Encontro num salão de artes escrita por KariAnn


Capítulo 1
Encontro num salão de artes


Notas iniciais do capítulo

Este é apenas um conto simples que foi melhorado. Eu o havia feito há muito tempo para um trabalho de Filosofia. O encontrei recentemente e resolvi modificar alguns detalhes e postá-lo aqui. Este conto é despretensioso. Não há ação, aventura, nem nada do gênero. É quase uma crônica, se não fosse totalmente inventado. Então não esperem nada incrível.



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"L' Homme qui marche - Alberto Giacometti"

“Gosto de conhecer pessoas novas. Saio sempre aos finais de semana para os mais diversos lugares. Museus, galerias, saraus, teatros. Gosto de conversar, de ouvir as mais variadas histórias, divertidas ou não, ouvir opiniões sobre tudo, me deparar com os gostos mais variados e, principalmente, aprender coisas novas.”

“Além de novos rostos, gosto também de conhecer novos estilos, ideologias e culturas. Frequento feiras, lançamentos de livros, exposições das mais variadas artes e apresentações culturais de todos os tipos. Onde houver uma dessas coisas, quero estar presente.”

Foi essa apresentação que Ann fez de si mesma para o rapaz louro com quem conversava. Ele, por sua vez, ouvia a moça atentamente e com grande interesse, ao passo que também a analisava; seu modo de falar, seus trejeitos, suas expressões. Estavam num enorme salão onde acontecia uma exposição de artes.

Ann parou diante de uma escultura. Era uma obra chamada “L’ Homme qui Marche”.

“O homem que caminha”, traduziu. “Obra curiosa.”

“Curiosa, é? É de Alberto Giacometti. Foi esculpida em bronze.”

“Posso ver. Está escrito nessa plaquinha. Mas você já sabia disso.”

“É que essa é a minha favorita dele.”

“Quando olho para ela, penso no holocausto.”

“De fato, Giacometti viveu no período da guerra, mas não creio que tenha sido essa a intenção. Naquela época, eles não tinham conhecimento de como eram os campos de concentração.”

“O que me pode dizer sobre ela?”

“É descrita como ‘uma imagem humilde de um homem comum, um símbolo potente de humanidade’. Percebe como as pernas e os braços do homem são alongados? Ele caminha solitário, a passos largos, demonstra essa humildade. Está numa condição inumana.”

“Os pés dele funcionam como suporte”, ela observou.

“É o equilíbrio, não só da escultura, como do homem em si.”

Ann observou um pouco mais a obra. Quase não se percebia a cabeça do homem, tampouco sua expressão, mas se via claramente os longos braços e as longas pernas.

“Então é um amante do surrealismo”, Ann comentou, voltando a caminhar.

“Dentre muitos outros interesses, esse é um”, ele respondeu, acompanhando-a.

“Que outros interesses?”

“Filosofia, artes, literatura...”.

“Ora, se não é um sensível. Não, é um sensitivo!”

“Um sensitivo, hein? Interessante. Sou humano. Acho mais apropriado.”

“Filosofia parece não atrair muitas pessoas, apesar de todos acharem, por algum momento, que são filósofos. Principalmente na internet.”

O rapaz riu.

“Pois sim. Gosto de questionar o mundo em que vivemos.”

“Questionar, hein?! Acho que poucos questionam o mundo atualmente. Nada mais surpreende ninguém. Estamos todos perdendo as coisas belas e incríveis da vida com futilidades e trivialidades.”

“E não se trata apenas das coisas belas da vida. Veja, o homem é um ser pensante. Somos os únicos animais que têm essa capacidade. Pensamos racionalmente e filosoficamente. As pessoas, não genericamente, mas sim, elas estão no fundo da pelagem de um coelhinho branco tirado da cartola do universo.”

“Isso é a citação de um livro?”

“O Mundo de Sofia. Já leu? É ótimo.”

“Já ouvi falar. Mas não entendi a metáfora.”

“Imagine que o universo é um truque de mágica. Os humanos são micróbios na pelagem do coelhinho branco que é tirado de dentro da cartola do universo por um mágico. Quando crianças, os humanos estão na ponta da pelagem do coelhinho e, conforme crescem e se acostumam com o mundo, vão escorregando para o fundo da pelagem e se sentem confortáveis lá. Então, se acomodam ali mesmo. No entanto, existem aqueles que começam a subir até a ponta do pelo, para poderem olhar para o mágico. São esses os chamados filósofos. Por isso são comparados com as crianças. Os filósofos ainda são capazes de se impressionar com as coisas mais simples do mundo.”

“Acho que entendo. As pessoas acomodadas estão no fundo da pelagem do coelho. Para elas, o mundo é algo simplesmente normal. Mas os filósofos são aqueles que veem o mundo como um grande mistério.”

“Sim. Você não acha que, quando nos acostumamos com o mundo, digo, quando ele nos parece algo normal, a vida fica sem graça?”

“Acho. Os dias não têm sentido. Nós estudamos, trabalhamos, comemos; todos os dias são iguais”. Ann suspirou. “Então, quer dizer que esse livro fala sobre a Filosofia?”

O rapaz sorriu novamente.

“É um romance. A história é sobre Sofia Amundsen, uma garota que está prestes a completar quinze anos e começa a receber bilhetes com perguntas filosóficas e cartões-postais de um remetente desconhecido. Assim, ela começa um curso de Filosofia com um homem chamado Alberto Knox e começa a desvendar os mistérios por traz dos cartões cartões-postais, já que estes eram destinados a uma garota chamada Hilde Knag, que Sofia não conhece.”

Subitamente, Ann parou diante de outra obra, dessa vez, um desenho. “Head of Jean-Paul Sartre”, feito com lápis e borracha.

“Apesar de gostar de frequentar exposições, não entendo muito sobre esculturas, desenhos ou pintura”, a moça comentou.

“Também não sou um grande conhecedor das artes, mas gosto de apreciá-las.”

“Você é um rapaz interessante. Mas, agora, observando esses desenhos que me são misteriosos, acabo de me dar conta que estamos conversando há um tempo e sequer sei seu nome.”

O rapaz fez um biquinho e então sorriu ao se dar conta de que não havia se apresentado.

“Perdão. Meu nome é Cristiano.”

“Ann. Muito prazer, Cristiano.”

Os dois deram um aperto de mãos e voltaram a caminhar, vendo as demais obras sem prestar muita atenção.

“Cite uma frase interessante.”

Cristiano pensou um pouco e então falou:

“Quem habita esse planeta não é o homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra.”

“Oh!”

“Hannah Arendt. Foi uma filósofa de origem judaica que viveu no período das Grandes Guerras. Ela foi uma grande influência para o século XX na Alemanha. Foi poeta, professora universitária, jornalista, filósofa política, apesar de não apreciar essa última denominação.”

“Por quê?”

“Ela queria que seus discursos fossem classificados como teorias políticas.”

“E essa frase que você citou é interessante. A pluralidade é a lei da Terra. Nunca pensei assim. Acho que, às vezes, sou tão individualista quanto o resto das pessoas.”

“Bem... Não somos ilhas nesse mundo. Um homem depende do outro para viver. Afinal, não podemos fazer tudo sozinhos, não é? Somos interdependentes. Precisamos uns dos outros.”

“Preciso de alguém que entenda Filosofia para explicar-me o que é e pra que serve. Bem... Conte-me mais coisas interessantes. Não tenho nada para fazer e o dia ainda não passou.”

Cristiano sorriu.

“Vamos começar pelos pré-socráticos.”

E os dois continuaram a caminhar.


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Notas finais do capítulo

Bem... Obrigado por ter lido. Comente, se achar que vale a pena. ^.^



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