Laços de Prisão escrita por Brenda Camões


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi gente!
Voltei rapidamente com essa crnica oneshot
E espero que gostem!



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Laços de Prisão

-Está pronta Luna?! – Perguntou minha mãe assim que me viu descendo as escadas.

Está é uma noite importante, a noite da Iniciação, uma noite para entregar nossa alma a natureza e a magia que corre em nossas veias, inativa até a noite de nosso 18° aniversário.

-Estou – Respondi com a voz suave, porém firme.

A satisfação e o orgulho eram visíveis no rosto de minha mãe, meu pai conseguia esconder melhor suas emoções, sempre soube, e é isso que mais me encanta nele.

Nós três entramos no carro e seguimos até o Grande Lago, seriam cerca de duas horas de carro até nosso destino, e eu sabia que seriam duas horas em silêncio. Hoje é lua cheia, isso meche com meus pais, com suas personalidades e humor. Sempre me perguntei o porquê, mas a resposta era sempre a mesma, “Quando você for chamada entenderá quanto essas mudanças nos afetam”.

No fundo sempre tive uma imensa curiosidade em saber o quanto ser chamada me mudaria. Mudaria meu corpo? Meus gostos? Minhas opiniões? Mas principalmente, se valeria a pena. Não há nada que eu queira mudar. Não anseio pelo poder que a magia nos proporciona, por que cresci vendo os estragos que ela causa.

Passei as horas seguintes refletindo sobre meu futuro incerto. É tão frustrante não saber o que se esperar.

Quando pude ver as margens do Grande Lago sabia que era uma noite diferente. Eu sentia algo diferente. A lua nunca esteve tão bela, seu brilho cobria o lago como um grande espelho, revelando nossos pensamentos e segredos. Havia chegado a hora.

Meu pai estacionou o carro um pouco distante do lago e tivemos que continuar o caminho descalços, não podíamos contaminar o solo, está é a terra de minha família a gerações, temos que mostrar respeito por todos que guardam o Grande Lago.

Havia uma fogueira imensa as margens do lago, toda minha família estava ali, primos e tios-avôs que havia visto da última vez no 18° aniversário de meu primo Benjamin. Não importa quão distante seja nossas famílias, do quanto temos de contato, em uma noite de Iniciação toda família deve estar junta, é como o natal para os humanos.

-Luna, minha querida! Os Guardiões brindam sua chegada! Viu como a lua se encontra está noite?! – Perguntou minha prima Martha animada.

-Sim, prima – Respondi – Eu notei – Sussurrei olhando fascinada para a lua.

-Podemos começar? – Perguntou meu pai ajeitando sua roupa.

-Sara e Felipe ainda não chegaram – Comentou Martha.

Meus pais concordaram e se afastaram para falar com o restante da família. Minha atenção se voltou para os ali presente, todos estavam de branco, como em todas as noites de Iniciação, em respeito à Grande Mãe e a nossos Guardiões. Assim que encontravam meu olhar eles sorriam para mim, estavam mais animados do que eu.

Faltando dez minutos para meia noite, Sara e Felipe chegaram, eles não pareciam animados como o restante, pelo contrário, estavam tensos. Eles pediram desculpa pelo atraso, mas não disseram o motivo, apenas começaram a organizar o ritual.

Toda minha família também começou a se mobilizar. Eu fiquei de frente para a fogueira, olhando para a água iluminada pelo fogo e pela lua, sentindo a terra quente debaixo dos meus pés. Apesar de ser uma noite fria e de estar usando apenas um vestido branco de alças eu não sentia frio, na verdade não sentia nada, estava em um estado de inércia, apenas esperando ser chamada.

-Ela está pronta – Disse alguém atrás de mim.

-Deem as mãos – Disse meu pai em voz alta.

Assim que todos deram as mãos meu coração acelerou e eu caí de joelhos com a energia que passava por todo meu corpo. Oh.... Então é isso.

-Luana Vasconcelos está é sua noite, a noite do seu 18° aniversário, a noite que você entrará para Família com a benção da Grande Mãe e dos Guardiões. Sangue do meu sangue, abençoo você está noite. Sangue do meu sangue, abençoada seja pela Grande Mãe. Sangue do meu sangue, abençoada seja por aqueles de nossa família que partirão.

Meu corpo não parava de tremer e queimar, meus olhos estavam fixos no fogo, mas eu sentia tudo que acontecia a minha volta. Podia ouvir suas vozes, sentir o calor do fogo, o pulsar da terra, toda aquela energia me fez me sentir mais viva do que eu jamais pensei ser possível. É libertador.

-Está noite sua alma se junta a natureza e a sua família – Prosseguiu meu pai com a voz majestosa – Seus desejos serão nossos desejos, sua vingança será nossa vingança, a partir de hoje e de toda eternidade. Abençoada seja Luana Vasconcelos.

O ardor que sentia passou e eu caí no chão em um frenesi, minhas mãos começaram a escrever sobre a terra enquanto eu ainda tremia. Meu olhar alternava agora entre a lua e minhas mãos, até que por fim terminou. Vi meu verdadeiro nome escrito em latim e o símbolo de minha família, agora eu sabia que havia terminado.

Agora eu era uma bruxa completa, uma serva da natureza, assim como os vampiros são servos do sol e os lobisomens da lua, nós somos marcados por eles, todos nós temos que servir a alguém.

A sensação de paz que tomou meu coração me fez suspirar, com os olhos fechados eu pude sentir tudo a minha volta, principalmente o pulsar da terra, como um eterno chamado, havia mais vida ali do que jamais pude imaginar

Então eu adormeci diante daquela nova sensação de paz.

***

Sabe quando você tem a sensação de estar acordada, mas seus olhos ainda permanecem fechados e seu corpo inerte?! Pois bem, essa é uma sensação de pânico para muitos, mas não para mim, não agora. Posso transportar minha mente para outro lugar, elevar meus sentidos a outro patamar.

Não sei explicar como estava em casa, na minha cama, mas quando senti meu pai caminhando até meu quarto eu abri meus olhos e arfei. Tudo a minha volta estava flutuando, inclusive eu. Acabei me debatendo em desespero, caindo sobre o colchão e tudo a minha volta caiu se quebrando.

O som fez que meu pai chegasse mais rápido ao meu quarto, eu pensei que ele brigaria comigo, mas ele entrou com um sorriso.

-Na minha primeira manhã eu inundei meu quarto, minha mãe teve que trocar todo o carpete – Comentou rindo.

-Ah...

-Não fique assustada, minha querida – Respondeu se sentando ao meu lado, beijando minha testa, como sempre fazia desde que eu me entendia por gente – Isso vai acontecer com muita frequência, nossa magia se espelha ao nosso humor, ao que sentimos, muitas vezes você não vai poder controlar o que acontece ao seu redor, só cuidado para não explodir a cabeça de alguém – Disse rindo.

Mas eu não ri. Sabia que isso poderia realmente acontecer.

-Pai... Quanto tempo eu vou poder controlar isso? – Sussurrei temorosa.

-Isso é você querida! Sua magia faz parte de você, eu não posso dizer quando você vai controlar, é você quem tem que me dizer.

-Eu estava tão calma.... Extasiada, e agora aconteceu isso – Eu disse olhando com tristeza para o meu quarto destruído.

-Por isso tudo estava flutuando, sua alma está leve – Comentou pensativo – Não se sinta mal, essas coisas acontecem – Disse e eu tive que rir.

-Com certeza! Todo mundo acorda flutuando! – Eu disse revirando os olhos.

-Somente os melhores – Disse sorrindo e eu tive que revirar os olhos novamente.

Meus pais e seu ideal de supremacia, como se nós conjuradores fossemos melhores que os mortais, que os vampiros, que os lobisomens e os caçadores! Bobagem!

-Mas mudando de assunto – Eu contínuo – É normal sentir essa agitação? Essa vontade de sair correndo, de pular?! É tudo tão mais vivo agora, tudo está mais claro, em todos os sentidos!

-Isso é normal no início – Responde – Essa energia que sentimos da natureza, das pessoas ao nosso redor sempre vão nos afetar, e muito! A natureza nos dá a energia que precisamos para fazer os feitiços, de nos curar, mas ela também nos tira quando não agradamos os Guardiões e a Grande Mãe.

-Não agradar como? Poluindo? – Eu disse irônica e meu pai me deu um olhar de “Não seja estúpida”.

-Você entendeu o que eu quis dizer, mas respondendo, é não matando alguém – Disse mais sério – Matar alguém é como matar nossa alma, isso corrompe nossa magia, quem somos. Somos todos filhos da Grande Mãe, podem achar que é outro gênero, chamar de outros nomes, não importa! Não podemos prejudicar quem está ao nosso redor.

-Se todos pensassem assim o mundo seria melhor, e por isso eu prefiro os animais – Murmuro e meu pai sorrir.

-Você vai ter muitas dúvidas, vai agir de acordo com seus pensamentos e ideias, mas agora tem uma perspectiva diferente, e eu espero de todo meu coração minha filha que você não faça nada que vá se arrepender e se distanciar de sua família – Diz olhando em meus olhos.

-Eu também espero – Digo sincera.

-Mas hoje não é somente um dia para tratar de assuntos sério – Diz e abre um sorriso imenso, eu começo a rir e minha mãe saí de trás da porta dando pulinhos de felicidade e desviando dos cacos de vidro.

Ela se jogou em cima da gente e nós rimos.

-Oh, minha filha! Parabéns! Parabéns! – Diz me sufocando com seus beijos.

Depois de um momento constrangedor familiar chegou a parte dos presentes. Meu pai me deu um lindo buque de tulipas brancas, minha flor favorita! Minha mãe me deu um colar de ouro, com um pingente em formato de eclipse, era um trabalho tão incrível! Nunca tinha visto algo parecido.

-Conheço uma ourivesaria incrível, comprarmos suas peças a gerações! – Diz minha mãe – Sente como o colar é agradável? É ouro puro, tudo que você usar que venha da natureza vai te fazer se sentir melhor - Comenta.

-É incrível, mãe! Obrigada!

Depois de conversarmos mais um pouco eles foram embora e eu fiquei encarando meu quarto destruído.

Desde pequena eu podia fazer algum tipo de feitiço, não era difícil, mas eu não conseguia sem a ajuda de alguma pedra ou erva que me ajudasse a canalizar minha magia. Por isso nosso aniversário de dezoito anos é tão importante, essa magia fica presa dentro de nós até esse dia, e esse dia chegou.

Agora eu poderia mover tudo com meus pensamentos, até mesmo inconsciente. Destruir, concertar, queimar, nada era impossível agora, eu sentia que nada podia me deter, e também no fundo sabia que seria isso que me destruiria, é o que mata a maioria dos conjuradores, não sabemos lidar com tanto poder.

Olhei lentamente para cada parte do meu quarto e tudo foi voltando para o lugar, os moveis se rastejavam de volta, os vidros flutuavam até se unirem e voltarem para seus lugares. Eu me levantei e minha cama começou a se organizar sozinha, eu poderia me acostumar com isso.

Meus pais diziam que depois de um tempo isso cansava, eles achavam que estavam perdendo esse lado mais humano, mais simples. Não posso concordar com eles.

Fui tomar meu banho. Hoje vamos para a casa da minha avó, em Laranjeiras, e como moramos em Teresópolis, seria uma viajem um pouco longa.

Coloquei Florence para tocar enquanto estava na banheira, o som envolveu meus ouvidos como uma caricia, como eu amo essa fada ruiva! Enquanto eu cantava baixinho fazia com que algumas gotas de água flutuassem a minha volta, ao ritmo da música. Eu não conseguia parar de sorrir.

***

Tereza não é uma avó convencional, o cabelo laranja deixava isso bem claro. “Apenas um erro na cor da tinta”, ela disse e logo soltou um palavrão. Minha avó era uma comédia. Ao contrário de muitas que cozinham muito, ela não cozinha nada. Meu almoço de aniversário foi de um ótimo restaurante japoneses que pedimos. Quando se trata de plantas raras e feitiços antigos minha avó é a mais conhecida de toda a região pelas famílias conjuradoras.

Meus tios e alguns primos também estavam ali para almoçarmos juntos, mas ao contrário das famílias mortais que devem falar sobre trabalho e programas de TV, nós estávamos falando de feitiços, nossa expectativa para o próximo eclipse e vendo quais flores levaríamos para os Guardiões em nossa próxima visita ao Grande Lago.

Meu primo, Marcus, também estava na mesa ouvindo tudo entediado, quase debochado. Ao contrário da minha avó que olhava para ele insatisfeita com seu semblante, eu estava curiosa.

-Não lhe vi está madrugada – Murmurei baixo olhando para ele, para não achar a atenção dos demais.

-Eu estava lá, não tinha muita escolha – Respondeu seco e vendo minha reação acabou se desculpando – Não era por sua causa... Só estou cansado desses rituais em família, só serve para nos aprisionar uns aos outros.

-Você acha que a Iniciação é para isso?! – Pergunto surpresa.

-Sim, mais do que nos iniciar ao mundo da magia – Murmura – É fazer nossas ações serem comunicadas a nossas famílias. Essa sensação de liberdade é uma verdadeira mentira! Estamos presos ao dever se servir aos Guardiões e a nossa família, apenas para conseguir o que todos querem.

-Hum... você tem razão de certa forma, primo – Comento – Mas isso também vale para eles, se precisam fazer algum feitiço grande eles precisam de nós, é um jogo de mão dupla, ambos os lados devem ceder, para que no final tenhamos o que queremos, o que você deve concordar que não é ruim.

-Sim... não é ruim – Diz pensativo.

-Você já pensou em distanciar da família, Marcus? – Pergunto ainda mais baixo depois de um tempo.

-Não – Responde – Apesar de me incomodar essa falsa liberdade, eu ainda me sinto muito ligado a família, mesmo depois de dois anos da minha Iniciação – Ao ver que eu não disse nada ele me olhou com mais atenção – Você conseguiria? – Perguntou surpresa.

-Eu... eu não me sinto tão ligada a eles assim – Comento tão baixo que ele não ouviu.

Marcus passou o restando do almoço em total silêncio, sem tocar na comida. Eu não dei muita importância e tratei de conversar com todos para não deixar nada transparecer.

A Iniciação nos liga a família de forma única, nós podemos sentir quando um de nós está com problema, morrendo, podemos sentir o poder fluindo entre nós. Outras famílias conjuradoras tem outras formas de se unir, com símbolos, objetos, minha família decidiu unir nossa magia, por isso, quando temos que fazer um feitiço grande precisamos uns dos outros. Antes da Iniciação eu achava esse método perfeito, afinal que pessoa não gostaria de ter uma família unida?! Mas agora eu estou vendo isso como uma forma de dependência, nunca estarei livre do julgamento e decisão deles. Quando penso em o que é ser uma bruxa, eu penso em total liberdade. E que liberdade é essa quando minha família sabe cada magia que faço?! Que pode restringir meu poder se eu fizer algo que não os agradar?!

Marcus tem razão ao dizer que não temos liberdade.

Passei a tarde dando motivos para o meu pai para me deixar comemorar meu aniversário na Lapa, já que estávamos no Rio e eu fiz 18 anos nada é mais justo que isso. Foi difícil convencê-lo que eu iria me divertir sem beber ou usar drogas, por fim, depois da minha própria avó dizer que sou careta demais para beber e me drogar, meu pai deixou que eu fosse.

Chamei meus primos, Áurea, Marcus e Yasmin para irem comigo, principalmente por que Marcus tem um carro.

Assim que chegamos na Lapa estacionamos o carro e seguimos andando até a boate. É engraçado como os mortais nos olham agora, atraídos por nós, e não havíamos mudado nada.

-Observe como os mortais são controláveis, Luna – Disse Yasmin rindo.

-É você quem gosta de controla-los, Ya – Diz Áurea secamente – Não faça isso, Luna.

Marcus apenas ria. Nós fizemos o sinal ficar vermelho e atravessamos sobre os olhares hipnotizados dos mortais. Nós não costumamos nos misturar com os mortais, até mesmo para não revelar nossa verdadeira natureza. Estudamos em casa, saímos mais com nossa família, como uma verdadeira seita. Muitos da minha família, inclusive meus primos, não tem respeito pelos humanos, os achava inferiores. Mas apesar de todas essas limitações eu tinha meus amigos mortais para o desgosto da minha família.

Entramos na boate que eu havia pesquisado na internet e logo percebi que tinha feito a escolha de comemoração correta. Tocava Lana Del Rey para minha alegria. Finalmente havia encontrado meu lugar no mundo.

Minhas primas ficaram conosco depois sumiram quando encontraram alguns rapazes humanos. Depois de algumas horas dançando com Marcus, nós nos estamos nos degraus da escada, observando a primeira pista de dança. Marcus começou a me contar mais a fundo sobre algumas histórias de nossa família, sobre outros clãs, feitiços proibidos.

-Você já parou para se perguntar por que nossa família não se envolve com outros clãs? – Perguntou Marcus, mas não deixou que eu respondesse – Você já deve ter ouvido sobre Valdir, o mais antigo patriarca que temos registrado em nossa arvore genealógica. Nossa família nem sempre foi sangue puro, foi por causa dele, e seu envolvimento com magia negra que ele trouxe a magia para nosso sangue, que nos condenou – Diz agitado, como se sentisse dor – Por isso nossa família é tão paranoica sobre usar somente magia branca, e os outros clãs temem se envolver com quem tem magia negra no sangue, sangue de demônio.

-Sangue de demônio?! Por favor, Marcus, isso é algo tão mortal de se dizer – Eu digo entediada – Existe magia negra e branca, e pessoas boas e más. Essas nomenclaturas religiosas só servem para culpar outra coisa pelo que escolhemos fazer.

Marcus riu, mas depois me deu um olhar sem vida.

-Você tem um olhar muito apaziguador sobre tudo, principalmente sobre os mortais – Diz Marcus.

-Procuro ver um outro lado da vida, não apenas o branco e preto, gosto de meio termos – Digo suavemente – E os humanos me fascinam.

-Fascinam? Como? Eles são seres sem poderes, destroem e matam tudo que eles precisam e dizem que amam, não sei como você pode se fascinar por criaturas assim – Diz altivamente – Tenho um conceito melhor pelos os vampiros e os lobisomens do que por eles. Eles não valorizam a liberdade que tem, até o maldito segundo de serem privado dela!

Eu ri – Assim como eles, nós também somos falhos. Vai dizer que um bruxo nunca matou alguém?! – Digo olhando em seus olhos – Eles não têm poderes e por isso não precisam temer perdê-los. E Diferente de nós eles seguem o percurso natural da vida, que sempre fazemos feitiços para ficarmos jovens, curamos nossas doenças, nós não seguimos o percurso natural da vida. Você nunca parou para pensar como é nossa morte ‘natural’?! É horrível! Nós enlouquecemos com nossa própria magia que vai consumindo nossa mente! É como se nós nos matássemos – Sussurro.

-Você está sendo muito radical.

-Não acho... eles têm uma liberdade muito maior que a nossa, não são ligados a família, nem a missão de servir algo maior. São livres para escolher seus destinos, há tantas opções! É quase romântico não ter controle de tudo que acontece ao seu redor, que cada minuto seja único. Nós não temos isso, manipulamos tudo que acontece ao nosso redor, desde o tempo até as pessoas. Depois de um tempo se torna uma vida enfadonha e estagnada, e eu não quero isso.

-Acho que entendo seu lado – Diz Marcus – Queria lhe dar essa liberdade como presente de aniversário, para nós dois! Assim poderíamos poder viajar sem compromisso, nos relacionar com quem quisermos. Mas procure não ser tão pessimista, veja os lados positivos também. Não adianta se lamentar por algo que não temos, não vai adiantar de nada. E lembre-se que assim como você que os inveja, eles a invejam! Veja quantos filmes, livros e séries eles fazem sobre nosso mundo, é uma sede incontrolável por um mundo diferente, por algo maior que eles.

Antes que pudéssemos continuar a conversar, nossa atenção se voltou para a entrada da boate.

-Lobisomens – Dissemos em uníssono.

Mesmo em meio a tantos mortais conseguimos sentir a presença de qualquer outro ser sobrenatural, assim como eles. Eu me levantei de imediato, desesperada procurando por Yas e Áurea.

-Eles estavam o tempo todo nos ouvindo? – Perguntei irritada.

-Com certeza – Disse Marcus furioso, pude ver seu olhar mudar – Malditos lobisomens e sua maldita audição.

Nada de bom acontece quando encontramos outros monstros como nós.

Os pelos do meu braço se arrepiaram e minhas mãos formigavam prontas para o combate. O ar se tornou mais frio, fazendo todos reclamarem ao mesmo tempo.

-Controle-se, Luna... – Sussurrou Marcus.

Yasmin e Áurea vieram correndo em nossa direção e ficaram ao nosso lado nos degraus.

-Eles estavam atrás de nós – Diz Áurea nervosa – Sinto a raiva deles, posso sentir seus corpos querendo se transformar.

Áurea tem uma sensibilidade maior a outros seres naturais, assim como conseguimos sentir nossos poderes, ela saber o tamanho do poder de qualquer outro ser.

-Se transformar?! Aqui?! Não é lua cheia! – Diz Yasmin tão rapidamente que eu quase não a entendi.

-Se eles querem se transformar aqui eles não são de um clã normal... eles vieram com o intuito de caçar – Eu digo friamente.

-Vamos para o lado de fora – Diz Marcus – Não podemos ser vistos.

-Querem que nós vamos até eles – Eu digo.

Nós saímos da boate tensos, preparados para a briga. Meu sangue fervia e eu tinha vontade que queimar tudo, todo aquele bairro, purificar tudo com o fogo.

Eles eram cinco e esperavam por nós na parte escondida dos Arcos da Lapa.

-Vocês demoraram – Disse o do meio.

-Por que estão atrás de nós? – Eu disse friamente e sua atenção se voltou para mim.

-De vocês não, dele – Respondeu erguendo o dedo grosso, suas unhas pareciam ossos afiados.

Nunca havia visto um lobisomem e estava em pânico por dentro. Eles são mais lentos que os vampiros, mas são mais brutos e selvagens, eles não se importariam de nos matar na frente de todos esses humanos.

O rapaz ao lado dele continuou – Seus pais, Sara e Felipe, vão receber um recado – Disse com a voz sem vida, apontando para Marcus.

-Não podem nos enganar, não se pode se esconder de nós – Disse o do meio – Você, bruxinho, será o aviso para que eles nos deem o que queremos.

-O que vocês querem com meus tios? – Perguntou Yasmin furiosa fazendo todas as luzes da rua piscarem enlouquecidamente.

-A pedra da lua.

-Nós não podemos lhe dar isso! Vocês não nos deram nada em troca e o eclipse está se aproximando, isso é uma impossibilidade! Vocês não podem contaminar a pedra da lua.

-Vocês sabem tão bem quanto nós, que as pedras são de nossa responsabilidade – Diz Áurea.

-Isso não nos importa, nós viemos para dar um aviso aos pais dele – Disse o rapaz da ponta esquerda levantando o dedo esquelético. Ele estava todo machucado e mordido, parecia que cairia morto a qualquer instante.

Agora eu entendia por que os pais de Marcus estavam tão tensos está madrugada, os lobisomens estavam cercando eles! Mas por que eles não nos contaram?!

Eu estava ficando com tanto ódio que isso me fez pensar com mais clareza.

Eu olhei para os moradores de rua ao nosso redor e fiz com que dormissem, as luzes apagaram e os sinais de trânsito ficaram vermelhos.

Então aconteceu.

Senti Áurea ser derrubada do meu lado, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa dois deles vieram para cima de mim. Usei minhas mãos para manipular o ar envolta do pescoço deles, os sufocando.

Yasmin gritava e eu não sabia o que fazer para ajudá-la, mas quando olhei para ela viu o motivo por ela ter gritado. Havia um lobisomem em cima de Marcus estraçalhando sua garganta com as unhas, o outro estava morto aos pés de Marcus. Dei um grito de uma besta e apertei tanto os pescoços dos outros dois até sentir pequenos estalos em sua coluna e na mandíbula.

Quando abri as mãos eles caíram aos meus pés, sangrando e respirando com muita dificuldade.

Áurea havia quebrado cada osso do outro, e ao ver o corpo de Marcus inerte no chão começou a chorar e afastou o lobisomem de cima do corpo de Marcus e quebrou os ossos dele ainda mais lentamente. Os gritos dele ecoaram e Yasmim cortou sua língua em três partes o fazendo engasgar.

-Deixem ele viver! – Eu disse furiosa – Ele vai viver para relembrar da dor – Eu tirei Áurea de perto de mim e comecei a proferir o antigo feitiço. Quando terminei ele caiu no chão e eu me abaixei sussurrando em seu ouvido – Todas as noites você lembrará deste dia, sentirá a dor, todos os dias até que você tente se matar, e eu estarei lá para ver.

Yasmin tacou fogo no lobisomem morto por Marcus, as chamas consumiram rapidamente o corpo, soltando uma fumaça negra que gritou sobre o ar frio, fazendo que nós descemos um pulo, então as chamas se tornaram azuis, sumindo completamente com o corpo.

Trouxemos o carro até nós e pegamos o corpo de Marcus aos prantos. Não conseguíamos ligar para nossos familiares, não naquele momento. Fizemos o carro dirigir até o Grande Lago, nós precisávamos ir lá o mais rápido possível, os Guardiões nos esperavam, nos chamavam.

Nós não conseguíamos parar de chorar, implorar pela ajuda da Grande Mãe, pedir esclarecimento, queríamos a vida de Marcus de volta.

Quando chegamos vimos a imagem dos guardiões sobre água. Mesmo amanhecendo eu puder ver seus rostos nitidamente, via a tristeza. O céu começou a mudar bruscamente, o alaranjado do amanhecer estava sendo substituído pelo cinza da tempestade.

Nós três tiramos o corpo de Marcus do carro e o colocamos sobre a margem do lago, fazendo um círculo, mantendo a magia negra que havia matado ele presa em seu corpo até que todos chegassem.

Não sei quanto tempo demorou, mas o que nos despertou foram os gritos de Sara ao ver o corpo do filho. Com as mãos unidas nós choramos mais e impedimos que Sara se aproximasse.

-Meu filho! Meu filho! Meu único menino! – Dizia sem parar.

O céu se fechou com a tristeza dos Guardiões ao ver a dor da mãe. Sara não era legitimamente da família, mas seu sofrimento não podia ser ignorado. Uma tempestade caiu sobre nós e aos poucos toda a família chegou, cada um se juntando atrás de nós repetindo sem parar o mantra que dizíamos para purificar o corpo de Marcus e libertar sua alma.

Quando um círculo de fogo se formou a nossa volta eu sabia que toda a família estava unida, os vivos e os Guardiões. Não poderíamos deixar a magia negra corromper Marcus, não podíamos deixar que a magia negra entrasse novamente nessa família.

Nós continuamos a repetir o feitiço até que o corpo de Marcus começou a queimar sobre a chuva forte, toda a energia e magia negra saia em uma fumaça densa do fogo azul. Dentro da minha pude ouvir o sussurrar dos Guardiões nos dando força.

Quando finalmente terminou o fogo e a chuva pararam, deixando apenas o corpo intacto de Marcus, sem feridas ou qualquer sangue, se alguém de fora o visse pensaria que ele estava dormindo, de tamanha paz que ele emitia.

Sara colocou a cabeça sobre seu peito e chorou baixinho, tocando em seu rosto. Felipe pegou a mão do filho com força e começou a sussurrar algo que não pude ouvir.

Meus olhos doíam e estavam inchados quando olhei para a água, vi o espirito de Marcus refletido sobre a água, vi sua boca se mexendo, mas sua voz estava em minha mente.

-Seja livre – Sussurrava sua voz agora tão majestosa.

***

Agora mais do que qualquer um eu sabia a dor da perda. A vingança nunca me bastaria. Eu me sentia culpada por ter feito Marcus sair conosco, culpada por ter amaldiçoado aquele lobisomem, por ter deixado os outros inertes a vida. Eu tinha afligido a mesma dor que eles tinham me feito, e mesmo assim isso não serviu para apartar meu sofrimento.

Demorei um tempo para decidir qual seria meu passo seguinte, eu precisava seguir em frente. Yasmim e Áurea são menos sentimentais do que eu e esconderam bem seu sofrimento, que ao contrário de mim, fiquei trancada em meu quarto sem querer conversar com ninguém.

Não fui no enterro convencional de Marcus, havia visto sua alma fora do corpo, ele parecia bem, e essa era a imagem que eu queria ter dele em minha mente, não de seu corpo frio e inerte.

Depois que decidi sair do quarto fui até o Grande Lago em busca de respostas. Quando cheguei lá o único som que ouvia era de Marcus em minha mente repetindo sem parar sua última frase para mim.

-Estou livre? Livre da Iniciação? Como? – Sussurrei.

Não conseguia ver a lógica, muito menos essa possibilidade. A família controla a magia, não vejo como sair desse círculo sem prejudicar eles ou a mim. Eu não queria perder minha magia. Antes que pensava que seria melhor se eu fosse uma simples humana, mas essa não seria eu.

-Eu aceite meu destino! Oh, Grande Mãe! Guie meus passos, ilumine minha mente! Sua filha está perdida... – Sussurrei joelhada sobre a terra macia.

Mas a única resposta que tive foi a mesma frase de Marcus, só que cada vez ela ficava mais perdida em minha mente, mais baixa, até que eu não a ouvi mais. Não ouvia mais a Marcus e nem aos Guardiões, clamei por eles e não obtive resposta.

Eu me levantei na hora, alarmada, poderia ser algum tipo de ataque, mas não havia ninguém em nossa terra sagrada. Foi quando percebi que não estava mais ligada a aquele lugar, nem a ninguém da minha família, não sentia sua magia, apenas a minha.

Marcus havia me libertado. Libertado meu destino.


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Notas finais do capítulo

Aos poucos vou voltando com minhas histórias ;)
Saudade de vocês >.
Boa semana
Até ^^



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