Estágios do Desespero escrita por Sapphire


Capítulo 2
Solidão


Notas iniciais do capítulo

Obrigada a Sweet Lady por comentar, acompanhar e favoritar e a Mar por favoritar.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/627798/chapter/2

SOLIDÃO

10 de Março de 1888, 09:32

–A quanto tempo não come nada? -A voz que perturbara seus pensamentos, pertencia a Karen, Arya sabia, mas não pode evitar lembrar de quando a mãe fazia a mesma indagação com a voz transbordando preocupação.

–Estou ocupada Karen! -Fez um gesto, expulsando a mulher do cômodo. -Vá embora.

Karen abandonou o sorriso, se aproximando em poucos passos da albina. Agarrou os ombros da criança, e virou-a para si, com o máximo de cuidado que podia.

–Está me machucando. -Protestou Arya, os olhos focados nos da mais velha.

–Arya, qual a última vez que você comeu?

–Michael faça com que ela me solte. -O mordomo vestido de negro, que acompanhava a garota em todos os momentos, se aproximou, cuidadosamente se pondo na frente da garota, impedindo o contato de Karen com esta.

–Michael saia da frente.

–Michael fique bem aí. -Um sorriso irônico surgira na face da criança, sabia que Michael não hesitaria em obedecer-lhe, mas era engraçado ver Karen tentar.

–Ora! Obedeça-me, Arya é apenas uma criança.

–Sinto muito, Sra. McClarie, mas meu contrato foi selado com Arya Ophelia McClarie, e claramente devo obedece-la.

–Mas isso é para o bem de Arya.

–Michael livre-se dela. -A garotinha sorriu inocentemente, brincando com uma caneta.

–A Srtª McClarie, comeu há pouco mais de meia hora.

– E porque nenhum dos dois me informou isso?

–Porque não. -Arya sorriu ironicamente mais uma vez, fazendo um sinal para que a mais velha se retirasse. -Que irritante. -A garota aumentou o tom de voz assim que a outra saiu.

–Ela se preocupa com a Srtª e com sua irmã.

–Ou o faz apenas porque Oliver não se manterá com uma mulher que despreza suas adoradas e inocentes irmãzinhas.

–Realmente. -Suspirou, se aproximando.- Você vê conspirações em tudo.

–Eu convivo com dois demônios.

–E tem um gênio pior que o de ambos.

–Quando se tornou tão irritante?

–Quando me exigiu que não lhe iludisse com a extrema amabilidade e importância que dava aos mestres anteriores.

–E não me arrependo em momento algum.

–Mudando rapidamente de assunto, já terminou as tarefas que pedi que respondesse?

–Sim. -A criança sussurrou entediada, fazendo um desenho de um gato em cima das tarefas que fizera.

–Tsk. Realmente, você tem um talento natural para atuar.

–Um de meus vários papeis.

–A falsidade pode acabar te corrompendo, pequena.

–Minha alma já não foi corrompida?

–Não. -Sorriu maliciosamente com a garotinha em seu colo, seus lábios frios tocando em sua orelha direita. -Sua alma mante-se inacreditavelmente pura como a neve da primeira nevasca da temporada.

Ela encarou-o, iria falar algo, mas foi interrompida pelas portas se abrindo sem aviso prévio. Estava novamente sentada na poltrona vermelha, e perto da porta estava seu mordomo.

–ARYA!

–Sim, Anna? -Perguntou piscando repetidamente, como se estivesse dormindo um minuto antes.

15 de Novembro de 1887, 16:30

–Você é tão bonita! -A voz da mulher era aguda e enjoativa, a capa negra deixava a vista apenas os enormes olhos castanhos.

–Pare de enrolar com a pirralha. -A voz do outro homem, fora rígida.

–Tudo bem. -A mulher terminou de ajeitar-lhe os cabelos, pondo por último uma flor vermelho-sangue nos cabelos loiros dela.

–Afinal qual das gêmeas essa é?

–Sei lá. Ela não é muda. Pergunte para ela.

–Então queridinha, qual seu nome?

–Anna.

–Hmmm. -Um cheiro estranhamente doce invadiu o aposento, e aos poucos tudo escureceu na vista da pequena.

Sentiram o desespero, de nadarem na inconsciência.

10 de Março de 1888, 13:20

–Desista, Anna. -Sorriu, ainda brincando com a comida em seu prato.

–EU NÃO VOU DESISTIR...

–Não vai desistir de que? -Os olhos azul-escuros de Oliver se focaram nas duas irmãs mais nova, um sorriso brincalhão dançava em seus lábios. Ele provavelmente acabara de chegar em casa e estava na metade do caminho para retirar a gravata.

Ambas as meninas se levantaram, Anna abraçou-o se agarrando aos ombros dele, e Arya após abraçar-lhe também retirou a gravata dele, olhando-a como se fosse um ser de outro mundo.

–Presente da Karen?

–Yes. Mas vocês ainda não me responderam.

–De nada. -Ambas as garotas se puseram lado a lado com sorrisos idênticos nas faces, e ele não pode evitar lembrar de quando eram mais novos e aprontavam, as duas faziam exatamente a mesma coisa.

Karen que observava a cena da porta, tinha um sorriso carinhoso no rosto, ela via sua família ali, Oliver seu amado marido, Anna e Arya suas cunhadas que comparava a filhas. Imaginou se fosse isso realmente, se Anna e Arya fossem suas filhas, como seria tudo tão perfeito, e naquele momento ela decidiu que conquistaria elas duas, faria com que elas a considerassem uma mãe e enfim eles quatro seriam a família perfeita.

E em meio aquele momento, talvez o primeiro descontraído que os McClarie tinham em muito tempo, ninguém reparara que haviam dois observadores, ainda mais anônimos que Karen.

–Como elas conseguem?

–Oque?

–Serem tão sujas e puras ao mesmo tempo.

–Humanos são surpreendentes.

–Arya e Anna McClarie ainda mais.

E ambos os demônios sorriram com os olhos num perigoso tom vermelho rosê.

21 de Novembro de 1887, 07:00

Suja.

Era assim que Arya McClarie se sentia.

Depois de ser abusada diversas vezes, de ser torturada física e psicologicamente, ela finalmente sentia-se nada mais do que suja.

Um ser humano impuro.

Um ser humano repugnante.

Um ser humano sujo e solitário.

Sim, e ela poderia continuar a pensar em diversos de seus “defeitos”.

Nos motivos pelos quais ela achava que deveria estar morta.

Mas em momento nenhum ela pensou, que não se tornara, mesmo que ela realmente não o fosse, assim por opção, mas sim tivera tais ações e pensamentos inseridos em si de modo permanente por outros.

Ela era frágil diante daqueles que tanto a maltratavam.

Ela era louca diante dos observadores.

Ela era suja diante de si mesma.

Ela era tantas coisas e ao mesmo tempo nada.

Ela era sã e doida.

Ela era uma princesa perdida e uma imunda bruxa.

Nada mais além de imundice que deveria ser exterminada.

Nada menos que a que herdaria o título de Condessa de Winter.

Branco e negro.

Vivido e opaco.

Arya McClarie...

...E Anna McClarie.

Sim... Anna McClarie não se encontrava numa situação muito diferente da irmã.

Se sentindo inútil.

Se sentindo temerosa.

Se sentindo nada.

Impotente diante de tudo.

Imaginava se algum dia isso acabaria, se as palavras que vinham como facas em sua direção um dia cessariam, ou se as agressões que vinham com tanta frequência um dia acabariam.

Desejava parar de ser tão... ela mesma.

Louca.

Inútil.

Ruim.

Podre.

Porque cada uma daquelas palavras que tanto se repetiam em sua mente lhe machucava de maneira imensurável.

Como a futura Condessa de Brown poderia ser assim?

Como apenas uma criança poderia ser assim?

Sentiram o desespero da loucura consumindo-os

20 de Março de 1888, 06:30

Naquela manhã, Arya, Anna e Oliver haviam acordado sorrindo, de início Karen não sabia o motivo de tal animação e em meio a café da manhã adiantado, ela indagou:

–Afinal, porque vocês três estão tão animados hoje?

–Porque hoje, Arya e Anna receberam os títulos que nossos pais guardaram par elas!

–Ham? Mas você não é o Conde McClarie?

–Sim, mas Arya se tornará a Condessa de Winter, título herdado de nossa avó materna, e Anna Condessa Brown, título de nossa avó paterna.

Karen fez sorriu em entendimento e voltou a comer, se perguntando se as garotas não eram novas demais para receber tais títulos.

E quando essa retirou-se alegando ter que terminar de se arrumar no quarto que dividia com Oliver, Anna riu profundamente.

–Esqueceu de contar um detalhe a Karen.

–Que você se tornará a “Buterfly Queen” e que Arya se tornará a “Cat Queen”?

–Sim, e que você é “ Eagle Queen”.

–Detalhes confidenciais.

O trio riu e cada um se retirou. E só voltaram a se reunir quando apenas Oliver e as gêmeas saíram em direção ao Castelo.

Lá a Rainha fez uma breve cerimônia cedendo os títulos e riquezas as meninas, e na volta para casa, Oliver parou num restaurante qualquer e com um sorriso no rosto comprou para si próprio um café, e chocolate quente para ambas, dando-lhes também barras de chocolate um para cada.

Uma família normal e feliz.

Duas menininhas.

E seu amado pai.

Uma família conturbada e com vários dramas.

Duas Condessas.

E um Conde, seu irmão mais velho.

Três pessoas que tiveram que crescer rápido demais.

Três irmãos que se amavam acima de tudo.

Mas que se escondiam um dos outros.

Se escondiam com mascaras perfeitamente moldadas, para enganar qualquer um.

27 de Novembro de 1887, 17:00

Era a primeira vez que via a luz do sol desde que chegara no lugar, quer dizer o sol estava se pondo e a fenda pela qual o avistava era mínima, mas mesmo assim ela não pode evitar se sentir emocionada ao avista-lo.

Mas em pouco tempo as lagrimas que escapavam de seus olhos não significavam mais nada.

Estava sentada num canto do quarto, escorada na parede, encarando o vazio do quarto.

Vazio.

Tal como ela se sentia naquele momento.

Uma carcaça vazia.

Sem motivo aparente para continuar existindo.

Tudo que escutava era o silencio.

Tudo que ela sentia era frio.

E tudo que era via era o nada.

O nada, que sua vida se resumia naquele momento.

E ela realmente, por aquele momento, desejou dar um fim a sua existência.

Porém, ela não o fez.

Talvez por ainda ter esperanças.

Talvez por amor a vida.

Talvez...

Talvez a loira não devesse continuar a encarar tão fixamente aquele ponto fixo no quarto.

Talvez...

–Acho que a pirralha está enlouquecendo. -Riram os guardas de sua cela.

É talvez ela realmente estivesse doida.

Doida pelo silencio.

Doida pelo vazio.

Doida.

22 de Março de 1888, 03:00

Era tarde e Arya sabia, mas não conseguira dormir com tantos pensamentos voando por sua mente.

Lembranças demais.

Lembranças de uma época negra.

Lembranças que mesmo diante de tanta resistência, insistiam em voltar.

Lembranças tão reais que ela chegava a sentir-se revivendo tudo aquilo.

“Nos divertiremos hoje!”

Aquilo não fora divertido.

“Você gosta, não gosta?”

Não, ela não gostava.

“Não resista, doera mais”

Doía de qualquer maneira

Se viu tentada a gritar para que tais palavras sumissem da sua cabeça.

Mas, ela sabia que não adiantaria.

“DIGA QUE GOSTA”

A dor.

A humilhação.

O medo.

A solidão.

O... ódio. Sim, era nesse sentimento que ela se focava, no ódio que parecia queimar.

O ódio, o desespero, o medo e a solidão.

Uma mistura explosiva.

Uma mistura mortal.

Mas, as gêmeas McClarie brincavam com a morte todos os dias.

Mas, as gêmeas McClarie viam a morte cara a cara todos os dias.

E continuavam em pés.

Por sua vingança.

Para darem aquela dor a outros.

Para trazeres aquela humilhação a outros.

Para causarem medo a outros.

Para tirarem aquela sensação de solidão delas.

Para que o ódio não tivesse barreiras que o impedisse de consumi-las completamente.

Isso deveria assusta-las? Elas eram apenas crianças afinal.

C-R-I-A-N-Ç-A-S.

Crianças não deveriam ver a morte todos os dias.

Crianças não deveriam causar a morte todos os dias.

Crianças não deveriam esconder sua dor todos os dias.

Crianças não deveriam ter aqueles pensamentos todas as noites.

Não, Arya e Anna McClarie já não eram mais crianças.

Anna McClarie sorriu dando a mão para a irmã.

–Eles pagarão?

Um sorriso macabro tomou a face abaixada da criança de cabelos esbranquiçados.

–Sim. Michael e Esther o providenciarão.

E com o sangue pingando de suas luvas as garotas tiraram essas.

Com símbolos estranhamente semelhantes em vermelho brilhando nessas.

–Valerá a pena?

–Sim.

29 de Novembro 1887, 01:30

Estava sozinha.

Estava com medo.

Implorava em silencio.

Arya não pode evitar rir da garota que fora jogada na cela junto de si naquele dia, lembrava-lhe de maneira irritante a si mesma no início.

Assustada, sozinha, chorosa, esperançosa...

Sentimentalista.

Arya sabia que provavelmente aquele seria seu fim.

Ela já vira aquilo acontecer antes, uma garota nova chegava eles levavam a anterior e ela nunca mais retornava.

–Qual seu nome? -Percebeu que sua voz estava mais rouca, consequência de todo o tempo que fora utilizada apenas para gritar.

–Helena Ryans.

–Seu sobrenome não importa aqui.

–Mas...

–Sua riqueza não importa aqui.

–Qual seu nome?

–A.

–E antes de vir para cá?

–Antes eu era Arya McClarie.

–O massacre na mansã...

–Isso é passado.

A garota de cabelos e olhos negros foi interrompida por três homens que abriram a porta. Eles não demoraram muito lá, se aproximaram de Arya e ela apenas olhou uma última vez para Helena antes de se deixar ser levada.

A dor era insuportável.

O medo voltara com força total.

A solidão lhe afetava de maneira inimaginável.

Tudo se reunia num só sentimento: o desespero.

Então o silencio, os gritos dela, os risos dos homens cessaram.

Uma sombra com brilhantes olhos vermelhos surgiu, num ar de importância andava entre todos dirigindo-se diretamente a pequena.

–O que você deseja? Frei o que quiser?

–E o que quer em troca? -Tossiu sangue, logo após terminar a frase.

–Um preço mínimo, seu desejo será realizado e me dará sua alma.

Sua alma.

Sua alma.

Sua alma.

Aquilo se repetia na mente dela.

–Fará tudo?

–Sem hesitação. Mas saiba que abandonar sua fé, não é algo a se orgulhar.

–Eu aceito.

–E onde deseja gravar a marca que representa seu descaso e relação a uma coisa tão importante que nunca terá novamente?

Ela pensou por um instante, levantando a mão em direção ao homem, com algum esforço.

Uma queimação incomoda, e quando ela olhou para a própria mão novamente havia ali um símbolo, o símbolo que marcava o início de uma nova vida. Que marcava a morte da garotinha inocente.

Do outro lado do lugar, realmente longe dali, cinco homens adentraram a cela em Anna morava. Dois seguravam-na, os outro machucavam-na de todas as maneiras possíveis, desde sussurros maldoso a toques nada adequados, e após duas ou três horas aguentando aquilo a garota simplesmente gritou.

E uma estranha sombra surgiu, com duas perfeitas esferas rubi no lugar dos olhos.

–Estaria disposta a abandonar sua passagem para o paraíso, por um desejo?

–Sim.

–Está disposta a ter uma marca que comprovará nosso contrato?

–Sim.

–Está disposta a ceder sua alma a um demônio?

–Sim.

–Então dê-me sua mão.

Aquilo ardia, mas Anna já não se importava mais.

Queria apenas que todas as vozes ao seu redor se calassem.

E quando a criatura soltou sua mão, as vozes cessaram.

Anna sorriu.

Arya sorriu.

Um sorriso falso.

Ou seria verdadeiro.

E as vozes iniciaram novamente.

Só que dessa vez erma gritos.

E agora ela realmente sorrira.

Sorrira maldosamente.

Sorrira com escarnio.

Com um brilho mortífero em seus olhos.

E já fora da grande casa, Anna foi depositada num local enquanto a estranha criatura fora cuidar daqueles seres humanos.

Os gritos continuavam.

E Anna não sentia pena.

Nem Arya.

Encostada na arvore, com os olhos fixos na própria mão

E ao escutar o barulho de algo se remexendo pouco longe dali ela se levantou e seguiu até o lugar em silencio.

–Anna.

–Arya, como conseguiu escapar? -A voz soara temerosa.

Arya se via agora sentada nos ombros do demônio e via a irmã sendo segurada por uma mulher.

–Do mesmo jeito que você pelo que vejo.

As irmãs se encararam.

Azul no azul.

Dourado e branco.

Arya e Anna.

E ambas sorriram.

Um sorriso idêntico.

Um sorriso sedento por morte.

Assim como o brilho em seus olhos.

Sentiram o desespero domina-las completamente.

30 de Novembro 1887, 10:30

Vestidos brancos idênticos.

Luvas brancas idênticas.

Sorriso brilhantes idênticos.

Olhos azuis idênticos.

Coques idênticos.

Ódio idêntico.

Cabelos loiros e brancos semelhantes.

Lado a lado as gêmeas sorriam.

Com um brilho mortal nos olhos, e falsa inocência na face elas abriram as portas da casa de veraneio da família.

Começariam pelos galhos mais altos da arvore, os peões do jogo.

Os peões que nunca viriam a ter a chance de atravessa todo o tabuleiro e avançar de nível.

A faca com cabo encrustado de rubis na mão de Anna.

A faca com cabo encrustado de safiras na mão de Arya.

Sentiram o desespero começar a torna-se bom.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Estágios do Desespero" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.