Deixe-me ir escrita por GabiLavigne


Capítulo 4
2020 - Parte 3


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/627035/chapter/4

Sinto minhas veias congelarem e não sei como reagir. A mulher finalmente me nota, e quando seus olhos se chocam contra os meus, sinto que ela empalidece. Amit não nota a reação já que outra vez, ele está provocando Seth.

A outra Ava, arregala os olhos, boquiaberta.

Seth consegue se livrar das brincadeiras de Amit e então sorri para mim, antes de se virar para a senhora. Na realidade, isso é bem estranho. Não pretendo confundir-me com essa situação, apenas preciso fazer o que vim fazer.

– Ah, senhora Mees – começa ele um tanto reservado – Essa é a Ava... Ela está procurando pela irmã dela...

Forço-me a abrir um sorriso tímido. A reação da versão à minha frente, ainda se apresenta um pouco perplexa. No entanto, sou surpreendida pelas suas palavras.

– Seth e Amit, poderiam aguardar um pouco enquanto eu oriento a amiga de vocês? – pede ela, com uma delicadeza majestosa e desconhecida para mim.

Amit acena devotamente para sua mãe, e apesar de Seth repetir seu gesto, uma certa desconfiança ainda paira sobre seu olhar. O que será que Seth teme? Não tenho tempo para analisa-lo já que a mãe de Amit, envolve meu pulso calmamente, entre seus dedos. E então sou arrastada para dentro da minha enorme casa. Ou o que ela poderia ter sido.

O vislumbre incrível do interior mobiliado avidamente, me deixa sem ar. Corro os olhos pelas paredes. Identifico um punhado de retratos e paro abruptamente, quando um deles perfura meu coração.

A fotografia de uma versão, com talvez 25 anos de idade minha, capta minha atenção. Estou encoberta por um deslumbrante vestido branco, carregada no colo de alguém, que na situação aparenta meu noivo. Os traços reconhecíveis dele, entalham uma estranha dor em meu peito e convocam um amargor em minha boca. Sou estilhaçada em mil pedaços, enquanto minha visão se foca na imagem. Cody. Eu tenho certeza que esse é o Cody. O menino pelo qual suspiro e suspirarei, até o momento em que não serei mais capaz de tal ato.

Eu sou casada com o Cody.

Esse fato me acerta como um tijolo.

O ar é exilado dos meus pulmões e sinto um calafrio vibrar em meu corpo. Isso não pode ser verdade. De olhos arregalados, sinto-me cativa àquele fato. Uma mágoa irrevogável se expande em meu interior. Então seria essa a minha vida, caso eu pudesse viver o suficiente para prestigia-la?

A minha versão adulta repousa solene ao meu lado, aguardando o meu deslumbramento se encerrar, com certa tensão. Porém não parece ser uma tensão normal, mas sim aquela que se sente pouco antes de alguém pronunciar suas últimas palavras. Um tipo de tensão que refugia medo entre minhas entranhas e amolece meus joelhos.

– Bela foto, não é? – O olhar dela, ofusca em minha direção e penso registrar descontentamento em sua voz – Ava.

Forço-me a respirar fundo o ar puro, que me envolve. Cerro os punhos para interromper o progresso das minhas mãos trêmulas e a encaro diretamente. Obrigo-me a esquecer os fatos relacionados à Cody.

– Algo errado, senhora Mees? – pressiono, apesar de achar estranho referir-me a mim mesma dessa forma.

Os cabelos curtos da senhora à minha frente, cobrem-lhe vagamente os olhos, estes que me fitam intensamente. Por fim, ela cruza os braços.

– Siga-me por favor.

Não hesito. Acompanho-a até uma porta. Atrás dela há um quarto. Meu quarto. Exatamente da maneira como o deixei em 1958. Boquiaberta corro os olhos por todo ambiente, analisando cada detalhe. Os pôsteres não se alteraram, nem a minha prateleira de CD,s. Ava futurística, com passos calmos, vai em direção à um criado mudo simples, parado ao lado da minha cama. Uma parte de mim sente alívio no fato de eu não ter me tornado uma esnobe rica.

– Sabe, isso é apenas obra de um projetor. Não é real. – explica ela, com certa tristeza – Mas, há algo bem interessante nessa projeção. – com um gesto, Ava pede que eu me aproxime. Relutante sigo suas ordens, apesar do incômodo ardendo-me o estômago.

Aproximo-me e sento na cama, ao lado dela. Quando uma foto entra em meu campo de visão, sinto como se minha corrente sanguínea congelasse. Um arrepio doloroso mergulha cada parte do meu ser em angústia. Na foto é possível me reconhecer, com um visual bem elaborado. Um sorriso aconchegante se expressa em meu rosto, enquanto minha amiga me recepciona com braços erguidos, no fundo. O local da foto parece ser bem festivo. Arregalo os olhos em reconhecimento e minha garganta parece se comprimir.

Talvez... minha festa de 17 anos?

– Essa sou eu, obviamente mais jovem. – anuncia a senhora, apesar da cautela, com firmeza.

Engulo em seco e sinto um arrepio perseguir-me. Não há como fazer vista grossa para uma evidência tão clara, como esta. Ela deve saber. No futuro existem coisas insanas o suficiente, por que não poderia existir uma versão sua mais nova vinda do passado? Meu coração bate com força, enquanto reprimo a tremedeira em minhas mãos. Ela deve saber que eu sou ela. Será que é capaz de acreditar?

Seus olhos azuis e impenetráveis se fixam nos meus. Por alguns instantes, apenas escuto o bater pesado do meu coração, enquanto sou recepcionada por um olhar gélido. Tensão se expande através do ar, como veneno e o medo se impregna em meus poros. Nervosismo transborda através das minhas atitudes precipitadas. Ainda assim, recuso-me a desviar de seu olhar. Devo provar a mim mesma que não sou fraca, literalmente. A desconfiança está firmada nos olhos experientes da Ava mais velha.

Antes que eu possa adquirir coragem para organizar alguma resposta, a voz de Amit ecoa pelo corredor.

– Mãe, creio que deva comer algo.

Com um suspiro, Ava retorna à sua postura normal. O cabelo grisalho lhe cobre a testa, enquanto ela se ergue da cama. Com um olhar cortante em minha direção, ela deixa o quarto. Relutante e com o interior angustiado, sigo-a.

Atravessando todos aqueles corredores imensos, sinto o nervosismo corroer-me. O único som que se faz presente é a resultante dos ecos causados pelos saltos, que a mulher à minha frente utiliza. Suspiro, suavizo minhas mãos que haviam se encravado em punhos e procuro manter a calma apesar de toda a pressão que infesta o ar. Olhando para os cabelos sedosos da minha futura eu, lembro-me de algo intrigante que me forcei a deixar para depois.

Como sou horrível.

Minha irmã continua vagando por aí e, ainda assim, estou neste lugar. Eu devia procura-la, afinal o envolvimento dela para com essa situação é minha culpa. Por um segundo mergulho nessa sensação sufocante, em seguida procuro me controlar. Eu irei busca-la. Porém, para que nesse futuro ela fique bem, preciso resolver esse assunto primeiro.

Preciso assassinar a mim mesma.

Balanço a cabeça, arremessando esses pensamentos dolorosos para longe e me concentro no que virá a seguir. Um grande desafio ainda se encontra materializado à minha frente. Não posso mudar esse fato.

– Qual o assunto tão urgente senhora Mees? – A voz firme de Seth perfura meus pensamentos e instantaneamente ergo a cabeça, vendo-o falar com a minha “outra” eu.

– Ah, Seth, sempre tão atencioso... – Ava abre um sorriso gentil e me pergunto como eu sou capaz de emanar uma aura tão gentil e ao mesmo tempo tão opressora.

Balanço a cabeça em relação a isso, quando lembro que minha melhor amiga já havia comentado sobre esse lado meu. Um sorriso triste surge em meus lábios e em seguida se apaga. Não percebo que Amit se aproxima.

– Ava – a voz alegre se intensifica – Há algo te incomodando?

Surpresa com a súbita aproximação de Amit eu o encaro e balanço a cabeça.

– N-não eu só... ehm... está tudo bem – em minha mente busco de maneira rápida algo que possa dar caminho para outro assunto. – Senhor “futuro influenciador de gerações”.

Amit não deixa de sorrir ao ouvir minha afirmação.

– Claro, claro – um suspiro cômico é expressado pelo jovem e então ele enfia um daqueles comprimidos na boca, engolindo-o. – E você? O que quer ser, Ava Mee...

De repente ele se cala e até a conversa despercebida entre Seth e a outra Ava se interrompe.

Sinto os olhares sobre mim e o nervosismo. Forço-me a abrir um sorriso, sem entender ao certo o que está acontecendo.

– Acho que ainda não tenho uma ideia muito clara a respeito desse assunto.

Quando apesar da minha resposta o silêncio prevalece, começo a me preocupar.

– Está tudo bem? – O silêncio está tão afiado, que parece que a tentativa dela de quebra-lo fora esfatiada.

– Ava Mees. – Seth é quem se pronuncia – Esse... esse é o seu nome certo?

Abro a boca para revidar, mas as palavras recusam-se a sair. O peso da minha tolice me esmaga. Como eu pude dizer o meu verdadeiro nome sem cogitar uma situação frustrante dessas? Por qual motivo eu renunciei à minha farsa perfeita? O que direi agora?

– Ahm... r-receio que sim, Seth. – Confesso, sentindo-me estranhamente ainda mais tola com essa resposta.

– Isso não quer dizer que... – retoma Amit.

A Ava “idosa” lança um olhar que parece aguardar pela minha ruína. Que anseia pela revelação. O que há de errado com ela?

– Sua mãe deve ter sido uma boa amiga da minha e homenageou ela? Que ato honrável! – Não apenas eu fico perplexa com a constatação de Amit. Mas o que é isso?

Boquiaberta ainda sinto o olhar irritado da Ava e um duvidoso de Seth.

– Ehm... exatamente... isso.

Seth não parece tão convencido que nem Amit. Nem Ava.

Por um instante ainda penso em como domar esse silêncio suspeito.

No seguinte um choro entoa firmemente, por todo o corredor. Medo é o que se pode absorver dele. Porém eu absorvo outra coisa. Esse choro...

Não pode ser.

Desespero aperta o meu peito e sinto dificuldades em respirar. Corro através do enorme e deslumbrante corredor. Passo em frente à inúmeras portas e as vozes atrás de mim ecoam, misturando-se ao choro profundo que me orienta.

– Espere Ava, o que está fazendo? – É a voz de Amit.

– O que pensa... – A outra Ava inicia a frase, porém posso imaginar seus olhos se arregalarem quando provavelmente toma conhecimento do que está prestes a acontecer. Ela sabe e não me importo. Minha versão mais velha corre também, mas sua velocidade nem é comparável à minha.

Eu ignoro os que deixo para trás. Tudo que importa agora é encontrar a fonte daquele choro. O som aumenta e finalmente, intensifica-se por trás da porta na qual paro. O meu coração martela de maneira irrefreável expelindo e recolhendo todo o oxigênio a disposição. Cravo minhas mãos na maçaneta daquela porta e forço-a a abrir. Ou ao menos tento. O esforço faz suor escorrer pela minha testa. Por que essa porta idiota não abre? Coloco ainda mais força e cerro os dentes enquanto puxo. Mais um pouco. Vamos.

Meus dedos começam a latejar, porém não desisto. Bato com a mão contra a porta, em pânico. Vamos. Arremesso outro golpe contra o seu material delicado.

– Abre! – Grito com a voz trêmula.

Os passos atrás de mim cessam. A porta se abre num estrondo. A escuridão me saúda. Adentro à sala escura e o choro se transforma em lamentações. Uma luz azulada me atinge de forma ofuscante e então o desespero em mim explode diante da visão que se ilumina. Meus olhos arregalam-se e sinto o arder das lágrimas em meu olhar.

A menina está presa à um tipo de cadeira modernizada. Sua cabeça está conectada a algo ao redor. Seu cabelo desliza de forma descuida e fito o delicado rosto, que se comprime em meio a dor ou tristeza. Percebo que ela tenta balbuciar algo.

– Ava... – o seu leve sussurro acerta-me no estômago. Os olhos dela, firmemente fechados.

As respirações das três outras pessoas ecoam atrás de mim. Dou um passo em frente e cubro a boca, quando com os olhos marejados constato a realidade que tanto reprimi.

– Makayla.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Deixe-me ir" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.