Libertar-se escrita por castor


Capítulo 1
Capítulo 1




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Vestia sempre a mesma blusa de moletom vermelho. Sempre estava com uma calça jeans preta e tênis relativamente azuis, completamente sujos. Era linda, não como aquelas meninas dotumblr, era um outro tipo de beleza. Muito mais intenso, muito mais escondido. Era engraçada, bastante, aliás. Não deixava ninguém ficar triste, mesmo aqueles que não conhecia. Sua personalidade, seu jeito de falar, seus modos de agir, tudo era tão... Encantador...

Ninguém desconfiava, nem sequer ousavam desconfiar. Tinha uma frase que gostava de sempre pensar: “Os mais felizes, são os que mais sofrem...”. Bom, acho que pode ser verdade, e enfatizo: Como sofrem... Convenhamos, ser feliz o tempo todo não deve ser fácil, principalmente quando ninguém está disposto a lhe oferecer ajuda quando precisa.

Deve ser o inferno...

Era grossa, mas de um jeito engraçado. Era carinhosa, mas muitos, acostumados com o antissocialismo, rejeitavam seus abraços e suas palavras carinhosas. Aliás, abominava essa nova tecnologia, só a agradecia pelos aparelhos de sons portáteis e pelos fones de ouvidos. Sempre amou contato físico, uma conversa cara a cara, de olhar pra pessoa com quem conversar, entendê-la e respondê-la e a pessoa faz apenas o mesmo. Isso sim era uma conversa.

Era diferente...

E sabia disso.

Não se importava tanto com o cabelo, por isso amava cortes pequenos. Sempre teve a mente aberta, gostava de pensar de duas maneiras quando havia um problema. Era uma dos poucos que não tinha preconceitos e não julgava antes de conhecer. Ah... Como era maravilhosa... Uma pena que não tenha durado para sempre.

Infelizmente, sabia esconder bem os seus problemas. Por fora estava alegre e radiante. Por dentro, o preto e o vácuo assombravam sua mente. Sentia-se sozinha o tempo todo, em todas as horas, em todos os minutos, em todos os segundos. Sua vida era resumida em um monte de frustrações consigo mesma.

Queria cantar...

... Mas não tinha voz para isso.

Queria pintar...

... Mas a arte não era reconhecida.

Queria atuar...

... Mas não sabia se expressar.

Queria amar...

... Mas ninguém estava disposto a isso.

Perdia seu tempo em cursos estúpidos e lógicos, quando na verdade, pertencia ao mundo das artes. Sentia-se oprimida por uma mãe sempre autoritária e nunca satisfeita, por um pai ignorante e orgulhoso e por uma irmã quase rebelde e estupidamente mimada, essa última ela a chamava de “irmã estragada”. Mas ela amava todos em sua família, era incapaz de odiar alguém. Não aparentava, mas seu coração era grande... Cabiam todos ali, o mundo inteiro na verdade.

Tinha um grande fascínio pelo corpo humano. Cada movimento, casa pensamento, cada modo de agir, cada piscadela de olhos, cada suspiro, cada célula trabalhando em seu devido lugar, cada átomo criado apenas para uma função previamente determinada. A forma como a pele se esticava no corpo de uma pessoa mais... Gorda... Até mesmo as doenças e deformidades eram fascinantes.

Ela amava todos...

E por isso não queria partir...

Mas a solidão tomou conta de seu coração. As frustrações de nunca ter realizado aquilo que sempre quis, de nunca ter tido coragem para correr atrás do que queria, de nunca ter encontrado alguém de verdade para amá-la a consumiram. Perguntava-se o que haveria depois da morte. Sonhava em ser recebida por vários anjos, principalmente aqueles seus favoritos. Sonhava também em ser um deles e proteger aqueles que amava.

Estava do lado de dentro da escola e não havia brisa alguma. Estava tudo muito quieto, já que era período de aulas. Queria morrer assim: sozinha, ninguém se importaria mesmo. Estava no terceiro andar do prédio, o último andar. Subiu nas grades de proteção, próximas às escadas. Deu uma olhada na janela e enxergou o céu.

Fechou seus olhos...

E sentiu o vento em seus braços...

Ela se foi, pensando que ninguém a amava...

Mas eu a amava...

Ela era perfeita. E ainda é, mas escolheu a liberdade. Libertou-se de tudo e de todos, de tudo que sentia, de tudo que ouvia, de tudo que lembrava. A angústia lhe deixou cega, a imaginação lhe traíra criando o cara perfeito para ela, mas que nunca iria existir: Eu.

Eu a amava com todas as minhas forças, mesmo em sua cabeça. Tínhamos tido várias vidas, vários conflitos, vários romances. Nos conhecemos uma vez, e depois de novo, e de novo, e de novo. Cada encontro diferente do outro. E nunca nos casávamos de nos amar, parecia ser infinito.

Mas assim como os anjos, ela ganhou asas.

E finalmente...

Pôde voar...


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