That summer morning escrita por Kim


Capítulo 1
Sister


Notas iniciais do capítulo

Tive essa ideia bem do nada, e sinceramente espero que vocês leitores gostem. Desde já, obrigada por ler.



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Era manhã de verão, comecinho das férias de dezembro.

Eu, um garotinho com seus sete anos de idade, chutava pedrinhas na calçada, na porta da minha casa. Sozinho, não sabia bem o que fazer. Eu tinha amigos, sim, não era uma criança que não socializava. Mas não tinha uma pessoa tão próxima. Que eu pudesse brincar, mas que, além disso, a gente se ajudasse. Uma pessoa que não fosse gente grande para me proteger, e eu proteger também. Alguém com quem só eu pudesse implicar, porque não seria de maldade.

Resumindo a história, eu queria muito ter um irmão, ou irmã.

Sentei no meio fio, apoiando as mãos na calçada. Dei uma olhada para o céu, colocando a mão em cima dos olhos para que o Sol não ofuscasse minha visão. Uma brisa fresca atingia meu rosto, e eu estava tão distraído que nem notei sua aproximação até que ela parasse bem ao meu lado.

– Oi!

Olhei para o lado e fui surpreendido pela súbita presença de uma menina que aparentava ter a minha idade, agachada ao meu lado. Ela deu uma risadinha quando levemente pulei de susto, e sentou-se junto a mim no meio fio.

– Oi – respondi, um pouco hesitante.

– O que está fazendo aqui na calçada? – ela perguntou, inclinando um pouco a cabeça, seus olhos cor de mel me encarando com curiosidade.

– Olhando o céu. – falei, sinalizando com uma mão. – Você sozinha também? – eu quis saber, observando que não havia outras pessoas na rua.

sim – ela confirmou, baixando a cabeça e suspirando – Qual é seu nome? – a garotinha voltou a olhar para mim.

– Nathan. E o seu?

– Aisha. Mas me chame de Shi. Vou te chamar de Nate. – ela sorriu, e eu sorri de volta. Então voltei meu olhar para o céu e apontei uma nuvem.

– O que acha que parece? – questionei-a.

– Hmm... – ela colocou o dedo indicador sobre a boca, com uma expressão pensativa – Uma ovelha! E aquela? – Shi apontou outra nuvem.

– Acho que parece uma árvore.

Ela riu e concordou, então eu mostrei outra nuvem. Seguimos assim a manhã toda, até que minha mãe apareceu na porta de casa e me chamou para almoçar.

– A Shi pode almoçar com a gente? – pedi, fazendo aquela expressão de ‘Por favor, por favorzinho’. Apresentei minha nova amiga para mamãe e, depois de pedirmos autorização da mãe dela, fomos juntos para a minha casa.

Shi passou o resto do dia na minha casa, e foi uma tarde memorável. Descobri que compartilhávamos do vício por HQs e lemos toda a coleção de gibis que eu tinha na época. Também brincamos com aqueles bloquinhos de montar e construímos toda uma fortaleza, deu até dó de destruir tudo para guardar.

No finzinho da tarde, voltamos para a calçada na porta de casa, porque ela queria ver o pôr-do-sol. Ficamos em silêncio enquanto o horizonte se tornada laranja, rosado, e então ia escurecendo. Quando as estrelas começaram a aparecer, pouco a pouco no céu, ela se virou para mim.

– Hoje foi bem divertido, né?

– É. A gente podia brincar de novo amanhã. – comentei, no fundo esperançoso.

– Sim! – ela sorriu. Então, assumiu uma expressão séria. – Quando eu te vi aqui na calçada mais cedo, você parecia chateado. Por quê?

– Ah – torci as mãos e olhei para o chão – É que eu estava sozinho e pensando que seria muito legal ter um irmão ou irmã. Muitos colegas meus tem. Até o papai e a mamãe tem, os tios.

– Eu também não tenho irmão nem irmã – ela contou. Subitamente seu rosto se iluminou com uma ideia. – Nate, quer ser meu irmão?

– Eu posso? – eu sorri, sem conseguir conter a animação infantil que a sugestão me trouxera.

– Pode sim! A gente pode ser irmãos de famílias diferentes. A gente pode brincar um com o outro e sempre ir à casa um do outro. E cuidar um do outro também, porque é isso que irmãos fazem, não é?

– Sim! – eu ri e estendi a mão – A partir de agora somos irmãos, né?

– É! – ela apertou minha mão e riu, soltou-a e me deu um abraço. – Gosto de ter um irmão. –

– Gosto de ter uma irmã. – respondi, porque não poderia ser mais verdadeiro.

Desde aquele dia, só nos aproximamos cada vez mais. Passamos as férias todas nos vendo frequentemente, até que a família de um se habituou à constante presença do outro na casa.

Para a nossa grande felicidade, descobrimos que ela estudaria na minha escola, e quando o ano letivo da nossa 2ª série (atual 3º ano) teve início, estávamos na mesma turma. Mesmo que tenhamos feito outros amigos, muitos eram amigos em comum, e sempre nos mantivemos próximos, fosse na escola ou fora dela. Alguns colegas que não nos conheciam muito chegavam a pensar que realmente fossemos irmão, já que compartilhávamos de algumas características físicas, como o cabelo, e nos referíamos um ao outro como irmão e irmã mesmo.

Shi tinha mais facilidade na escola do que eu, e tinha paciência o suficiente para me ajudar com tarefas que eu não entendia, ao menos na maioria das vezes. Por outro lado, eu sempre dava uma ajuda para ela em tudo que se referia a desenho e trabalhos manuais, como colagens e maquetes, ou mesmo brinquedos com os quais gostávamos de brincar, como uma pipa. Costumávamos ir numa praça grande, perto de nossas casas, com alguns colegas, para empinar pipa todo domingo, porque lá não tinha perigo. Também brincávamos com as bonecas dela, mas não simples brincadeiras de casinha ou algo assim. Criávamos histórias dignas de roteiro de cinema.

A 3ª série (atual 4º ano) não foi muito diferente. Apesar de que meninos e meninas costumam se estranhar um pouco em certa idade, continuávamos próximos e tudo ia bem. Discutíamos às vezes por algumas bobagens, o que é bem normal, mas nada sério. Diziam que brigávamos que nem irmãos, e Aisha sempre respondia da mesma forma: “Mas isso é porque nós somos mesmo irmãos”.

A 4ª série também foi ótima, e por mais que crescêssemos e começássemos a ‘amadurecer’, nossa relação não mudou. Olhávamos para as crianças mais novas e nos sentíamos tão grandes, mas éramos tão pequenos comparados aos alunos do Fundamental II, sem falar no colegial. Ainda bem que éramos crianças espertas. Nunca desejamos crescer antes do tempo, por isso soubemos aproveitar tudo. Quando chegou o fim do ano, veio a formatura: encerrando o Fundamental I. Costumávamos imaginar como seria engraçado ter aulas com vários professores diferentes. Tudo era impressionante e animador para nós.

Até que chegou aquela manhã de verão, no comecinho das férias de dezembro.

Eu estava sentado na calçada em frente à minha casa, como de costume, tentando fazer um aviãozinho de papel decente.

– Nate? – ouvi sua voz me chamar. Mas havia algo errado. Ela não soava feliz.

Virei-me para ela, que sentou-se ao meu lado, e assumi uma expressão preocupada.

– O que foi, Shi?

Ela brincava com as pontas do cabelo castanho, e tinha um leve sorriso no rosto. Mas não era aquele costumeiro sorriso alegre.

– Maninho... – ela começou, parecendo não saber exatamente o que dizer – Eu vou me mudar.

Eu a encarei por alguns segundos, confuso.

– Como assim, se mudar?

– Mudar de cidade. Pra uma cidade bem longe, por causa do trabalho do papai. – Aisha explicou, seus olhos cor de mel começando a ficar marejados. Vê-la a ponto de chorar me partiu o coração.

– Não é pra sempre, é? – perguntei, tentando pensar em como consolar minha irmã, e como consolar a mim mesmo. Eu não queria perde-la.

– Não, não. Isso é muito tempo. – ela balançou a cabeça, enxugando os olhos com as costas da mão e dando um pequeno sorriso. – Eu vou voltar um dia. Eu não sei quando, mas sei que vou.

– Promete? – dei meu melhor sorriso animador numa tentativa de reconforto.

– Prometo. – ela assentiu, séria por um segundo, e então duas fitinhas azuis do bolso do short, e fez sinal para que eu estendesse o braço. Então, amarrou uma das fitinhas em meu pulso, tomando cuidado para não apertar demais, e deu um nó. – Prontinho.

– O que é essa fita? – olhei para minha irmã, curioso.

– É para que você nunca se esqueça de mim. – explicou, e pediu para que eu amarrasse a outra em seu pulso – E essa – ela balançou o braço – é para eu nunca me esquecer de você. Caso demoremos um pouquinho a nos vermos de novo. Nunca desamarre nem corte. Eu não o farei.

– Não se preocupe. Vai continuar aqui. – eu concordei com um sorriso.

– Você vai ser sempre meu irmão, aconteça o que acontecer. – ela afirmou, decidida. Instintivamente, eu abracei-a, e ela me abraçou de volta.

Esse dia foi tão memorável quanto o dia em que a conheci, porém não por motivos agradáveis.

Eu fui ao aeroporto me despedir de Shi e seus pais, e agi o mais alegre e otimista possível até o avião deixar a pista de decolagem. Depois disso, só conseguia pensar em como queria a minha irmã de volta. Ao chegar ao meu quarto, me permiti desabar. No fim das contas, era inevitável.

~*~

Não posso afirmar que meus quatro anos de Fundamental II foram ruins, foram anos bons e divertidos. Mas nem de longe tão bons quanto os três anos anteriores.

Mas eu me acostumei. Tornei-me acostumado a não vê-la todos os dias, a não tê-la para me ajudar com trabalhos de escola, a não desenhar para ela, a não discutir vez ou outra por uma bobeira qualquer e acabar rindo junto. No primeiro ano eu ainda tinha esperança de que ela voltaria logo. Mas ao começo da 6ª série, nem noticias dela. Por que ela tinha que se mudar para uma cidade tão longe e incomunicável?

Então eu continuei vivendo, sem me permitir apegar às memórias. Não, nunca me esqueci da Aisha. Nunca desamarrei ou perdi a fita. Só tentei não ser dependente de algo imprevisível.

Eu segui em frente, fiz amigos, me esforcei na escola, tive uma boa lista de amores platônicos (e não pude deixar de imaginar o quanto ela me zoaria por isso), acabei me tornando um nerd (em ambos os sentidos da palavra) e passei a investir boa parte do meu tempo livre procurando pelas bandas e cantores mais desconhecidos de todos os tempos.

Pouco a pouco, Shi tornou-se uma lembrança. A melhor delas.

~*~

Era uma manhã de verão, começo das férias de dezembro, logo ao fim do meu 1º colegial. Realmente era um alívio o fim das aulas, depois do meu ano escolar mais difícil até o momento.

Eu estava sentado no meio fio, em frente à minha casa. Nunca perdi esse hábito. Admirava o céu supreendentemente clarinho e ensolarado depois de dias nublados. A brisa de verão soprava minha franja no meu rosto, e eu tentava impedi-la, e ao mesmo tempo a apreciava.

Observar aquele céu azul de poucas nuvens, sentado sozinho na calçada, me trazia uma espécie de déjà vu.

De repente, alguém parou de pé ao meu lado, e me ofereceu a mão para me ajudar a levantar. Em seu pulso, uma fitinha azul, meio desbotada. Olhei para cima, e Aisha me olhava com um sorriso no rosto, os olhos parecendo úmidos. Seu cabelo estava mais comprido e a franja caia um pouco no rosto, mas seu sorriso continuava exatamente o mesmo.

– Está disposto a ter uma irmã de novo?

Eu sorri e segurei sua mão.

– Eu nunca deixei de ter.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, e se puder deixe um review com sua opinião e sugestões ♥