Brazilian Batman escrita por Goldfield


Capítulo 1
Prólogo e Capítulo 1




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Brazilian Batman


O que aconteceria se a história do Batman se passasse no Brasil?

Atenção: Esta é uma história de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Prólogo

A noite sem estrelas parecia querer engoli-lo.

No alto da torre da Central do Brasil, a figura sombria e aterradora, apoiada num vão de parede ao lado do grande relógio, levou novamente uma das mãos ao ferimento no abdômen. A dor lhe impunha enorme sofrimento, mas ele não podia desistir. Não agora que tudo ficava tão claro e a verdade vinha finalmente à tona.

Respirando de modo errante, o justiceiro mascarado sentou-se na beirada da construção, seus olhos fitando por um instante a rua bem abaixo. O sangue enegrecia ainda mais seu uniforme e sua capa de tom azul bem escuro. Aos poucos recobrou o fôlego, assim como um homem fatigado que insiste em dar mais meia dúzia de passos antes de definitivamente cair. Ele, porém, não cairia... E se caísse, antes ofereceria notável resistência.

Com a visão turva, seus músculos latejando e os ouvidos identificando uma sinfonia de sons urbanos, o Cavaleiro das Trevas nascido da violência das grandes cidades brasileiras viu toda a sua vida percorrer sua mente num tropel de lembranças, sua infância parecendo agora tão estranha e distante...

Capítulo 1

Gênese.

Uma rica e vasta propriedade na Baixada Fluminense. Consistia num bosque que equivalia a alguns quarteirões de extensão, sendo que aos poucos a vegetação amainava até culminar num bonito e bem cuidado jardim, no centro do qual estava erguida uma luxuosa mansão de muitos aposentos. Tudo pertencia a Tomás Vale, médico proeminente e um dos mais ricos cidadãos do Rio de Janeiro, talvez do Brasil.

Era primavera do ano de 1984. Tarde de sol intenso, céu azul com poucas nuvens. No jardim, ao mesmo tempo em que o fiel mordomo da família Vale, Alfredo, podava algumas plantas com dedicação usando uma tesoura, o filho de Tomás e sua esposa Mônica, Bruno, contando então seis anos de idade, brincava de polícia-ladrão com alguns amiguinhos, correndo pela grama. Enquanto o herdeiro dos Vale e mais três colegas fingiam fazerem parte do BOTE (Batalhão de Operações Táticas Especiais), a elite da polícia carioca, outros quatro simulavam serem traficantes da Rocinha.

–         Pou, pou, pou! – gritou o pequeno Bruno, fingindo com a boca e uma das mãos estar disparando um revólver. – Eu pego vocês, bandidos de uma figa!

–         Pou, pou! – respondeu um outro menino, refugiado atrás de um arranjo de flores.

Vendo-se sem cobertura, o filho de Tomás correu na direção de um canto do jardim cheio de roseiras e grama um tanto alta, onde até o atencioso Alfredo não costumava muito ir. Embrenhando-se em meio ao mato na procura de um flanco para “alvejar” seus amigos traficantes, Bruno subitamente pisou em falso, sentindo o chão sob seus pés ceder. Quando deu por si, seu corpo já despencava no que parecia um profundo buraco.

–         Ai! – berrou ele, agitando em vão as mãos para agarrar algo.

O céu vespertino foi ficando mais e mais distante, o garoto sendo envolvido pelas trevas daquele abismo que aparentava não ter fim. O espanto era tanto que Bruno não conseguia nem ao menos gritar. A queda prosseguiu pelo que pareceu uma eternidade, até que o garoto finalmente atingiu um chão rochoso.

O impacto causou muita dor, e a criança teve certeza de que quebrara um dos braços. As lágrimas vieram num choro intenso e desesperado, porém ainda não chegara ao fim, e o menino de alguma forma sabia disso...

Olhou ao redor. A gruta em que se viu preso aparentava apenas ser a extensão de uma grande e soturna caverna que devia estar ali há séculos, e talvez os antepassados da família Vale houvessem erguido a mansão sem suspeitar da existência daquele vácuo subterrâneo sob a propriedade. Apertando os olhos, o menino contemplou atentamente as sombras. Aquela escuridão despertava algum tipo de bizarra sedução em Bruno, como se quisesse trazer algo à tona de baixo de camadas e camadas de inocência... Um convite para que o infante se tornasse adulto prematuramente, mas que viria a se concretizar apenas algum tempo depois...

E de repente veio o movimento, a revoada. As trevas pareceram criar vida e asas, investindo na direção do garoto, que passou a se debater aos gritos numa tentativa de defesa. Eram muitos deles. Morcegos, os furtivos moradores daquela câmara.

Confuso e apavorado, os animais se chocando contra si e rodeando-o no que parecia uma dança maligna com o único objetivo de atormentá-lo, seus berros se intensificaram, seus membros trêmulos perderam força. E, no ápice do medo, o jovem Bruno Vale perdeu a consciência.

Dois anos depois, 1986.

O filho de Tomás e Mônica Vale acaba de completar a oitava primavera. O garoto cresce sadio e alegre, porém a queda na gruta dois anos antes, além de um braço quebrado que logo fora curado, deixara a criança com algo mais: um grande e incontrolável medo de morcegos. Bruno não podia ver as criaturas noturnas nem mesmo na TV, que já gritava de pavor como se estivesse morrendo. Recentemente seus pais o estavam levando a um psicólogo para que a fobia fosse tratada, mas até aquele momento as sessões não haviam apresentado quaisquer resultados significativos.

Ironicamente, enquanto alguns meninos tinham medo do Bozo ou do Fofão, Bruno temia os morcegos.

Procurando alegrar o filho para que ele esquecesse do trauma, Tomás logo encontrou a oportunidade perfeita: toda a família Vale era flamenguista de coração, e num domingo próximo haveria um clássico jogo em pleno Maracanã entre o time rubro-negro e a equipe do Fluminense. O médico comprou com antecedência três ingressos para alguns dos melhores lugares do estádio (privilégio dos mais abastados) e, dias depois, ele, a esposa e o pequeno Bruno foram assistir à partida.

O garoto ficou maravilhado com tudo aquilo. Era a primeira vez que ia ver um jogo num estádio. O ânimo das torcidas, os gritos de guerra, os hinos, as bandeiras enormes e tremulantes, o confete, a euforia... Apesar da pouca idade, ele naquela ocasião entendeu por que o futebol era considerado um dos maiores espetáculos e paixões dos brasileiros.

A partida em si foi espetacular, e o craque Zico deu um show à parte. Assim que terminou, Bruno e seus pais se embrenharam em meio à torcida do Flamengo rumo à saída do estádio. O menino, gritando de alegria com uma bandeira do time nas mãos, estava sentado sobre os ombros do pai, que segurava as pernas do filho num grande sorriso. Mônica, uma exceção entre as mulheres, que em sua maioria odiavam futebol, estava igualmente feliz, cantando rimas e fazendo cócegas na barriga da criança. Aos poucos a multidão se dispersou e a família se dirigiu até um ponto de ônibus. Alfredo sempre costumava ir buscá-los de carro quando saíam, mas o mordomo estava de folga naquele final de semana e por isso eles voltariam para casa usando o transporte coletivo. Não viam nenhum mal nisso.

Logo os três adentraram um veículo que se encontrava quase ausente de passageiros. Tomás estendeu algumas notas de dinheiro para um cobrador de cara fechada e logo a família se acomodou nos assentos duros do ônibus: o milionário e sua mulher lado a lado num deles, e Bruno, ainda agitando sua bandeirinha, sozinho num outro próximo. Todavia, a alegria do garoto foi encerrada abruptamente assim que ele olhou para um banco poucos metros à frente: um sinistro homem de capuz e roupas grossas, apesar do calor que fazia naquele começo de noite, lançara um olhar ameaçador sobre seus pais. Um terrível pressentimento dominou o menino, e se concretizou assim que a misteriosa figura se levantou, caminhando pelo corredor até o local em que Tomás e Mônica se encontravam. Bruno jamais esqueceria a forma como os sapatos surrados do homem emitiram sons pesados ao tocarem o chão de metal.

Quando chegou perto o bastante do casal, o sujeito, rápido como um relâmpago, sacou um revólver calibre 38 e o apontou na direção do rosto de Tomás, gritando num tom autoritário como o menino jamais vira, nem dos militares e políticos que volta e meia davam pronunciamentos na TV:

–         Quero dinheiro, jóias, relógio e cartões de crédito, bem ligeiro!

Os pais de Bruno ficaram sem ar, ao mesmo tempo em que o médico tirava sua carteira do bolso e um Rolex do pulso, jogando-os aos pés do assaltante. Logo depois ergueu os braços, imitado pela esposa, ao mesmo tempo em que o bandido apanhava os produtos do roubo. Assim que os adquiriu, apontou o cano da arma para a mulher e, contemplando suas feições e seu corpo de bonitas formas, disse num tom diabolicamente malicioso:

–         Talvez a dona aí tenha algo a mais que eu queira!

–         Não ouse relar um dedo na minha mulher! – rosnou Tomás, punhos cerrados.

Congelado devido ao medo, Bruno viu, com o coração acelerado e lágrimas nos olhos, o ladrão disparar o revólver contra o peito de seu pai em represália à ameaça. O corpo do milionário imediatamente desfaleceu, despencando do assento enquanto uma trilha de sangue descia pelo corredor até onde o garoto estava sentado, o vermelho da camisa do Flamengo se confundindo com o rubro do líquido que escorria. Logo depois Mônica gritou de desespero, um grito tão alto e estridente que também jamais abandonaria as memórias do filho... E para evitar que aquela tão inconveniente socialite chamasse ainda mais atenção, disparou contra sua cabeça para que se calasse permanentemente. A bala perfurou a testa da jovem, que se chocou contra o vidro da janela num baque, deixando sobre ela um rastro escarlate conforme escorregava lentamente para baixo, já sem qualquer sinal de vida...

Agitado, o meliante guardou no bolso a arma de cano ainda fumegante e, apanhando mais algumas jóias e dinheiro, deixou correndo o ônibus pela porta de trás, sem nem ao menos olhar para o pasmado Bruno Vale. Este passou mais alguns instantes sem ação, apenas soluçando enquanto tinha em seu campo de visão os cadáveres dos pais. E, subitamente, sob os olhares piedosos, porém tristemente acostumados do cobrador, do motorista e dos demais escassos passageiros, o garoto avançou até os corpos e abraçou-os fortemente, molhando-os de lágrimas.

A vida de Bruno mudou totalmente depois daquele dia fatídico. Ele se isolou de tudo e todos, desde os colegas de escola e brincadeiras até o fiel mordomo Alfredo. Passava grande parte do tempo sozinho em seu quarto, olhando calado para o jardim através da janela. O empregado da família pensou que a criança tentava se distanciar da realidade para superar a dor, mas era exatamente ao contrário. Ele procurava analisá-la juntamente com as circunstâncias para compreendê-la, tentando fazer com que a morte trágica dos pais naquele ônibus fizesse algum sentido...

Aquele menino de oito anos já havia se tornado um adulto, e agora existia apenas um anseio em seu coração endurecido pela fatalidade: fazer justiça pelos pais assassinados, vingá-los a qualquer custo. Ele dedicaria sua vida a isso e passaria por cima de quaisquer sentimentos que ousassem interferir. Sim, ele faria justiça, e só dessa maneira pudesse talvez um dia voltar a viver em paz...

Continua... 


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