Hipnotizados escrita por Wendy


Capítulo 15
Enfermeiro por um dia




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O país estava mais cinza do que de costume. Talvez as grandes responsáveis por essa aparência fossem as nuvens. Quem sabe, ao cobrirem os raios solares, estivessem apenas tentando aconchegar os pobres sentimentos daqueles que já haviam sentido o calor partir de seu coração há muito tempo.

O pai de Anna lamentava a morte prematura da filha. Daqui há algumas horas iria finalmente enterrar o corpo da inocente menina para que a mesma pudesse finalmente descansar em paz, após longos e frustrantes dias de angústia. Se pudesse, teria encontrado uma solução para os problemas da pequena, contudo, infelizmente, não possuía tão estimado poder.

Peter não se surpreenderia caso acabasse gastando todo o esmalte de seus dentes. A preocupação incessante com Lara não o deixava tirar os dedos da boca, roendo cada vez mais suas unhas - ou que sobrara delas.

Decidiu que não poderia ficar parado, mofando ao lado da mobília empoeirada de sua casa, até que também fosse dominado por teias de aranha. Foi para a cidade novamente, mas dessa vez, certificou-se de arranjar uma bicicleta para tornar o trajeto um pouco mais rápido; Afinal, tinha certeza de que o sujeito que havia abandonado sua bicicleta poderia ir e vir livremente com os ônibus da cidade e, nem se quer sentiria falta do veículo que sumira misteriosamente.

☼ ☼ ☼

Chegando a sua antiga cidade, não hesitou em ir diretamente para o hospital municipal. Se Lara realmente fora internada, como ouvira falar, não poderia estar em outro lugar que não fosse esse.

A recepção estava praticamente vazia e, única secretária que estava por lá organizava alguns papéis em sua mesa, atrás do balcão. Sabia que não poderia ver Lara a menos que fosse um parente próximo, então não quis perder tempo tentando convencer a funcionária, o que só levantaria suspeitas. Ao invés disso, decidiu que sentia uma terrível dor de cabeça.

—Com licença... –Disse ele, pressionando uma de suas têmporas.

—Posso ajuda-lo? –Perguntou a recepcionista.

—Eu estou com uma terrível dor de cabeça, será que posso ver o médico?

—Claro, me dê seus documentos por um instante que logo irão chamá-lo.

Seus dados pessoais. O garoto sabia que não poderia confiar em ninguém, principalmente quando se tratava se sua própria identidade. Poderiam acha-lo em questão de segundos.

—Você não está entendendo. –Apoiou-se no balcão, aproximando-se da secretária enquanto aumentava seu tom de voz, soando um tanto ríspido e estressado. –Eu preciso de uma consulta!

—Por favor, acalme-se! Não vai demorar muito até que o senhor seja atendido.

—Eu quero ver o doutor! –Peter estava quase gritando. Por sorte, os pacientes que aguardavam por sua vez estavam entretidos demais com a TV para voltarem sua atenção á um garoto problemático. - E eu quero isso agora!

A secretária, sabendo que não poderia controlar a situação, correu desesperada em busca de ajuda. Peter, obviamente, não podia desperdiçar uma chance como essa, afinal, conseguiu o que planejara.

Passou discretamente pela porta que o levara para o corredor do hospital e usou o elevador para chegar á área destinada aos pacientes internados. Olhando pela janela transparente das portas, pôde ver os pacientes que repousavam nos silenciosos quartos, até que encontrou um rosto familiar.

O horário de visita ainda não havia começado, porém, Peter sentiu-se na liberdade de entrar no quarto de Lara, que dormia tranquilamente, como uma criança após um longo dia no parque de diversões.

A garota estava pálida, entretanto, continuava incrivelmente bela.  Ele não sabia se sentia alívio ou tristeza ao ver sua delicada e encantadora expressão. Talvez, o que sentia fosse uma mistura dos dois. Levou seu dedo indicador até o rosto da menina, onde o usou para cariciá-la suavemente. Podia sentir a calma e morna respiração da jovem.

—Lara. –Chamou Peter.

A garota não respondeu. Sequer demostrou alguma reação ou abriu os olhos. O bruxou chamou-a várias e várias vezes depois, porém, desistiu ao ver que ela não acordaria.

Ao lado de onde a garota repousava, havia uma ficha provavelmente deixada pelo médico que a acompanhava. Peter leu-a atentamente, observando cada pequeno detalhe. Nela, constava que a menina era portadora de uma doença que de certa maneira sugava cada vez mais suas energias, o que, com o passar dos dias, acabou levando-a ao coma. Pelos dados anotados no papel, ainda não havia sido registrado nenhum avanço no tratamento.

—Lara... Você não pertence á este lugar. Um hospital cheio de doentes e todo esse ambiente estranho não são para alguém tão fascinante. Eu não posso deixa-la aqui. Eles cuidarão de todas as outras pessoas que estão aqui e irão esquecê-la, mas isso não pode acontecer. Eu não posso perder você!

O som da maçaneta girando fez com que Peter imediatamente se escondesse atrás da porta. Ainda não estava pronto para ser encontrado pela equipe do hospital.

Um enfermeiro entrou no quarto, trazendo com sigo um carrinho dividido em vários departamentos, onde se encontravam bandejas com diferentes tipos de medicação. Uma delas, ele retirou e deixou na pequena mesa ao lado de Lara, que ainda dormia feito um anjo.

Enquanto o homem de branco verificava a respiração e o conforto da garota, Peter sabia que não podia perder essa oportunidade, então, parou de pensar e resolveu agir.

Caminhou em direção ao enfermeiro que estava de costas para ele e usou como vantagem o fato de ser mais alto do que o pobre homem, que sentiu logo sua boca e nariz serem tampados por um estranho cachecol verde. Ele tentou escapar enquanto se debatia, contudo, sem sucesso; Peter o puxava cada vez mais para trás, dificultando os movimentos de sua mais nova vítima.

Quando o enfermeiro finalmente desmaiou devido à falta de oxigênio, o rapaz o deitou no chão e vestiu suas roupas brancas, tomando o cuidado de usar a típica máscara branca e uma touca, para que não o reconhecessem. Aproveitou a situação para usar o kit completo e colocou também as luvas e, de uma hora para outra, Peter Chevalier era o mais novo enfermeiro da cidade.

Com todo o cuidado do mundo, empurrou a cama de Lara para o corredor, afinal, transferência de pacientes de um quarto para outro era algo muito comum dentro de um hospital.

Caminhou apressadamente com Lara descordada, até que, ao final de um corredor pôde ver que um médico achara estranha sua atitude e aproximava-se, provavelmente para perguntar se aquele estranho enfermeiro tinha autorização para isso. Infelizmente, Peter não tinha tempo para pôr a conversa em dia e explicar quão árduo havia sido seu caminho até finalmente formar-se em enfermagem.

Segurou Lara em seus braços. A doença havia deixado-a fraca, pois não era tão pesada; O que, apesar de favorecer a situação, deixava Peter mais preocupado.

O médico agora tinha total certeza de que algo estava terrivelmente errado: Ele agora corria em direção ao Enfermeiro Peter, que empurrou a maca com um dos pés, fazendo-a quase atingir o doutor, que freou imediatamente, com medo de acabar se machucando.

Aproveitando a oportunidade, o rapaz correu o mais rápido de pôde, embora fosse muito difícil encontrar a saída daquele lugar. Vez ou outra desviava o caminho por encontrar médicos e enfermeiros que estavam espalhados por toda parte. Quando voltou ao térreo, pôde ouvir a secretária conversando com uma das médicas do hospital: “Ele estava furioso! Acredito que já tenha ido embora por falta de paciência...”.

Depois de tanta correria, Peter encontrou uma das saídas dos fundos do hospital. Estava cercado pelo material que iria ser jogado fora e precisou desviar de várias latas de lixo até encontrar a estrada e, finalmente, seguir seu caminho com a pessoa que amava em seus braços.

Carregou Lara por mais alguns metros até encontrar um ponto de táxi, evitando utilizar ônibus ou metrô para voltar até sua casa.

☼ ☼ ☼

Ao chegar ao seu destino, juntou todo o dinheiro que lhe restara para pagar o taxista. Precisaria arranjar mais algum tostão, porém, essa não era a principal preocupação do momento.

Deitou a garota em sua cama e a observou por alguns instantes. Não importava o quanto conversasse e implorasse, não havia meio de Lara acordar. Um singelo movimento ou expressão seria mais que o suficiente para Peter, mas ela continuava em seu sono profundo.

As horas passavam e o rapaz não sabia o que fazer. A garota parecia cada vez mais pálida, o que o deixava ainda mais apreensivo. Tentou fazê-la comer e beber água, mas nada parecia funcionar.

☼ ☼ ☼

Ao fim do dia, Peter deitou-se ao lado da garota e sentiu sua respiração enfraquecer mais a cada segundo. Se a situação continuasse a mesma, ele sabia que o fim poderia estar mais próximo do que imaginara.

—Como eu posso te ajudar? –Abraçou-a. - Por favor, me diga... Eu já não sei mais o que fazer... Por favor, fale comigo; É tudo o que eu quero.

Enquanto conversava inutilmente com a jovem desacordada, o rapaz pôde sentir o que mais temia; Ou, ironicamente, não pôde sentir: Os batimentos cardíacos de Lara haviam desaparecido.

—Não... –Sussurrou Peter, inconformado. –Isso só pode ser uma ilusão. Minha preocupação em excesso deve estar me pregando peças, é isso... Não é, Lara?!

Mas Peter não obteve respostas. Nem da garota e muito menos de seu sistema cardíaco e respiratório.

—Lara?... Lara! Responda! –O desespero tomou conta do jovem bruxo, que passou a chacoalhar a menina que estava em seus braços. Enquanto tentava reanima-la, sentiu seu rosto quente, encharcado de lágrimas. –Você não pode morrer... Fique comigo! Por favor...

Já era tarde demais. Percebendo que não poderia trazê-la de volta com chamados e até gritos, deitou-a novamente em sua cama, abraçando-a mais uma vez enquanto inundava as roupas de Lara com lágrimas.

Permaneceram alguns instantes dessa maneira, até que o ódio floresceu entre todos os sentimentos que sentia, apoderando-se do garoto.

—Como isso pôde acontecer?! –Gritou ele. –Você não podia ter morrido, eu não deveria ter deixado que algo assim acontecesse. Estúpido!

Levantou-se preparado para destruir o que estivesse em seu caminho. Alguns copos que havia deixado em cima da cômoda não escaparam, dividindo-se em centenas de pedaços espalhados pelo chão.

—E onde estão esses tão importantes poderes de bruxaria?! –Agora, foi a vez de um pequeno frasco de remédios “dar adeus”. –Qual é o meu problema? Ora... –Seu sorriso refletia desespero e angústia. -Um bruxo que nem ao menos sabe utilizar os próprios poderes, se é que eles existem. Quão inútil é isso?!

Foi então, que uma ideia iluminou a sombria e tempestuosa mente de Peter. Ele lembrou-se da fuga de sua cidade e da semi-queda no penhasco, onde quase perdera todas as páginas que sua mãe havia lhe deixado... Exceto uma.

Correu para o canto do quarto onde havia largado todas as roupas sujas e procurou pela calça que usara naquele dia. Em um de seus bolsos, encontrou uma página velha e muito amaçada, faltando pouco para rasgar-se, ou desfazer-se em minúsculos pedacinhos. Nela, havia um feitiço.

O bruxo sentou-se ao lado de Lara para que pudesse ler mais atentamente o conteúdo da folha, que um dia já pertencera a um importante livro. O arriscado feitiço que havia sido cuidadosamente escrito no papel, amarelado pelo tempo, estava em latim; Entretanto, Peter logo compreendeu o que dizia: Como adentrar no Mundo dos Mortos.


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