Lucila escrita por Nucha Rangel Braga


Capítulo 26
XXVI - Teias




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                SERÁ QUE para você, leitor, uma situação pareceu se enredar numa teia de muitas outras situações que escaparam ao seu controle e você não teve como resolver nada? Pois bem! Não é somente com você que acontece, obviamente. Além de existirem outras circunstâncias encadeadas neste mundo, as pessoas desta história também passam por isso.

                “Deus Santíssimo, o que faço agora?”, pensou Olivia, tentando não demonstrar pânico. A jovem a encarava friamente, silenciosa. Horas antes, havia feito o mesmo com Sergio. Sendo que a pediatra não sabia disso, já que o rapaz preferiu esconder dos tios o que aconteceu. A distância da jovem para ela era muito curta... A grade da garagem na entrada para a sala era larga e pesada; não daria tempo de correr e fechar. Olivia, agachada atrás do carro de jardim, se sente congelando de medo... Repara nas asas: arqueadas, como em situação de tocaia. Ou defesa. A jovem continua em silêncio, sem tirar os olhos de âmbar brilhando como que aceso, dos olhos de Olivia... Parece querer hipnotiza-la. “Plácido, venha para casa, pelamordedeus...”.

xxx

                Ainda aturdido com o que viu na Delegacia, Plácido dirige para casa tão rápido, que tem a impressão de que o fusquinha nem sequer toca os pneus no asfalto! Não sabe dizer se passou sinais vermelhos, mas alguém buzinou histericamente contra ele em cruzamentos. “Posso esperar uma bela multa.”, pensou. Mas o que o exasperava era o que acontecia em casa; sua esposa não mandara nenhuma mensagem no beeper! Ou isso era sinal de sossego ou de impedimento. Impedimento de que? Ele não parava de pensar naquelas amostras in vitro que viu na Delegacia; por que achava que a menina alada tinha a ver? Pensou em quando ela abriu os olhos e ele se lembrou de morcegos. Por que morcegos?

                Freou o carro bruscamente em frente de casa! As cortinas da garagem fechadas, não daria para estacionar! Quase gritou pela esposa, mas lembrou de que isso poderia... Poderia o que?

                Procurou nervosamente as chaves de casa, abriu a grade do terraço, a porta da sala.

                A jovem estava encolhida com as asas completamente fechadas, suspensa próxima ao teto da sala, como da outra vez que amanheceu na casa... E Olivia, agachada atrás do carro de jardim, tremendo. E chorando. Olhou para o marido, sem conseguir se mexer.

                Os bichos de estimação escondidos em algum lugar. Podiam ouvir a respiração da menina. E as suas.

xxx

                Na Delegacia, o Coronel Diego está sozinho em seu escritório. Disse aos outros oficiais que fecharia o distrito aquela noite, seria seu plantão. Recusou quando um dos meirinhos sugeriu que talvez fosse melhor que ele não ficasse só por ali. Garantiu-se em segurança. Era o terceiro maço de cigarros que abria; olhava a mesa com as amostras e cadernos do Dr. Vicente. “O que esse merda de cientista estava tramando?”, pensava. “Veterinário filho da puta! Era para ter pegado alguma coisa dele, agora não tenho a quem apontar...”. Foi ao banheiro, pegou um pedaço de papel-toalha e o dobrou na mão. Abriu um dos cadernos tomando cuidado para segurar a capa e as folhas com o papel dobrado, já que não queria deixar digitais no material de investigação... Folheou lentamente o caderno... Anotações do Dr. Vicente. Desenhos estranhos. Fotos que pareciam ter sido recortadas de livros de Biologia. Eram seis e meia da noite.

                O coronel leria o diário do Dr. Vicente pela noite toda. Resolveu dormir no distrito.

xxx

                Descendo a escada sem fazer barulho, Robert olhava Sergio diante da janela do salão principal. O rapaz não o notou. Rubem ainda cochilava num dos sofás. O garoto escutara a conversa de D. Nena e Ricky e teve uma ideia... Surge de repente, na cozinha:

                - D. Nena, esqueci de avisar! Tia Oli ligou e disse para o Ricky que ele esqueceu de novo o livro de ciências lá na casa dela! Ricky, ela tava bem brava no telefone... Melhor você ir lá hoje. – Inventou, com a cara mais inocente que podia fingir. O mais velho usou o gancho:

                - Caramba, cara...! Como tu se esquece de me avisar uma coisa dessas?! Claro que ela tá chateada...! Tá vendo, D. Nena? Eu disse que esqueci o livro de novo!

                - O que isso tem a ver com a roupa do Rubem e o corte no seu braço? – Perguntou a copeira, sem se alterar. Os dois se encaram; Robert arrisca:

                - Ué, a senhora sabe que Eartha sempre reage quando os meninos brincam muito com ela! Isso aí deve ter sido do Ricky ter irritado a coitada... Foi ou não foi? – Encarou o  mais velho, esperando a mentira de volta.

                - Pfff... É. Admito. Brinquei demais e a gata não gostou. Pulou no meu braço com as unhas e... Eee... De noite, pulou no colo do Rubem e acabou fazendo xixi na camisa dele. Daí pusemos tudo para lavar e só tinha essa roupa do tio que cabia nele. – Ricky não sabia onde enfiar a cara de tanta vergonha, mentindo descaradamente para a copeira, mas ainda completou: - A tia não falou nada se a roupa dele já tava seca?

                - Ih, para mim não. Mas já deve estar, né? Se bem que mijo de gato, o cheiro não sai fácil, então... – Robert deu de ombros.

Nena os encarava. Não se alterou. Deu ordem:

                - Vá se ajeitar, tome banho e vá buscar logo esse bendito livro. Vou mandar o motorista levar você. Mas é ir e voltar, entendeu?

                - Sim, senhora. – Respondeu Ricky, de cara baixa. Robert mantinha a carinha cínica, como se tivesse dito a verdade mais absoluta; arrastou o mais velho, fugiram os dois da cozinha.

Nena não acreditou em nada do que eles disseram. Nada. Era a primeira vez que lhe mentiam e não sabia o que fazer... Ligaria para McGillins.

xxx

                No primeiro andar, os dois cochichavam, Ricky puxando a orelha de Robert:

                - Ouve aqui, moleque! O que te deu para inventar essa conversa?

                - Aaaai, ai, ai, ai!! Solta minha orelha, senão não falo nada!

                - Abre o bico de uma vez!

                - Iih, e o quê que tem? Eu só quis ajudar...! Vocês estão enfiados numa encrenca, que eu sei. E eu quero entrar, também. E sou esperto o bastante para livrar a cara dos três... Se me contarem, guardo segredo. Ah, e não vai ser fácil sair daqui não, hein? O McGillins proibiu a gente de sair sem os seguranças. Eles estão em volta da casa e a gente só sai daqui de carro, agora. Muito bom para quem já vive vigiado aqui dentro...

                O olhar do colega era cínico. Cínico, isso para uma criança como ele era demais. O mais velho não gostou do que viu. Mas crianças não têm noção de resultado... E o mais jovem tinha razão.

                - Ele está certo.  - Era Sergio. Ele os vira subir discutindo e os seguiu. – Eu vi quando McGillins deu ordem na portaria. Estamos presos aqui.

                Olharam pela escada, ao que parecia D. Nena não os tinha notado conversar. Rubem já acordara e se juntara a eles. Esgueiraram-se para um dos quartos, Ralphy já estava lá. Fecharam a porta.

                - Tia Oli ligou mesmo? – Perguntou o caçula.

                - Claro que não, bobão; eu que inventei tudo. Senão D. Nena não ia nem deixar o Ricky sair da cozinha.

                - E agora temos outra invenção para sustentar... – Disse Ricky.

                - Eh, não reclama não! Você nem sabia o que dizer para ela... Qualquer que seja a verdade, você acabaria entregando... – Encarando os mais velhos, Robert os desafia – E isso seria um problema muuuito grave. Para esconder com todo esse esforço... O que é que vocês estão escondendo?

                Ralphy, o mais novo dos cinco, sempre teve os três mais velhos como referência. Os três notaram nele o olharzinho de medo. Medo de se decepcionar.

                Sergio espera Rubem e Ricky... Ricky espera Sergio... Rubem cansa.

                - Tá bom! Chega! – Vai até a porta do quarto, abre-a devagar e olha em volta. Ninguém no corredor. Fecha a porta novamente e recomeça:

                - Tem alguma coisa acontecendo, sim. E se vocês quiserem saber, vão ter que fazer tudo o que dissermos.

                Ricky e Sergio se encaram, estranhando; o amigo não era de atitudes como aquela. Rubem continua:

                - Aconteceu uma coisa muito importante na casa dos tios. E tivemos que ir para lá ajudar. Mas ainda não acabamos e eles não têm como dar conta sozinhos. Se conseguirem fazer com a gente saia daqui sem os seguranças verem, vocês participam de tudo.

                Sete da noite. Começa a chover. Os seguranças vestem capas de chuva e acendem as luzes dos muros.


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