Amor é Um Jogo de Azar escrita por Christine


Capítulo 4
Cuspe e toalhas caídas




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Ron estava furioso. Estressado. Homicida. A mão que segurava a toalha molhada tremia de vontade de pegar o pescoço de Malfoy para quebrá-lo e depois jogar o corpo pela janela. Sua raiva era tão óbvia que Draco achou melhor parar de lamber a colher suja de sorvete, por precaução.

Ron sempre soube que era desorganizado e convivia bem com isso. Mas, com Malfoy vivendo debaixo do mesmo teto que ele, acabou fazendo uma descoberta: ele odiava outras pessoas desorganizadas. Melhor dizendo, ele odiava pessoas que o tratavam como se ele fosse o elfo que arrumava as coisas pela casa.

Durante aquela primeira semana, Malfoy, na condição de desocupado, sequer se preocupara em ajudar ou arrumar qualquer coisa que fosse. Ao contrário, somente aumentava o caos com roupas jogadas, escova de dente molhada na pia, banhos que demoravam uma hora e quinze minutos e, o motivo que provocara a implosão de Ron naquela manhã, toalhas molhadas atiradas pela casa. Ron acabara de pegar uma de cima do sofá e foi para a cozinha para gritar com Malfoy quando estacou na porta e teve seu início de colapso nervoso.

A cozinha estava um caos, com louça acumulada de no mínimo dois dias na pia, mas isso já era comum. O que estressou Ron de verdade foram os potes de doce abertos em cima da mesa e, espetado em cada um deles, uma colher diferente, enquanto Malfoy lambia uma colher suja de um pote recém-aberto de sorvete.

Naquele momento, aconteceu o rompimento. A sensação de raiva e impotência em relação a Malfoy ali foi pelos ares, deixando uma pura irritação para trás. Ele ia ver só, pensou Ron, enquanto largava a toalha no chão e atravessava a cozinha em direção a Malfoy, quem não teria coragem para expulsá-lo agora. Puxou Malfoy pelo braço, fazendo um pote de doce se desequilibrar e se esparramar na mesa.

"QUAL" – berrou ele, agarrando Malfoy pelos dois braços com força – "É A PORRA DO SEU PROBLEMA?"

Draco ficou olhando para ele, espantado e sem conseguir responder, com a cara cheia de salpicos de cuspe. Ron o soltou e deu alguns passos para trás, respirando com força, com a razão retornando a sua cabeça enquanto recuperava a calma.

"Escuta, Malfoy" – começou ele – "eu quero te colocar para fora daqui nesse momento. Odeio você e você demonstra que corresponde isso destruindo minha casa, mas" – continuou ele, ignorando uma tentativa débil de interrupção – "você tem um bebê, está falido, Harry sumiu e eu acho que ele não gostaria que eu te deixasse passando fome. Então, você está ficando aqui, mas eu juro, seu desgraçado, que se você continuar me sacaneando assim, eu ponho essa sua cara de doninha na rua."

Draco arregalou os olhos. Abriu a boca uma, duas, três vezes para exprimir algum pensamento inteligente, mas sua mente se tornara um grande vazio. Depois de confirmar que sua mensagem havia sido bem entendida, Ron saiu da cozinha, apanhou a pasta e saiu pela lareira.

Draco demorou até recobrar perfeitamente as faculdades mentais. O choque de perceber que Weasley dera um sermão nele só era menor do que a percepção de que ele estava falando mortalmente sério. Havia sido divertido brincar com a paciência de Weasley, mas ele atingira um ponto de fissão crítico. Ele tinha que se segurar ali, nem que fosse por...

Virou-se para a pia, engolindo em seco ao encarar toda a louça acumulada. Pegou a varinha do bolso do robe e murmurou um feitiço de limpeza, mas os pratos apenas levitaram no ar por alguns segundos antes de caírem com estrondo de volta na pia.

E pensar que estivera tão feliz poucos minutos antes, quando era só ele e os doces, pensou ele, dando um suspiro vergonhosamente alto e se esticando para pegar a esponja. Com a moral na sola do pé, arrumou a pia, guardou os potes e catou suas coisas pela casa antes de se arrumar e sair pela lareira.

Ele tinha um encontro marcado.


 

Draco demorou cinco minutos para perceber que o medibruxo o estava paquerando. Em condições normais, seriam cinco segundos, já que mal ele entrara e o homem já o analisara da cabeça aos pés, com más intenções brilhando por trás dos óculos, mas Draco ainda estava aturdido pela descoberta de que era o mais novo elfo doméstico de Weasley. Assim que percebera, porém, ele dera algumas respostas atravessadas e se manteve de cara feia durante todos os exames, mas isso aparentemente não desencorajara o determinado Dr. Hall.

"Então, Sr. Malfoy" – começou ele, depois de fazer algumas anotações - "poderia me dizer quem é outro..."

"Não acho que seja necessário."

"Sr. Malfoy, creio que..."

"Acho que você tem que me informar sobre a saúde do meu filho, não sobre o que você crê ou não."

O sorrisinho do desapareceu rápido como se ele tivesse levado um soco.

"Certo" – disse ele, desconcertado, mexendo nos papéis – "vamos aos resultados."

Inconscientemente, Draco se endireitou na cadeira.

"Eu diria cerca de cinco meses, mas o seu caso é difícil de precisar."

levantou os olhos dos papéis com um sorrisinho no rosto, e Draco soube que havia um problema.

"Difícil?"

"Veja, Sr. Malfoy" – começou o homem, com cautela, se inclinando sobre a mesa – "eu não posso ter certeza de nada por enquanto. Se for um alarme falso, seria inútil avisar antes. Ao contrário, poderia ter efeitos negativos, visto a sua condição."

"Não estou entendendo."

"A magia de uma criança" – começou o medibruxo após uma leve hesitação – " começa a se manifestar, se existir, em algum momento do quarto mês. No seu caso..."

Num breve instante de histeria mental durante outra pausa, Draco quase conseguiu ver a palavra aborto escrita sobre a cabeça dele.

"... ela está desregulada." – e, antes que Draco falasse algo, acrescentou – "Níveis muito altos."

A palavra desapareceu no ar em uma piscadela e Draco voltou a encarar o medibruxo. O bebê tinha magia, então. Tentou se tranqüilizar, mas o sorrisinho do médico voltara.

"O que está acontec..."

Um apito agudo cortou a pergunta ao meio. Sobressaltado, Draco olhou para trás a tempo de descobrir que vinha de um relógio de acabara de bater três horas. Quando voltou a posição normal, o sorrisinho do Dr. Hall aumentara ainda mais.

"Vejo que nosso tempo acabou."

"O senhor ainda não..."

"Eu sei, mas só será possível confirmar minha hipótese com um exame mais detalhado." – explicou ele, com algo de predatório do sorriso, enquanto puxava uma folha de pergaminho – "Estou ocupado, mas poderíamos marcar um horário para daqui a duas semanas, se for conveniente."

Draco mal podia acreditar no seu azar.


 

Draco não queria ver Weasley sem roupa. Até aquele dia, ele nunca imaginara Weasley como veio ao mundo. Não, mentira. Ele queria ver e imaginara. Nas últimas semanas, aliás, refletiu ele, sentado no sofá, a coisa mais próxima de uma vida sexual que ele tivera fora justamente imaginar Weasley sem roupa.

Ao contrário do que ele próprio esperava, Draco acabou permanecendo ali, mesmo tendo que arrumar o apartamento, mesmo com o tédio e mesmo sem ter outra companhia a não ser Weasley, que se mantinha retraído e alerta para qualquer coisa que ele fizesse, como se ele fosse provocar uma explosão ou iniciar um duelo a qualquer momento. Porém, a medida que os dias foram virando semanas, ele começou a relaxar em alguns aspectos. Entre eles, parar de carregar a varinha com ele pela casa e, o mais causou efeitos em Draco, começou a andar sem roupa.

Na verdade, não era exatamente sem roupa, mas, na primeira vez que viu, Draco ficou chocado (ou pensou que ficou), porque era menos do que estava acostumado a ver. Ele sempre o vira vestido com o uniforme de Hogwarts, ou então com roupas comuns que cobriam o corpo todo, mas nunca tivera a visão dele sem camisa. Quando ele já se recuperava desse choque, Weasley apareceu para tomar café na manhã seguinte com camisa, mas, em compensação, estava só de cueca, e a vista das suas coxas quase deu a Draco uma síncope cardíaca. Com o passar dos dias, ele foi se acostumando a isso. Até demais.

Não demorou muito e o hábito virou apreciação. Draco começou a ficar mais tempo do que o necessário observando os músculos dele enquanto tomava café e refletindo porque o quadribol também não dera a ele próprio resultados tão bons nesse aspecto, ou então espiava as coxas dele por cima da revista que fingia ler esparramado no sofá enquanto Weasley andava de um lado para outro na sala, procurando algum pergaminho importante e reclamando do calor. Ao mesmo tempo em que essas observações viravam um costume tão entranhado nele quanto as duas xícaras de café que tomava toda manhã, ele procurava se justificar. Ele não estava interessado em Weasley. O que acontecia é que ele não transava havia quase seis meses, e, como Weasley era o único ser humano interessante, fisicamente falando, que passava perto dele, era natural que ele ficasse observando e pensando como seria se ele não estivesse com roupa nenhuma. Era humano. E, além disso, ele nunca ficara excitado com aqueles exercícios mentais. Não muito, pelo menos.

Então, o acontecimento fatídico. Naquela manhã, ele entrara sem bater no quarto de Weasley para perguntar onde estava sua toalha. Draco costumava bater – não queria um motivo idiota para ser expulso, se Weasley estivesse de mal-humor -, mas naquela manhã, ele não bateu porque estava irritado com o seu cabelo sujo, e quando ele ficava irritado, ele se sentia muito tentado a fazer coisas igualmente irritantes para os outros. Então, Draco entrou e porta rangeu alto quando foi aberta, fazendo Weasley, que estava no meio do quarto, se assustar e deixar a toalha que segurava ao redor da sua cintura – a única coisa que vestia – escorregar dos seus dedos e cair no chão.

E Draco viu tudo. Seu cérebro virou uma massa cinzenta inútil enquanto seus olhos esquadrinhavam cada detalhe da pele e os desenhos que as sardas formavam, antes de se concentrarem numa veloz gota d'água que caíra do cabelo molhado para o ombro, e daí deslizar pela barriga até...

Depois de alguns santos segundos de paralisia, Weasley recuperou os movimentos e pegou a toalha do chão, enquanto berrava para Draco sair dali. Ele obedeceu e sentiu uma lufada de ar quando Weasley fechou a porta com força às suas costas. Desde então, ele estava sentado no sofá, e seu estado pensativo só sofreu um abalo quando Weasley passou por ele, corado e pisando forte, e sumiu pela lareira.

Não era só resultado da abstinência forçada. Depois daquela visão, ele ficara excitado demais para se convencer com aquela hipótese. Além disso, se ele não estivesse interessado em Weasley, ele não teria tido uma vontade quase incontrolável de partir para cima dele e derrubá-lo em cima da cama. E não era para brigar.

Suspirou e deixou a cabeça cair para trás. Mais um problema para ele. Além de falido, sem-teto e quase pai de um bebê cujo outro pai estava desaparecido, ainda teria que lidar com sua nova e efervescente tesão por Weasley.

Maravilha.

Endireitou-se no sofá e tentou combater aquela sensação horrível de impotência. Ele não poderia fazer nada a respeito da falência nem do sumiço de Potter. Era tarde demais para fazer qualquer coisa a respeito do bebê. Já Weasley... bem, ele podia fazer algo a respeito. Ele era bonito, e achava que suas capacidades de sedução ainda continuavam muito boas, obrigado. Certo, ele tinha aquele pequeno problema do bebê, mas não era nada que alguma criatividade não solucionasse. Sentiu sua auto-estima subir e se levantou do sofá, pensando se aqueles biscoitos de chocolate do armário da cozinha já haviam acabado.

Ele só precisava de uma chance, pensou.

Só uma chance.


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