Pólvora escrita por Sabrina Sousa


Capítulo 1
Guerra.


Notas iniciais do capítulo

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Boa leitura.



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P Ó L V O R A

Sabrina Sousa

 

— Elevação! Elevação! 200 metros!

A voz rouca do Sargento Turner ecoava pelas vertentes de Nangarhar, província do Afeganistão. Sua intenção era descer o helicóptero de Will até o sopé de Tora Bora, e descer bala nos insurgentes do Talibã.

Eu não concordava. Não havia como acertar nenhum daqueles malditos com os rifles que tínhamos em solo. Will deveria permanecer lá, com a vista privilegiada e atacar os insurgentes do alto. Rebeca estava na cabine e atirava contra os soldados do talibã muito além da capacidade de seu AKU-94.

— Eu disse elevação a 200 metros! – Gritou Turner novamente.

— Não consigo elevar o tiro! – Respondi a plenos pulmões.

Eu estava me esgueirando pela encosta de Tora Bora atrás de uma rocha avermelhada.

Era dezembro, quase no dia nove. Estava quente, o vento batia forte contra nós trazendo a areia do monte. Pensei na minha casa fria, com as sopas ardentes que mamãe sabe fazer. Nova York congelada e eu queimando por aqui.

Buscávamos Bin Laden. E eu não acreditava que fosse possível encontrá-lo.

Turner se abaixou entre os outros combatentes e gritou no rádio, outra vez.

— Faça a porra da elevação e acerte a cabeça daquele infeliz. Ele está em uma caminhonete e você não consegue mirar?

Respirei fundo.

— Sargento, eu não consigo elevar o tiro! É mais fácil Rebeca usar a AKU!

— Puta que pariu Miles! – Retrucou Will, no rádio.

— Tente mirar a baixo, 75 metros. – Continuou Rebeca.

Não era possível. O inimigo estava em meu ponto cego e mais aquém do que os 75 metros, instruídos por Rebeca. Larguei o rifle no chão e pulei contra a rocha, me dirigindo ao Turner.

De inicio ele me deu uma carranca terrível. Seus olhos azuis, esbugalhados pelo peso de suas olheiras, me encararam por segundos.

— O que?! – Exclamou no instante em que eu me apoderei de seu Mk 12.

Corri á frente de meus amigos combatentes, deixei meu capacete cair no caminho e me joguei ao chão com os braços levemente separados.

— Miles! Seu filh-

Ignorei os gritos de Rebeca e Will no rádio. Sargento Turner não fez um pio ao perceber minha tática.

— Querem que eu acerte aqueles filhos da puta ou não? – Eu disse, sorrindo.

Antes de sequer responderem puxei a coronha do rifle até meu ombro, foquei na mira dianteira e respirei. Expirei. Inspirei.

Expirei.

— Puta merda!

— Filho da puta sortudo!

— Mas que caralho!

Não distingui as vozes. Meu ouvido entupido e a dor de cabeça me invadiram.

— Acertei? – Perguntei no rádio.

— Dois coelhos num único tiro. – Respondeu Rebeca.

Suspirei, aliviado. E nem consegui comemorar minha façanha, Turner gritou mais uma vez:

— Não abaixem a guarda! Não abaixem a guarda!

Ouvi um zunido que emanava do oeste. Facilmente reconheci como cartuchos de canhões automáticos. Onde os oponentes os conseguiram?

Corri para a direita, a fim de me proteger das lascas de rocha. Eclodiam pedaços a cada cartucho que atingia o chão. Respirei através da roupa, e encostei-me à parede de pedra de Tora Bora. Will desceu com o helicóptero.

— Um H-1H Iroquois não aguenta lá em cima? – Gritou Alex, nosso franco-atirador menos experiente.

— São cartuchos de canhão! Um helicóptero cairia! – Gritei em resposta.

Alex começou a gesticular algo. Não consegui ouvi-lo.

Os raios solares aumentaram, ofuscando minha visão. Eu estava sem meu capacete e quase nada enxergava. Havia uma claridade fora do normal. Corríamos por todos os lados. A equipe estava se dispersando.

— Corram! Corram! – Gritou alguém.

Os cartuchos brincavam nos ares. Acertando quem estivesse ao seu alcance.

— Miles! Cuidado! – Rebeca berrou ao longe.

[***]

E as máquinas de entranhas abertas,

e os cadáveres ainda armados,

e a terra com suas flores ardendo,

e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,

e este mar desvairado de incêndios e náufragos,

e a lua alucinada de seu testemunho,

e nós e vós, imunes,

chorando, apenas, sobre fotografias,

— tudo é um natural armar e desarmar de andaimes

entre tempos vagarosos,

sonhando arquiteturas.

Cecília Meireles – Mar Absoluto

[***]

Rolei entre as pedras da montanha. O solo queimava meu rosto, e minhas costas doíam a cada batida ao chão. Corrupiei até o sopé e me escondi atrás da uma pedra. Respirei com dificuldade. E vi Hércules, nosso helicóptero queimar. Pensei em William e Rebeca.

Estariam a salvo?

Não havia muito tempo para pensar. Perderíamos o conflito caso não tomássemos alguma atitude.

Corri de volta para o centro do confronto. Entre as rochas de Tora Bora vi Will ser amparado por Rebeca.

— OK aqui? – Questionei me aproximando dos dois.

— Will levou um tiro na perna, estou tentando escondê-lo. Tente encontrar Turner. – Rebeca respondeu em meio à fadiga.

Assenti e me encostei no rochedo. Enquanto procurei por Turner, vi alguns de nossos companheiros ao chão. Com cabeças eclodidas, braços quebrados e rostos desfigurados. Engoli seco para não vomitar.

— Doente! – Vociferou Turner ao me ver.

— Está bem?

— Com metade dos soldados mortos, acredito que não. Tem alguma ideia, gênio?

Inalei o máximo de ar que pude aos meus pulmões. Os insurgentes escalavam até o nosso encontro, e por mais que alguns de nossos combatentes vivos alvejassem os talibaneses, não era uma luta fácil.

Eu não tinha noção alguma de como agir sem que Turner se decepcionasse.

Vi meus amigos serem baleados um a um.

Parecia que o fim era a morte.

— Parece que não tem pra onde correr, jovem. – Assumiu o sargento.

Ouvi outro zunido.

Turner estava baleado.

— Senhor! – Fui de encontro à meu superior. Haviam atingido seu braço.

— Não fique aí parado, faça alguma coisa com esses vermes!

Eu estava desesperado. Will e Turner baleado e metade da tropa morta. Parecia que eu era sua última esperança. Ri de canto.

— Farei o que estiver ao meu alcance, Senhor.

Ao me levantar, Turner Krauss me segurou pela mão, com o braço bom.

— Salve o povo americano, Miles. Eu acredito em você.

Sorri.

— Farei o impossível, sargento.

[***]

Há 2 maneiras de fazer as coisas: o caminho certo e tentar novamente.

Dentro do treinamento dos Seal’s isso é lei.

Meu destino estava me provando isso.

Quando deixei Turner atrás do rochedo, consegui uma visão ampla do terreno dos soldados do Talibã. Do alto, vi um avião de guerra, grande e provavelmente tão pesado a ponto de carregar uma corta-margaridas.

Procurei o sniper talibanes. No meio daqueles insurgentes este infeliz se disfarçava. Entre a lama e o sol escaldante havia um fracassado matando meus amigos.

— É uma BLU-82! BLU-82! – James berrou para o restante da equipe. Os vi dispararem para longe. Prendi o ar e percebi que não era possível fugir da corta-margaridas com a velocidade que ela saltava do avião.

Uma bomba. Corta-margaridas. Genuinamente um armamento americano.

Atordoado, larguei o rifle á minha frente. E não era possível acreditar no que estava à minha frente. Eles tinham uma BLU-82. Capaz de matar todos nós sem fazer tanto estrago ao terreno. E é, de fato, originalidade estadunidense.

Mal consegui respirar.

Não era possível eles terem armamento dos EUA. Contudo, era cristalino o poder de fogo que possuíam.

Antes da bomba preencher o chão com sua destruição e ódio, a vi penetrar meus olhos. Num ímpeto de desespero e tragédia, na correria de destruir o que se pode tocar, de mutilar vidas e almas, a bomba com sua grandeza iria desferir em meu corpo. O transformando em milhares de Miles.

Ao atingir o chão, a BLU-82 seria capaz de dizimar uma região de até 600 metros.

Eu só tinha apenas duas escolhas naquele momento.

Encontrar o Sniper.

Ou eclodir a bomba.

Escolhi a vida de meus amigos.

Rebeca e Will estavam namorando e... William me contou que a pedirá em casamento no ano novo.

Sargento Turner é avô desde Janeiro deste ano, 2001. E perdeu a filha no atentado ás torres gêmeas.

E eu. Eu não era alguém para alguém.

Mamãe tinha o amor incondicional de Lara, do meu pai Julian e de mim.

Eu não podia escolher entre as vidas que ali estavam.

Mas eu podia salvá-las.

Por alguns minutos eu seria um louco, e por anos seria lembrado como um salvador.

E é para isso que se torna um SEAL.

Uma corta margaridas, normalmente, é lançada de um avião com um para quedas. Se você impedir a aterrissagem normal dela, tirando o para-quedas dela, a BLU-82 cairia numa velocidade maior. Entretanto ela viria ao chão num movimento retilíneo.

Me acertaria, porém daria mais tempo para meus amigos correr e salvarem suas vidas.

Com quatro balas acertei as cordas que asseguravam perfeitamente a corta-margaridas. Corri, sem saber se sobreviveria.

[***]

Por entre o sopé da montanha, um pouco ao norte dos veículos dos insurgentes eu dei meus últimos suspiros. Senti meus braços voarem, e perdi uma das pernas ao cair em uma pedra. A bomba eclodiu acima dos talibaneses, apesar disso acabou me acertando.

Vi os cabelos de Rebeca ao longe, e Will abraçá-la. Turner sorriu, pela primeira vez. O vi se aproximar de mim. No meu peito, meu coração bateu fortemente antes de parar. Meu corpo se esquentou e fervilhou de amor.

Pensei em pedir perdão á minha Mãe, e esperei o orgulho de meu pai. Salvei cinquenta soldados hoje, e mais de cem famílias. Imaginei Lara cuidando dos dois e eu, onde quer que vá parar depois da morte, faria o mesmo. Com todos os que amo. E então, em meio segundo, minha mente confusa se apagou e as dores cessaram. Sorri para os céus, mesmo ensanguentado e sem jeito, consegui dizer para Turner:

— É uma boa maneira de partir.


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Notas finais do capítulo

Me inspirei na guerra de 2001 que aconteceu em Tora Bora. Os persoangens não são reais, porém, histórias como esta aconteceram todos os dias durante aquela carnificina. Se você procurar na internet sobre as armas citadas, aprenderá mais sobre elas. Sim, todas as armas existem. O local existe e esta guerra é real. Espero que tenham gostado, e caso exista algum erro de ortografia ou acentuação me avisem. Obrigada! ♥



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