Eternal escrita por Rausch


Capítulo 11
Capítulo 10 - For a thousand years, For a thousand and more


Notas iniciais do capítulo

"Em todos aqueles anos, tudo o que imaginei foi você." - The Normal Heart



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Fechou o zíper da mala rapidamente. Os gritos do pai já o haviam interceptado duas vezes, isto porque certamente perderiam o voo até San Francisco. Os motivos da viagem lhe soavam incoerentes, embora Julian soubesse que tinha a ver com aquela longa conversa subjetiva sobre sensitividade. De todos os momentos nos quais julgou que pudesse ser facilmente identificado como louco, aquele era de longes o maior, no entanto, pensar sobre a viagem e o lugar o fazia pensar numa pessoa em específico.

Robbie não falava com ele faziam dois dias, e mesmo que isto já tivesse acontecido, parte dele o deixava temeroso, porque querendo ou não a incerteza de estar crescendo lhe trazia todos os tipos de reflexões, sobretudo a de que algo ilusório como aquele poderia facilmente ser superado por alguém que estava há quilômetros e necessitava de algo real. Não era duvidar do amor, era saber analisar as condições para que ele fosse bom e concreto. Os pais o haviam obrigado a levar muitas roupas, destacando-se a longe leva de casacos para o frio. Ao invés de por aquele na mala, foi ele quem vestiu. O mesmo casaco da Harley do seu pior momento, e que ainda sim, demonstrava seu ato de maior fuga.

– Está pronto, Juli?

– Sim, apenas estou pegando algumas coisas. – Ao dizer isto, o rapaz foi até um pequeno pote abandonado atrás de todas as coisas do armário e ao destampar o mesmo, de lá retirou uma pecinha de lego bem antiga. Analisou-a e guardou no bolso da jaqueta. “Para dar sorte”.

Daniella apareceu após abrir a porta e olhava o filho. O olhar da mulher se estreitou e por um instante estava distante daquela imagem irremediavelmente inconsequente. O tempo passava, porém, a jovialidade dela de uma menina de 15 permanecia a mesma.

– Está preocupado com algo, amorzinho?

– Só com a viagem. Viagens de uma última hora me assustam. – Julian deu alguns passos e alcançou a alça da mala.

– Pense que está indo conhecer mais uma parte do mundo, e conhecimento nunca é demais. Quem sabe não vai ser o melhor momento da sua vida? – Ela adentrou ao quarto e parou próxima ao menino.

– Estou fazendo isso para não ser um fugitivo, quer dizer, sou um de todo jeito. – Julian aperto as barras da jaqueta contra o corpo.

– Ei! – Dani o repreendeu.

Aquilo funcionava como uma piada, ela, sendo quem era, repreendê-lo por algum ato. Nutria por ela respeito, por mais que na maioria das ocasiões isto fosse algo não demonstrado, mas ainda era sua mãe. Calou-se, e ela tornou a falar:

– Já reparou no que está vestindo? – A mulher perguntou indicando a vestimenta em azul e vermelho do menino

– A roupa de outra criminosa.

– Não, Juli. É a Harley. Já parou par apensar sobre quem ela é realmente?

Ele negou com a cabeça.

– Harley, ou Harleen, é uma metáfora perfeita do ser humano. Significa que o amor que você sente por alguém sempre vai ser maior do que os erros ou o mal que jogam contra você. Por mais que seja apenas um estado de loucura. E há quem diga que os loucos pensam melhor que os “normais’. Existem coisas que te mudam na vida, mas você também muda a vida com algumas coisas. Por mais que somente uma personalidade irreverente, ou simplesmente insana. Na vida tudo é troca, consequências que apenas temos de lidar. E pode parecer ruim, porém, vai tudo dar certo. – Ela tocou o rosto de cachinhos.

– Obrigado. Não vai mesmo com a gente, não é?

– Não, no entanto, eu talvez apareça na grande Londres. Não consigo ficar muito tempo longe deles, e você. A minha loucura diz que te ama. Acredita nisso? – Daniella olhou em seus olhos.

– A minha loucura acredita. – Abraçou a mulher pela cintura.

– Agora você tem de ir, Hernando estava reclamando que eu não te apressaria direito. Veja mesmo.

– Exagerado. – Julian arrastou a mala pelo chão e as rodinhas fizeram um certo barulho ao deixarem o quarto.

O menino colocou a mão na maçaneta e puxou a porta, mas antes, ele bem deu uma boa olhado naquele lugar. E tendo fechado a porta, algo nas profundezas do seu ser lhe dizia que não veria aquele lugar por muito tempo. Ou para sempre.

– Sem reclamações, estou pronto. – Julian puxou a mala pela escada.

– Quase perdemos o voo, Cariño. – Reclamou Hernando.

– Sério? Tenho certeza que ainda está na pista de pouso. – Julian respondeu.

Puxou o celular do bolso e observou na área de notificações. Esperava encontrar algo de Robbie, mesmo que fosse um simplório SMS de “estou bem”. Estar indo para San Francisco sem razão alguma específica e não poder ver Robbie me deixava mal por dentro. E eis que seu disfarce não demorou para se fazer notar. Escondeu o aparelho no bolso da jaqueta e observou os pais puxando as malas, enquanto Daniella os acompanhava até a saída. Os levaria até o aeroporto e traria o carro de Lito de volta com ela.

A ida até o aeroporto foi tranquila, como esperavam que fosse. Julian checou o celular mais de duas vezes durante o trajeto, e para uma dose a mais de uma surpresa inexistente, eis que teve o bastante. Como Hernando havia alarmado mais cedo, quase havia perdido o voo para San Francisco. Se não fosse por Daniella armando algum tipo de confusão no saguão do aeroporto, certamente teriam fechado o protão, eles teriam perdido o voo. E graças as suas habilidades infindas em criar confusão, foi realmente útil naquela vez. Alguns abraços compartilhados rapidamente e incertezas deixadas no “Vejo vocês logo”, também estiveram na listagem do momento.

Enquanto caminhavam pela passagem que ligava ao avião, o menino Julian viu a figura da mãe se cobrir e por alguma razão desconhecida, ou somente por precisar de algo perto de seu coração, passou os braços nas cinturas dos dois pais e os puxou para junto de si.

– Juntos! – Disse Julian.

– Juntos! – Disse Lito.

– Juntos! – Completou Hernando e deu um beijo no topo da cabeça de Julian.

(...)

– Sabem que eu odeio quando sinto que me escondem algo, não é? – Robbie reclamou enquanto ia no banco de trás do carro.

– É apenas um casal de amigos nosso, eles estão vindo do México fazer um trabalho aqui e não tinham onde ficar. Apenas isso, Robs. – Respondeu Nomi do volante.

E como se fosse fácil para ele, elas ainda diziam o nome daquele lugar que continha a pessoa que mais poderia desestabilizar todos os seus pensamentos. Depois do atentado contra Julian nada tinha sido mais o mesmo e Robbie nunca se sentiu tão impotente diante de algo. Mesmo que o tivesse avisado do perigo, não foi capaz de livrá-lo dele como gostaria de ter feito Era seu dever proteger Julian Rodriguez, por mais que o passar dos anos tivesse tornado cachinhos alguém mais independente.

Não falava com ele há alguns dias, e bem, não sabia ao certo o porquê de não fazer. Talvez fosse pela vergonha de não o ter devidamente salvado, ou resumidamente por ser menos do que o que ele merece. Robbie sentia isso ultimamente. Paciência faltava-lhe, principalmente agora, quando as mães começaram aquela de hospedar amigos e nem mesmo Rob sabia quem eram. Pela relação íntima entre eles, era o mínimo que ele esperava saber. O caos no qual as ruas se encontravam era explícito, tudo por ser o dia da parada. Aliás, a tradição delas havia se quebrado? Porque deveriam estar marchando e festejando com seus semelhantes. Não entendia mesmo aquilo.

Ruas multicoloridas enfeitavam tudo, e Robbie apenas tinha vontade de voltar para casa e continuar o projeto da máquina na qual estava trabalhando. Chegaram ao aeroporto rapidamente, visto que, não era tão longe de casa. Robbie saiu do carro com as mãos nos bolsos do jeans e perguntou:

– Agora esperamos até quando?

– Deixe de ser mal-humorado, Rob. – Amanita o abraço pelos ombros.

– Eles devem chegar logo, se não já tiverem chegado. – Nomi advertiu, fazendo com que todos caminhassem para dentro do local.

– Se não se importa, mãe, ao menos posso olhar os aviões no pátio de pouso, através das grandes vidraças do saguão principal? – O filho perguntou.

– Claro, Robbie. Eu te ligo quando eles chegarem.

Com as mãos nos bolsos o menino caminho para uma direção oposta à elas. Em seus passos ainda repercutia em sua cabeça a palavra do originário lugar no qual viviam seus amigos. Era tão covarde. Por que nunca pediu para ir lá? Ele poderia ver Julian, tocá-lo, beijá-lo, e tudo só dependia de um simples pedido. E notava que era covarde por tudo se resumir ao medo de não ser realmente o que Julian sempre imaginou que fosse. Retraiu-se ao observar um avião pousar e deu as costas. Estar ali, naquele lugar de pouso, era apenas uma desculpar para não participar da festa do encontro. E foi caminhar pelo aeroporto.

(...)

– Pois as suas amigas estão atrasadas, papa. – Julian disse ao olharem para todas as direções e não ver nenhuma loira que usava óculos e estaria vestindo uma camisa xadrez vermelha.

– Por que a pressa, Julian? Já chegamos, isso que importa. – Lito também procurava dentre os vultos residentes ali.

– Eu acho que preciso de doces. Chiclete. – Comentou.

Caricato até demais para ele, trajando aquela jaqueta de Harley. Julian olhou para Nando e disse:

– Vou comprar chicletes, papa. Volto rapidinho.

– Não se afaste muito, Ju. – Ele respondeu cuidadoso.

Guiou seus passos até um pequeno quiosque ali perto e enquanto o fazia, foi parado por um garoto alto. O menino vestia roupas coloridas e perguntou:

– Você é Julian Rodriguez, não é? Tira uma foto comigo?

– Sim, sou eu, claro que sim. – O menino apontou a câmera para ambos e retratou numa selfie o que queria.

– Não acredito, obrigado! – E saiu correndo a pular. Julian achou estranho, no entanto, aceitável. Ele não era lá algo que valesse a pena, nem mesmo achava-se isso, mas a reação do garoto o preencheu algo por dentro.

Pegou duas embalagens de um chiclete de amoras e ao pagar no caixa, logo ele retirou um tablete e instalou na boca, passando a mascar. O gosto adocicado o preencheu o paladar teria aquilo para que o tempo passasse. Enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta. Avistou os pais no mesmo lugar e desta vez estavam acompanhados por duas pessoas. A loira de roupas xadrez e Lito se abraçavam como se fossem amigos de anos, já a acompanhante dela usava dreads coloridos e possuía algumas tatuagens por sobre a pele negra. O gesto do abraço o causou a sensação de que estava na terra daquele a quem mais queria abraçar, exibia-se como a sua vontade mais profunda e desesperadora. Apenas tentou por um sorriso no rosto para receber as amigas do pai, quando sua visão paralisou. Notou que o par de olhos há poucos metros também parou e o encarou. E Robbie Marks estava ali. Será que sabia que Julian estava de verdade naquele aeroporto e resolveu finalmente se comunicar? Seria tarde para pedir que viesse lhe ver? Apenas ver.

Julian deu mais dois, no entanto, retraiu-se quando viu que a loira pegou Robbie e o apresentou a seus pais. Ele apertou deles. Mas os seus pais nunca viram Robbie Marks, somente ele. Robbie não tirou os olhos dele. Julian sentiu o corpo começar a tremer e parou de mascar o chiclete, dando lugar à uma expressão assustada e com as mãos cobriu a boca. O outro menino pareceu dizer algo ao grupo e se desligou. Ele vinha em sua direção, e todos pararam para olhar. Seus pais e as outras duas mulheres.

Não somente a boca estava tapada, como ele chorava. Algumas lágrimas rodearam seus olhos e a cada passo dado por Robbie, sentia o quão real aquilo era. O quão surreal.

– Cachinhos? É realmente você? – Perguntou com a voz maravilhada.

– Robbie! – A voz saiu trêmula por causa do choro, porque ele não sabia o que pensar.

– Eu. – Robbie concordou.

– Você existe. – As lágrimas ocuparam o rosto de Julian por completo. Os braços do menino na jaqueta azul e vermelha correram para os de Robbie e prenderam-se em volta do seu pescoço.

O toque de verdade, a maneira real com a qual os corpos se encontraram. Já não era como naquela força do pensamento, era concreto. Ele sentia o coração batendo de Robbie. Se abraçaram tão forte que um filme inteiro passou por ambas as cabeças. Não queriam saber do ao redor, nem mesmo das pessoas. Julian manteve segurando ele firme e as lágrimas caiam-lhe no ombro.

– Eu te esperei tanto. – Robbie disse no ouvido do menino, ainda descrente de tamanha desventura.

Julian não disse nada, apenas continuou o abraçando. Foi o abraço que precisou durante a vida toda, o único com o qual sonhava nos piores momentos. Quando os braços soltaram Robbie, Julian secava algumas lágrimas do rosto ainda o olhando nos olhos.

– Eu espero que você me perdoe por isso, inclusive seus pais. – As mãos de Robbie agarraram forte o rosto do menor e ele o puxou para seus lábios.

Não sabia como se preparar para um primeiro beijo, nunca havia feito, porque nunca tinha pensando num primeiro beijo se não fosse com Robbie Marks. Julian segurou sua nuca com a mão direita e apenas deixou que o momento delineasse tudo, semelhante a um pincel ao pintar um quadro. As cores moldavam-se, como também, moldavam-se os lábios unidos e conhecendo um ao outro. Quando o beijo cessou, Robbie juntou a sua mão com a de Julian e as encostou do lado esquerdo do peito do outro, também aproximando seu peito. Os olhos não se desligavam. Não havia outra palavra, surreal.

– Rob, pelo amor de Deus, onde foi parar seu respeito? – Neets interrompeu tudo se aproximando.

– Desculpe, mãe. Era apenas algo que devia fazer. – Robbie mexeu na gola da roupa.

– E cuidado com o meu filho. – Hernando foi até o menino e o tomou nos braços.

– Então, Nomi, este é o meu filho, e futura estrela, Julian. – Lito exibiu o menino, mas olhava feio para o garoto que o beijara.

– Então você era o pestinha que me fazia de boba quando pequeno? E tem mesmo os cachinhos. – A loira sorriu para Julian.

– Eu mesmo.

– Eu sou Nomi, prazer.

– Julian Rodriguez. – Sorriu simpático para a loira.

– Pensando bem, a tatuagem do Robbie com seu rosto teria sido linda. – Amanita disse.

– E a você deve ser a Amanita. – Ela assentiu.

– Eu ainda não acredito nisso. – Julian se jogou em Robbie e o abraço novamente.

– Acho que preciso descansar, estou com uma dor de cabeça insuportável. – Reclamou Hernando.

– Descansar? Really? Logo hoje? Onde está o orgulho de vocês? – Neets protestou.

– Oi? – Questionou Lito.

– Hoje é dia do orgulho, e costumeiramente tem a parada. Amanita nunca perde e meio que nossa família tem essa de estar junto todos os anos. E estão convidados. – Nomi explicou.

– Eu quero ir, nunca participei de algo assim. – Julian manifestou-se.

– Eu não sei, Nomi, não é algo perigoso? E tem mais, fico preocupado com Julian. – Disse Lito.

– Eu tenho 18 não 8, papa. Por favor?

– Eu cuido dele, Senhor. – Robbie se prontificou.

– Eu estou vendo do que você cuida. – Lito foi direto no que pretendia dizer.

– Papa! – Julian protestou.

– Desculpem. Certo, Cariño, você vai com eles. Vou cuidar dessa dor de cabeça do seu pai.

– E você acha mesmo que vou jogar minha criança aos lobos? A dor de cabeça passou! – Hernando se meteu na conversa e ficou atrás de Julian parado.

(...)

Robbie havia posto, definitivamente, algo que incorporou ainda mais o personagem de Julian em seu rosto. Os dois destaques nos olhos, um em rosa e o outro em azul, deixaram-no ainda mais parecido com a personagem a qual sua jaqueta nomeava. A animação permeava todo aquele lugar e a multidão era simplesmente inimaginável. Julian, mesmo em tantas estreias, nunca havia imaginado uma confluência tão exorbitante de indivíduos. Cor definia cada aspecto do lugar, nunca faltavam. As mãos de Robbie ainda ficaram um pouco sujas da sombra de olhos e enquanto isso, os pais e as mães conversavam um pouco, se bem que Nomi Marks estava a rir da maquiagem de Julian Rodriguez. Não que estivesse feia, mas se ele começasse a ameaçar ou fazer piada das pessoas, causaria comoção cômica.

– Agora já pode me chamar de Pudim. – Rob satirizou.

– Mas você não pode me dar choques. – Julian fechou a cara.

– Eu quero ouvir o grito de vocês. Quem está animado hoje? – Gritou um homem em trajes vermelhos acima de um trio elétrico.

A multidão entoou gritos e pessoas levantavam copos em resposta ao ânimo. Hernando mais parecia um peixe fora d’água. Ser reservado e calmo estavam em suas perícias e o lugar extrapolava tudo, por mais que apoiasse o ideal. Robbie havia posto uma cartola de Coringa na cabeça e juntos tiraram um selfie, ao qual o menino tratou de por no Instagram. Julian não soltava a mão de Robbie e em dado momento o outro rapaz olhou na direção da mãe, que parecia preocupada com algo. Amanita a olhava nos olhos e dizia algumas coisas, e foi um colapso em meio a festa, pois Lito e Hernando passaram a conversar com a mulher.

– O que está havendo? – Perguntou Juli.

– Eu não sei, mas tenho suspeitas – O menino soltou o namorado e foi na direção da mãe – O que foi, mãe?

– Sua avó. Quem mais conseguiria estragar o dia de hoje? Estou profanando o aniversário de casamento dela estando aqui e ela tem o prazer de me ligar só para me chamar de “Michael”. – A loira explicou com o semblante desestruturado.

– Essa velha não tem o que fazer, eu vou lá. Eu vou! – Robbie enfureceu-se.

– O que ta fazendo, Rob? Você não vai a lugar nenhum. – Julian segurou em seu braço.

– Essa mulher faz isso desde que sou criança, antes disto, ela humilha minha mãe por não ser como queria. – Robbie bufava.

– Perdi meu telefone, droga! Preciso fazer uma ligação. – Julian menti sentindo o telefone no bolso. Foi na direção de Nomi – Pode me emprestar seu celular? É só para uma rápida ligação. O meu deve estar na mala.

– Eu te empresto, Cariño. – Lito se ofereceu.

– Não, papai, é para ligar para um colega daqui mesmo de San Francisco. Iria cobrar taxa alta. – Despistou o pai e começou a sentir que aquilo realmente havia o incomodado. Sentiu sua primeira mudança.

– Tome, sem problemas. – Nomi cedeu o celular.

Julian o pegou e não teve cerimônias quanto a clicar nas últimas chamadas, a lista completa apareceu na tela. Um número sem nomenclatura surgiu diante de seus olhos e a julgar pelo estado da situação, provavelmente era o número que buscava. Robbie o explicara certa vez sobre as questões de gênero, outrora que rodearam a vida de sua mãe a mudança que fizera ainda jovem, o que me soava como um ato repleto de coragem. A coragem não deve ser banalizada. E por isso, ele apertou o número.

– Alô!? – A voz de uma senhora atendeu do outro lado.

– Olá, eu não sei o seu nome, mas eu liguei para dizer umas coisas. – Julian começou.

– Hã? – A mulher pareceu não entender.

– Discursos transfóbicos são mais comuns do que supõe a sua inexistente filosfoai, incluindo o fato disso também partir da própria família. Mas estou dizendo para a senhora que isso vai acabar, ou melhor, eu acho melhor que acabe.

A expressão dos presentes se estatelou com aquilo. Entendiam e não entendiam ao mesmo tempo.

– Quem é você?

– Não te interessa. Só estou dizendo que desta vez as suas piadinhas de mal gosto por conta do gênero da sua filha estão no prazo de validade. Se este tipo de coisa prosseguir, eu mesmo vou me certificar que seja enquadrada em no mínimo dois processos de violação do respeito. Pode ser mãe, ou melhor, não é uma mãe, e não tem o direito de reduzir um ser humano por qualquer motivo que seja, principalmente por defender Deus, ou seja lá em qual centro ou igreja a senhora cultua. Bíblia não derretem grades de prisão, e se este aviso não fizer efeito, nem se dê ao trabalho de levar a sua para o presídio. – Julian pareceu raivoso ao telefone, ao mesmo tempo sendo sério.

– Eu vou descobrir quem é vai me pagar por este trote. – No mesmo tempo Julian desligou o celular e respirou fundo, terminando por dar um sorriso para Nomi, que não sabia que expressão utilizar.

– Eu já gosto tanto desse garoto. Quando vai casar com o meu filho. – Amanita tomou Julian nos braços e levantou do chão.

– Quando os pais dele permitirem. – Disse Robbie.

Lito e Hernando exprimiram feições chocadas e surpresas e prevaleceu a carranca do primeiro ao olhar o rapaz. Um ritmo começou vindo do trio elétrico e ao ser posto no chão e ainda com os lábios esticados num sorriso, o menino Rodriguez parou e reconheceu aquilo. Musicalidade animada e uma pitada de poder e presença.

– Licença. Eu prometo que se eu tiver de dançar, eu só quero esta música. – Ele disse para todos. Julian balançou os cachos.

– Vem comigo então. – Neets puxou Julian.

– O que ela está fazendo? – Perguntou Nando assustado.

Amanita foi responsável por ser a credencial que levou Julian para o topo daquele trio elétrico, no qual pessoas daquela elite se encontravam. O som vinha de lá e ao estar lá em cima o número de pessoas que passou a reconhece-lo era enorme. Foi cumprimentado por grande parte e a batida ainda mixava e se arrastava sem começar a canção.

– Ele tem uma voz incrível, apenas confira! – E Neets o deixou para os lobos.

Um microfone foi empurrado em sua direção a mixagem passou a transitar entre o compasso original da música. Era Sissy That Walk, da RuPaul. Caminhando para a passarela de destaque do trio, o menino olhou para baixo e viu tanto um pai como o outro com as mãos na boca, provavelmente pelo medo que ele caísse dali.

– Essa vai para Nomi Marks e seu caminhado mais feminino nesta parada. – Gritou no microfone quando a música soou alta.

Começou a cantar com as mãos na cintura e erguendo para cima o rosto, uma supremacia exibida através da letra da música. “Se elas não pagam suas contas, deixe essas vadias para lá”. O menino enfatizou enquanto cantava e permitia que a voz fosse adequando-se a mixagem eletrônica. Muitas pessoas embaixo dançavam ao seu som, passou também ase mover, por mais que limitadamente pelo espaço. Julian ergue os braços durante as entonações de “Fly, fly, fly, oh oh”. A grande multidão o seguia e apenas achando que só Robbie lhe traria a felicidade inesperada, fazer uma pessoa sentir-se bem com quem era também trouxe, pois vislumbrou o semblante de Nomi adornando um sorriso e mandando um beijo em sua direção.

– Now sissy that walk. – Gritou ao microfone uma vez mais.

(...)

“Obrigado pelo apoio”, “Sua voz é maravilhosa, não deixe de usá-la a nosso favor”, “O novo símbolo adolescente chamado Julian Rodriguez”, “Você tem uma aura angelical, nunca agradeceremos o suficiente pelo que fez”. O menino descia sua página no facebook e pela primeira vez na vida estava tocado por algo que lia ali, que divergia de todas as violências e agressões, outrora postas ali. Após a canção, eis que fez um discurso e falou sobre a revolta de viver num mundo no qual delineavam os padrões e utilizavam de segregação por fatores irrelevantes. Falou sobre a ideologia difícil de um mundo que extinguia o preconceito, e até ali não entendia onde havia arranjando tantas palavras para traduzir apenas o desejo o desejo de ser livre para mar, para ser.

Todos estavam dormindo, inclusive Robbie, mas ele não conseguia pregar os olhos, pois ainda pensava em suas palavras. As pernas estavam cruzadas no sofá da casa dos Marks, e então sentiu uma presença aproximar-se e sentar ao seu lado. A loira trazia duas canecas em mãos:

– É chocolate quente. – Disse estendendo uma para Julian.

– Obrigado. – Julian agradeceu.

– Sou eu quem tem de dizer isso hoje – Ela disse tomando um gole do chocolate – Na sua idade eu já estava praticamente decidida sobre mudar, porque foi o ápice do fato de não estar confortável com o meu corpo. Quando olhei você dizer todas aquelas palavras na parada hoje eu vi as cosias que eu um dia disse, somadas com mais algumas que eu deveria ter dito, não fosse a minha vontade de impor isso. A nossa diferença é que você não impôs nada, você apenas falou. E quando estava falando, sua voz era a única que eu notei que podia fazer este tipo de coisa. Não se dão dons para pessoas iguais, e você, além dessa voz linda, e eu desejo que cante mais para que eu ouça, tem o dom de falar. Acho que é isso que fez meu filho se apaixonar por você, o modo como você vê e entende tudo tão simploriamente. Eu tenho muito a agradecer por hoje. – A mulher comentou em meio ao discurso. Encarava Julian com seus olhos azuis.

– Não tem do que agradecer, tia. Como diria a tia Daniella, estou mudando o mundo, assim como, ele me mudou uma hora. Eu não quero falar do passado, mas há uma memória, acima de todas as outras, que passou a me impulsionar para não querer mais ser um miserável ou me lamentar pela minha condição, ou até mesmo pela dos meus pais. Eu não quero apenas marchar num dia do ano, eu quero fazer com que as pessoas possam entender que liberdade não é só uma palavra post anum dicionário, ou título de uma música, ou verdade ilusória que alguém põe na vida. Sua mãe nunca mais vai te chamar pelo nome que ela acha que é seu, pode ficar certa que eu farei o que prometi se ela fizer. E não, não se sinta protegida. Sinta apenas que isto é um traço de união. Poderia eu ser mais grato à pessoa que é mãe de quem eu mais amo no mundo?

– Vocês nunca desistiram um do outro, está claro agora. Eu achei que tinha conhecido o amor com Amanita, ou pelas vezes em que vi casais apaixonados, como vi seus pais. Mas não, este é o verdadeiro e mais puro amor que eu já pude ver. Só tinham um ao outro, quando ninguém acreditava em vocês. E crescer com tantas milhas o separando que ele poderia ter se perdido, e não, não se perdeu. Eu tenho que dizer Julian, eu nunca vi um amor que valesse tão a pena como o seu e do meu filho. Obrigado por fazer meu filho feliz. Tenho tantos obrigados para você, que eu realmente queria te dar algo. Pode me emprestar seu computador?

Julian olhou confuso, porém, cedeu o objeto para Nomi. A loira passou a interagir com ele e adentrar em alguns sites, o menino viu enquanto ela colocava alguns códigos. Tendo finalizado, Nomi olhou de volta e estendeu o computador com uma página em aberto. Era um blog:

– Eu escrevi neste blog durante toda minha juventude. Era um diário que compartilhava com várias pessoas, mesmo que de maneiras que atacavam. Acho que está na hora dele ter uma nova cara, e de alguém jovem falar através. Eu queria te dar minha grande fonte de inspiração para a vida, para que você consiga inspirar outras pessoas com a sua maneira de falar. Não é bem um agradecimento, é um pedido para que cuide de milhares de pessoas, que como eu e você, enfrentam um mundo segregado. Quero que fique com meu blog para que as pessoas entendam o que amor é, porque eu vejo o amor em você, cachinhos. – Ela o chamou do mesmo jeito que Robbie o fazia e aquilo o comoveu.

– Nossa – Estava surpreso e respirou fundo ao olhar a página aberta – Isso é incrível. Obrigado.

– Faça bom proveito dele. E quando achar que o mundo não pode te ouvir, ele vai poder. E mais algo, posso te dar um abraço? Quero fazer isso desde a festa.

– Claro que pode. – O menino estendeu os braços e ela o abraçou como o fazia com seu filho, e sentia que ganhara mais um. Aconchegou-se com Julian Rodriguez e poderia dizer que estava feliz por Robbie ter achado uma voz tão maior do que jamais poderia desejar.


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Notas finais do capítulo

Capítulo enorme! Porém, este veio cheio de significância, pois tem papel importante na Season Finale, que agora chegará em 5 capítulos. COmeçamos o nosso countdown. 5! Deixem suas reviews, estarei amando lê-las. Obrigado por acompanharem.



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