouriço assustador e extremamente perigoso que todos comentavam?

— Não estou te reconhecendo mais... — Confessou Silver, com as bochechas róseas. Achava que ele e Shadow estavam com os rostos pertos demais.

— E você vai se esquecer de quem eu sou se te fizer uma coisa? — Perguntou.

Silver não havia entendido, e, quando foi abrir a boca para perguntar do que ele estava falando, seus lábios foram tomados por outros ainda mais calorosos. Foi tão rápido, que não deu tempo nem de pensar sobre o que estava acontecendo, se deixando levar pelo calor do momento e por seus sentimentos.

E ficou assim. Os lábios não se moviam, estavam estáticos. Silver não estava entendendo. Seria ele o responsável pelo próximo passo? Mas estava com vergonha. Vergonha de errar, de Shadow não gostar e rir dele até sua próxima geração, ou talvez até ser finalmente espancado até a morte, coisa que ele já estava prevendo desde que começara a conversar com o ouriço. Temeroso, o ouriço prata fechou levemente os lábios para começar os movimentos. Shadow o acompanhou, sentindo Silver tremer em seus braços. O ouriço negro começou a apalpar levemente o corpo de Silver, enquanto o mesmo colocou as mãos nos ombros do parceiro, se apoiando por ali.

Shadow, sentindo algo gelado e brilhante lhe tocar os dedos, sorriu. Estava sentindo aquele poder de antes, mas não vinha acompanhada de tudo que era de ruim para si. Graças a Silver, talvez começasse a perceber seu papel naquele lugar. E os sentimentos de ódio e decepção consigo mesmo deram lugar a outro, deu lugar a felicidade, a satisfação.

— Chaos Control — E, num piscar de olhos, Shadow não estava mais lá, e Silver, já sem nenhum apoio para se sustentar, acabou caindo no gramado verde do local.

E Silver sorriu. Sorriu, porque embora Shadow tivesse o abandonado naquele momento, sabia que tinha feito a coisa certa. Sentia que o ouriço negro finalmente entenderia para o que veio, que tinha conseguido enfiar alguma coisa naquela cabecinha fechada que ele sempre teve.

E sorriu, porque conseguiu provar que Shadow não era inútil, como ele achava que era.

FIM.