Hipnotizados escrita por Wendy


Capítulo 17
Novo assassino




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Peter não conseguia parar de observar Lara, enquanto a mesma dormia tranquilamente em sua cama. A respiração da garota que, no começo mal podia ser percebida, tornava-se cada vez mais estável, assim como a cor de suas bochechas, que já não eram pálidas e sem vida.

As horas passavam e a jovem permanecia em seu estado de sonolência. Era difícil imaginar que alguém como ela estava morta até algum tempo atrás. O garoto deitou-se ao seu lado e cobriu-se devido ao ar gélido da noite, adormecendo enquanto admirava os traços de seu delicado rosto.

Os raios solares iluminavam o quarto quando Peter acordou. No começo, tudo estava embaçado e confuso, mas logo, os olhos do rapaz foram se acostumando com o ambiente. Quando pôde enxergar descentemente, deparou-se com dois brilhantes olhos castanhos encarando-o.

Ergueu-se lentamente, tomando para si que aquilo era real. Um sorriso preencheu-lhe os lábios e logo tomou fôlego para falar:

—Lara...! Eu estou tão feliz. Você está bem?

Entretanto, o garoto não obteve respostas.  Ela apenas observava-o cuidadosamente, sem expressão ou qualquer palavra. Era como se a garota estivesse ali, porém, sem alma alguma.

O bruxo tentou alimentá-la várias vazias, mas não obtinha sucesso. Sua boca não se mexia e a comida acabava caindo, assim como a água, que sempre caía em suas roupas, de modo de Peter precisasse estar sempre com um guardanapo (ou um trapo velho) em mãos. Lara também não parecia ouvi-lo e muito menos se mexia, emitia sons ou expressões. A alma ainda estava se acostumando ao corpo.

A situação continuou a mesma durante, porém, o bruxo não desaminou, pelo contrário, estava imensuravelmente feliz por tê-la de volta. Seu foco estava totalmente voltado em cuidar da pobre garota, o que o fazia sentir-se bem, dando-a total atenção a cada momento. Tudo só mudou, quando, alguns dias depois, Peter, que estava ao lado da garota, ouviu um barulho baixo e estranho. Quando olhou para Lara, percebeu que sua boca fazia leves movimentos (os primeiros, desde que ela voltara a viver) e então rapidamente percebeu do que se tratava: Ela estava com fome.

Dirigiu-se a cozinha para preparar uma sopa e levou um susto quando se deu conta de que a faca havia caído ao tentar pegá-la para cortar os legumes. Nunca havia sido tão descuidado. Talvez a volta da garota estivesse, de fato, afetando sua cabeça, deixando-o um tanto distraído. Felizmente, foi rápido ao desviar-se para evitar um corte.

Pela primeira vez, pôde alimentar a garota, oferecendo-lhe comida aos poucos, porém, diversas vezes ao dia. Apesar de ainda não mostrar emoções, Lara apresentava cada vez mais sinais de adaptação.

O tempo passava rápido e ele acompanhava de perto a evolução de sua nova companheira, sentindo-se cada vez mais alegre e completo ao lado da menina. Conversava com a garota a maior parte do tempo, incentivando-a a tentar responder. Às vezes até lia trechos de livros que estavam pela casa e tocava suas músicas favoritas na guitarra. Estava verdadeiramente se esforçando.

Mais alguns dias se passaram até que Lara conseguisse formar expressões em seu rosto. Agora, a garota podia movimentar-se (mesmo que bem pouco) e até tentava emitir alguns sons, recebendo o apoio de seu parceiro.

Contudo, quanto mais Lara avançava em sua reabilitação, mais explícitos seus sentimentos tornavam-se, pelas expressões em sua face. Peter notava que a garota não estava feliz. Agora, o novo passatempo dela era observar os detalhes de suas mãos e cabelo, com um olhar intrigado e confuso. Quando tentou andar pela primeira vez, precisou de ajuda para que não caísse e aos poucos, conseguiu manter-se de pé. Seus avanços eram rápidos, logo a alma estaria completamente adaptada ao seu corpo.

A garota estava ansiosa. Tinha pressa para alcançar o armário do quarto, mas ainda não conseguia caminhar sem tropeçar nos próprios pés e quase cair, se Peter não ficasse ao seu lado.

—Por que você quer tanto ir para lá? Há alguma coisa que você queira pegar... Espere! –A mente de Peter iluminou-se. –Você está procurando pelo espelho, não é?

Os olhos da menina brilhavam, encarando-o de uma forma tão precisa que o bruxo quase podia ouvi-la falando um “sim”.

Peter pegou o objeto que guardara em uma das gavetas e o segurou, para que Lara conseguisse enxergar seu próprio reflexo.

—Viu? –Perguntou ele. –Você continua linda!

Mas a reação da garota não fora a mesma, ela levou um susto. Seus olhos espantados não conseguiam acreditar no que viam e, ela precisou verificar se aquela desconhecida imagem no espelho era de fato seu reflexo, tocando em seu rosto várias vezes. Finalmente, desviou o olhar, encolhendo-se. Pela primeira vez, uma lágrima fora vista escorrendo por sua suave pele e Peter pôde ouvir alguns soluços. Ela estava confusa. Por mais que quisesse, ela não conseguia se identificar com a nova identidade. Forçava sua voz, mas as palavras não conseguiam sair. Talvez ainda não estivessem preparadas ou simplesmente também não aceitavam que esse era seu novo corpo.

O rapaz logo deixou o espelho de lado e abraçou a triste menina, procurando uma maneira de consolá-la. A pior coisa que poderia presenciar era a angústia e a dor de alguém que amava, principalmente se esse alguém fosse a única pessoa que lhe havia restado.

—Lara... Você está bem agora. Eu estou aqui com você e...

A garota lutava para que sua voz saísse, até que, finalmente todas as suas forças uniram-se, obrigando seu corpo a finalmente a obedecê-la:

—Eu não sou Lara.

Ambos ficaram surpresos pelo fato de a garota finalmente ter dito algo.

—Lara... –Peter tentava controlar a situação.

—Eu não sou Lara! Meu nome é Anna Saeger e eu não deveria estar aqui. –Algumas palavras ainda saíam com dificuldade, contudo, levaria apenas mais algumas frases para que elas estivessem perfeitas novamente.

—Anna... –E então, Peter lembrou-se de sua desventura no Mundo dos Mortos e, como trouxera a alma de Anna clandestinamente de volta à terra, mesmo fora de seu corpo natal.

O rapaz não sabia o que pensar ou sentir. A princípio, pensou que tudo o que estava fazendo não passava de uma grande enganação a si mesmo. Na prática, não poderia ter Lara de volta, mas, ela estava em sua frente naquele exato momento. Encantava-se cada vez mais pela figura que tinha o prazer de ter ao seu lado todos os dias, cuidando de todos os detalhes para o máximo de conforto que pudesse oferecer. Mesmo que aquela garota afirmasse não ser Lara, era ela quem continuava lhe trazendo felicidade e uma razão para continuar ali. Quem quer que ela fosse, lhe fazia bem, assim como Lara.

—Me lembro de você... –Era estranha a sensação de falar diretamente com a alma da garota. Estava falando com Anna, mas só conseguia enxergar Lara. –Eu te resgatei da morte. Bem-vinda de volta.

—Esse não é o meu lugar! Eu não deveria estar viva.

—Mas olhe ao seu redor! Você deveria estar em um mundo completamente perdido e estranho, mas essa é a sua segunda chance! Quantas pessoas nós encontramos por aí dando depoimentos de que voltaram dos mortos? Acredite, não é algo que se vê todos os dias nos noticiários das manhãs. Veja, Lara, as coisas vão ser totalmente diferentes e...

—Não me chamo Lara. –Interrompeu-o. –Essa pessoa não sou eu. Eu não consigo mais me reconhecer...

O bruxo ficou em silêncio, estudando o caso. Logo, abriu um sorriso confiante, como os quais se utilizava para ganhar a confiança e convencer uma pessoa, contudo, este representava de fato toda a alegria mantida em seu peito por poder conversar livremente com a garota depois de tanto tempo.

—Escute... Eu sei o quão assustador isso pode parecer, mas, por mais difíceis que as coisas pareçam, sempre há algo em que podemos nos apoiar e seguir em frente. Quando a Anna morreu, toda a sua história foi deixada apara trás e enterrada junto com ela. Agora, tudo está diferente. A garota para quem eu olho voltou ao zero e tem uma vida totalmente nova a seguir. Todo o passado de Anna e de Lara pertence somente às elas e, para nossa sorte, nenhuma delas está aqui.

—Então quem está aqui?

Peter forçou o pensamento e, logo obteve uma resposta:

—Lana. Seus traços ainda são os de Lara e, por dentro, ainda é Anna, mas como um todo você se tornou outra pessoa. Alguém totalmente preparada para seguir em frente: Lana.

—Isso é inacreditável! Eu ainda sou Anna e... –A menina, desacreditada, olhou mais uma vez para seu corpo, mas interrompeu-se ao notar um significativo detalhe: Não havia cicatrizes deixadas por lâminas em seus pulsos. Deixou que as lágrimas escorressem por suas bochechas, enquanto a emoção tomava conta de si. –Uma segunda chance...

—Anna se preocuparia com todos os problemas que guardava para si... Mas você não é Anna. Você é uma pessoa livre. –Peter abraçou a menina, que devolveu o gesto. –Tudo com o que você precisa se preocupar daqui pra frente, Lana, é o agora.

Mais tarde, Peter procurou por todas as gavetas que pôde, até finalmente encontrar a ferramenta que procurava. Ajudou a garota á sentar-se em uma cadeira e, com todo o cuidado de possuía, cortou-lhe os longos cabelos, deixando-os na altura dos ombros. O visual trazia à tona um alguém totalmente novo, como uma espécie de passagem para a nova pessoa que surgia.

—Bem-vinda ao lar, Lana.

☼ ☼ ☼

Apesar de ter Lana ao seu lado, Peter ainda não se sentia completo. Era como se algo não estivesse cumprido e cabia ao rapaz a função de completar este dever. Sempre era pego pensando nos últimos momentos que havia visto a garota como Lara, lembrando-se de cada detalhe.

Foi então que finalmente descobriu o que lhe tanto incomodava: Se quisesse uma vida nova com Lana, não podia deixar que os aborrecimentos do passado lhe incomodassem. Desejava apenas as lembranças boas, contudo, era inevitável lembrar-se de seu passado escolar com Lara, sem que algo o interferisse: No final, o mal que Robert havia causado à garota sempre voltava para assombrá-lo.

O bruxo concluiu que só conseguiria abandonar as más lembranças envolvendo o capitão do time, cobrindo-as com outras. Estava decidido: Robert precisava morrer.

☼ ☼ ☼

O rapaz sentia-se estranhamente determinado naquela tarde.

Como sempre estudou na mesma escola de Robert, não foi difícil encontrar o caminho para sua casa. Já ouvira aquele endereço tantas vezes que precisou apenas de alguns pequenos esforços para lembrar-se. Não era nem um pouco difícil acreditar que a escola inteira também havia decorado aqueles dados, já que de tempo em tempo, o capitão do time de basquete decidia fazer uma festa enquanto seus pais estavam fora. Peter nunca fizera questão de participar e não se arrependia disso.

Após um fim de semana com bebidas e música alta, as festas eram o principal assunto pelos corredores da escola, o que deixava o bruxo ainda mais entediado. Só conseguia ouvir o quão louca e divertida havia sido aquela noite. O que o garoto realmente queria ver, era a bronca que Robert levaria de seus pais, caso eles resolvessem voltar mais cedo para casa. Aquilo sim seria algo divertido.

Por mais que a ficha criminal de Peter estivesse limpa e o fato de ter deixado Lana sozinha em casa fossem bons motivos para o garoto mudar de ideia, sua escolha era decisiva. O ódio havia lhe cegado, fazendo-o acreditar que essa era, na verdade, uma missão que precisava cumprir a qualquer custo. Sua maior motivação era as trágicas lembranças da relação do loiro com Lara e, finalmente, havia encontrado o momento oportuno para realizar algo com que sempre sonhara.

Chegando à casa do garoto, certificou-se de que ninguém o observava. A rua estava calma e tudo o que ouvia era o latido de um cachorro bem distante. Caminhou até o quintal, já que a porta dos fundos era sempre a melhor opção para entrar despercebido e, como era plena tarde e o sol iluminava as ruas, a mesma ainda não havia sido trancada.

Andou silenciosamente pela espaçosa cozinha e, não demorou muito até encontrar algo pelo que procurava desde que chegara ali: Um faca. O brilho de seus olhos podia ser refletido na cor prateada do item, entretanto, foi por admirar tanto o objeto, que acabou tropeçando e precisou apoiar-se na cadeira mais próxima para não golpear sua cabeça na quina da mesa de jantar, o que causaria um enorme estrago.

—Ah, você chegou. –Peter pôde ouvir a voz de Robert vinda de outro cômodo da casa, que parecia vazia até o momento. O barulho que o rapaz fizera ao quase cair havia chamado a atenção do outro, que agora se aproximava. –Espero que não tenha esquecido os marshmallows. Eu estava pensando que seria legal fazer uma fogueira dessa vez e...

—Uma fogueira? –Disse Peter, com um leve e medonho sorriso. –Ideia um pouco ultrapassada, huh?

—O que você está fazendo aqui?! –Robert não sabia o que mais lhe surpreendia: O fato de Peter ter invadido sua casa, ou de o mesmo estar com uma faca em mãos. –Se você não largar esse negócio agora, eu irei chamar a polícia! –Ele se afastava cada vez mais para trás, erguendo as mãos em sinal de trégua.

—Olhando assim, você não parece tão corajoso. –Seu sorriso irônico havia sumido. Agora, ele mostrava repulsa. Talvez todo o ódio que sentia pelo garoto estivesse sendo expresso e pronto para explodir feito uma bomba. –Vamos ver se você é tão rápido quanto dizem.

Rob entendeu perfeitamente a mensagem. O bruxo avançou em sua direção, forçando-o à fugir. Infelizmente, a casa não era tão grande, impedindo-o de correr sem se atrapalhar com os móveis e paredes. Peter o alcançou sem dificuldade, fincando, com toda a força que havia acumulado, a faca em suas costas, cobertas apenas por uma fina camisa branca.

A dor forçou-o à cair e o grito de terror que soltou sem ao menos perceber, apenas motivou Peter a esfaqueá-lo ainda mais, deixando profundas marcas de sangue no garoto, até o momento em que seu corpo já não respondia.

Por um momento, Peter entrou em estado de choque. Estava ofegante e a adrenalina corria em suas veias. Entretanto, logo sentiu-se livre do que sofreu durante toda a vida, após ter descontado em Robert como se toda a culpa houvesse sido personificada no rapaz, que agora manchava o piso da casa de seus pais.

Se soubesse que a sensação de assassinar Robert seria tão libertadora e emocionante, teria feito antes. Porém, nem tudo era perfeito. Enquanto o garoto recuperava-se e assimilava o ocorrido, uma voz aproximava-se da casa:

—Sinceramente, eu não acho que vão comer todos esses marshmallows. Poderíamos ter gastado mais em bebidas... –O desabafo de um dos integrantes do time de basquete foi interrompido por ele próprio ao se deparar com a terrível cena diante de seus olhos: O corpo ensanguentado de seu amigo caído aos pés de um rapaz que tinha as roupas completamente sujas de sangue e, o encarava de um modo que faria qualquer um ter pesadelos.

Alguns segundos (que, para eles, pareciam ter durado muito tempo) passaram e, ambos não paravam de se encarar. Peter pensava em uma maneira de controlar a situação, enquanto o outro, desesperadamente, tentava assimilar tudo o que estava acontecendo. Seu único reflexo foi fugir.

O bruxo correu o mais rápido que pôde para alcançar o rapaz, que gritava por ajuda, chamando a atenção dos vizinhos. Logo, todos que estavam por perto foram correndo para a mais nova cena do crime. Antes que Peter alcançasse sua possível nova vítima, que já estava no meio da rua, viu-se cercado por um grupo de pessoas que só crescia.

Alguns homens avançaram, obrigando-o a tentar afastá-los com sua faca, mas que não lhe serviu por muito tempo, já que fora forçado a larga-la devido a dor que sentiu quando um dos homens bateu em sua mão. Ele trouxera sua pá de jardinagem consigo ao ouvir os gritos de desespero e horror.

Sem poder lutar contra todos, não demorou muito para que ele fosse imobilizado pelo grupo e para que a polícia chegasse ao local, tomando o cuidado de examinar o corpo e a arma utilizada. Muitos curiosos procuravam saber o que estava acontecendo e algumas pessoas ficaram encarregadas de ligar para que os pais de Robert voltassem para casa imediatamente.

Pela primeira vez, Peter sentiu algemas apertarem seus punhos e, em meio ao choque marcado pelas expressões dos vizinhos, foi obrigado a entrar no carro da polícia. Podia sentir o sangue do rapaz loiro esfriando em sua pele e, apesar de tamanho estrago, ele não sentia-se arrependido.

Peter Chevalier estava oficialmente preso por assassinato.


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