E o raio caiu na árvore. No mesmo instante, eu atirei a flecha com o fio de Beetee enrolado nela em direção ao céu da arena. É só isso que eu consigo me lembrar.

Em seguida, desperto em minha cama, na Aldeia Dos Vitoriosos do distrito 12. Através de uma fresta na cortina eu consigo observar a fina neve caindo. Quase não sinto meu corpo. Eu me levanto lentamente e estico e movimento todos os meus membros, desde a ponta dos pés até a cabeça. Coloco minhas roupas de caça, inclusive a jaqueta de meu pai. Vou até o quarto de minha mãe e vejo que Prim está dormindo enroscada nela, com Buttercup -como ele sempre faz- a protegendo, deitado em seus joelhos. Minha irmãzinha dorme tão suavemente de modo que eu resolvo não acordá-la e sigo para a floresta.

Se o caminho até o local onde eu usava para arranjar comida não estivesse decorado em minha mente eu não conseguiria chegar lá, pois a neve que cai agora é tão densa quanto o sangue dos que matei na arena. Meus pés afundam na camada de neve espessa no chão, o frio me consome, mas sons de tiros me dão forças para avançar.

Ao chegar na cerca, com o coração ainda acelerado e arquejando pela corrida, vejo pegadas recém-feitas na neve e imagino ser de Gale. Fico em silêncio para observar se a cerca está eletrificada, mas como de costume, não escuto nada, além das batidas de meu coração desesperado. Passo então por baixo e sigo para a floresta, quando vejo Gale pegando um esquilo de sua armadilha.
– Nada mal. - Sussuro em seu ouvido, fazendo-o pular.
– Você quase me matou de susto. - Diz ele, bravo.
– Desculpa... - Eu falou num tom triste e abaixo a cabeça.
– Tudo bem Catnip, mas você não deveria estar aqui.
– Por que não?
– Não está óbvio? A flecha eletrizada. Você destruiu a arena. Paralisou os Jogos. Mostrou para toda a população de Panem que o sistema da Capital pode muito bem ser enfrentado, e agora Snow quer mostrar a eles que quem se mete com a Capital nunca se dá bem. Ele quer pegar todos os Tributos que estavam na arena quando você a destruiu e retomar os Jogos, para poder acabar com você lá.
– E Peeta?
– Ele está bem. Está escondido na casa dele. E é isso que você deveria fazer. Pelo menos até as coisas esfriarem um pouco... Umas duas ou três semanas, no máximo.
– Mas Gale, nenhum Pacificador vem até a floresta, já que eles acham que ninguém tem a coragem de passar pela cerca. - Começo a aumentar meu tom, com um pouco de nervoso em minha voz. Me lembro dos tiros no caminho para a floresta. Será que Gale tem razão?
– Não, não vem. Mas você corre risco indo de sua casa até a cerca, está cheio de Pacificadores espalhados pelo 12. Entenda Katniss, eu só quero o seu bem. Quero saber que você está segura. É só precaução.

Eu pondero em contar para ele sobre o que aconteceu, sobre os tiros, mas apenas avanço em direção a ele, nossos olhares se encontram e lentamente pressiono meus lábios contra os dele.
– Você tem razão, me desculpe... Eu vou para casa agora mesmo. Me avise quando as coisas abafarem e eu puder sair. - Viro as costas para ele e sigo em direção à cerca, mas Gale coloca suas mãos sobre meu ombro direito.
– Espere Catnip. Eu vou com você.
Ele tira sua jaqueta e coloca o capuz dela sobre minha cabeça, ocultando minha face. Seguimos até minha casa com ele me guiando, passando seus braços sobre meu ombro.
– Obrigada. - Sorrio para ele, que retribui. Em seguida se vira e vai embora.
–Ah Katniss, que bom que está aí! - Minha mãe surge da cozinha, correndo para me abraçar. Eu hesito por um momento, mas decido que apenas encostar meus braços em suas costas é mais educado do que ficar parada, e, apesar de tudo que minha mãe fez, eu estaria sendo grossa se não retribuísse.
– Você deveria ter nos avisado que sairia, ficamos preocupadas Katniss. Os Pacificadores estão atrás de você. - Prim se encosta no batente da porta da cozinha e cruza os braços, tentando fazer uma cara de quem está furiosa, mas ela não consegue controlar o riso.
– Ah patinho, me desculpe, eu prometo que te aviso da próxima vez. - Passo os dedos em seus cabelos úmidos e coloco uma mecha para trás da orelha de Prim. Em seguida dou um abraço bem apertado nela e sigo para o escritório.

Acelero os passos à medida em que vou chegando à porta, assim que entro, corro em direção ao telefone. Percorro meus olhos pela escrivaninha, à procura do número de telefone de Peeta escrito em um pedaço de papel amassado. Então me vem em mente o dia em que ele me deu seu número. Foi logo quando nos mudamos para a Aldeia Dos Vitoriosos, ele me levou até o escritório e me mostrou o telefone e me ensinou como fazer para ligar. Eu pedi seu número e ele me disse que não precisaríamos telefonar um para o outro, já que moraríamos a 22 metros de distância. Mas mesmo assim eu insisti, e ele puxou de seu bolso um pedaço de papel, correu os olhos pelo cômodo à procura de uma caneta. Encontrou uma na gaveta da escrivaninha, onde ele apoiou o papel o começou a escrever seu nome e seu telefone, com todo o cuidado do mundo, nas mais belas letras que eu já vi.

Encontro o papel em baixo do telefone e quase que automaticamente, digito o número. Peeta não demora para atender. De início, ele parece surpreso por eu ter acordado, diz que eu sou maluca, que aquele raio me paralisou, me fez prometer que eu nunca mais farei algo daquele tipo. Depois ele parece estar feliz. Me conta algumas piadas, histórias, ás vezes até fazemos apostas sobre o tempo do dia seguinte. Ele me passa uma receita de pão de queijo, mas por mais que eu tente, nunca fica igual aos dele. E é assim que passamos horas, dias e semanas, até que o caso "Garota Em Chamas destrói arena e paralisa os Jogos. Encontrem-a e tragam-a de volta para o Massacre Quartenário." passa a não ser mais o principal, perdendo seu lugar para "Levantes no Distrito 8." os Pacificadores que foram enviados como reforço para me encontrarem são enviados para o 8. Assim que Gale me avisa, corro para a casa de Peeta.