O Monstro no Armário escrita por V M Gonsalez


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ^.^



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A história que vou contar pode parecer irreal para alguns, uma dádiva da insanidade para outros, mas ela é real. Ela é muito real. Não pensem que eu sou louco, pois não sou.

Tudo começou em 1931, quando eu era apenas um garoto de 7 anos. Eu e minha família nos mudamos para uma casa no campo, distante das cidades, onde podíamos recomeçar nossa vida tranquilos. Havíamos perdido muito na Grande Guerra, muitos de meus tios e primos haviam perecido nos campos de batalha, por sorte, meu pai sobrevivera, mas voltara estranho da guerra.

Tinha ataques de paranóia, surtos de raiva, medo de cada sombra que via pela frente, voltara rígido. Podiam ter tirado a vida de meus tios na guerra, mas de meu pai eles tiraram o sorriso.

É com um desses surtos de raiva que nossa história começa.

Eu me lembro muito bem daquele dia. Era uma tarde quente e seca de verão e eu corria. Ah, como eu corria. Meu pai estava atrás de mim, um pedaço de madeira na mão direita, ameaçando me bater até sangrar, por algo que eu não havia feito. Mas é claro, ele não estava muito disposto a ouvir o meu lado da história.

Eu ainda não estava acostumado com a casa, ainda me parecia um imenso labirinto de cômodos vazios, poeira e mistérios. Quando tomei alguma distância dele, entrei em um corredor que eu praticamente nunca vira, que levava a uma maciça porta de madeira escura. Com o coração aos pulos, entrei pela porta.

Me deparei com uma sala vazia e escura, pois a janela estava fechada. As paredes estavam pintadas de um branco sujo, e o piso de madeira parecia precisar de cuidados. No entanto, no fundo do quarto, havia um armário, um guarda-roupa mais especificamente.

Eu ainda podia ouvir os passos de meu pai do lado de fora, me procurando. Tomado pelo pânico, corri até o armário e abri suas portas grossas de madeira, que por sorte não estavam enferrujadas, e me escondi em seu interior. Tomei o máximo de cuidado para que a porta não fizesse barulho ao bater e me sentei em um canto escuro, com o coração palpitando incessantemente, tão alto que eu temia que meu pai o ouvisse do lado de fora.

Passaram-se alguns minutos, que a mim pareceram horas, e eu comecei a me acalmar. Tudo indicava que meu pai deixara sua busca de lado e eu poderia sair. Mas, antes que eu pudesse sair, um pensamento tomou conta de minha mente... Mas que diabos de armário era aquele? Apesar de novo, já naquela época eu sabia que aquela coisa não havia vindo conosco, deveria ser do antigo proprietário... Mas, por que não levar consigo uma peça em tão bom estado? Poderia não ser o mais belo, precisar de alguns cuidados, mas ainda era um belo guarda-roupa de madeira.

Sentado ali no escuro, a dúvida consumia minha mente. Passei alguns momentos pensando naquele impasse quando vi um pequeno buraco no outro extremo do interior do guarda roupa. Não sei exatamente o que me vez ver aquele buraco, lembro-me de ter a sensação de algo se movendo do outro lado – apesar que hoje, faço uma boa ideia do que era aquilo – aquela coisa atraiu minha atenção como se fosse um buraco negro, e eu comecei a engatinhar em sua direção.

E é exatamente nesse ponto que as coisas começam a ficar estranhas.

Primeiro, tive a sensação de estar demorando um tempo estranhamente longo para me mover, como se o armário estivesse ficando maior a cada passo que eu dava. Depois, senti a escuridão a minha volta se condensar, se tornar intensa, física, se fechar ao meu redor. Não sei ao certo se existe alguma cor mais escura que preto, mas se existe, eu a vi naquele momento.

Mas o mais bizarro foi quando atingi meu objetivo. Aquele pequeno buraco que eu vi quando estava do outro lado se tornara um buraco suficientemente grande para que eu passasse em pé. Assustado, tentei olhar em volta, mas tudo estava mergulhado na mais pura escuridão. Confesso que senti medo, muito medo, mas algo me puxava irracionalmente para dentro daquele escuro buraco, e eu entrei.

Por um tempo, andei no vazio sombrio, que se estendia em todas as direções, mas logo o cenário começou a mudar e a tomar forma. Senti certa umidade em meus pés, embora não soubesse o porquê.

Continuei em frente, e a umidade começou a subir, até atingir meus joelhos, eu definitivamente estava entrando em algum tipo de poça ou lago. Lentamente, algo semelhante à luz (veja bem, leitor, eu disse semelhante... não havia luz naquele lugar... não havia como haver luz naquele lugar) começou a dar forma às coisas.

Logo vi que realmente estava na entrada de um grande lago. Suas águas eram escuras, escuras e densas como uma noite sem luar. Mesmo sendo completamente opaca, eu podia sentir a profundidade da água me puxando, me sugando para dentro, agarrando-me pela alma e me levando para suas misteriosas e sombrias profundezas. Era uma sensação gelada, oh, como era gelada.

Quando meus olhos se acostumaram com aquela estranha claridade, pude distinguir algumas formas brancas...Eram árvores...Mangues, oh sim, aquelas árvores brancas, finas, com raízes enormes que se erguiam ao céu e se enterravam metros abaixo, na água. Também vi um caminho sobre as águas, de pedras pequenas e planas. Como algo me chamava cada vez mais para a profunda escuridão, trilhei meu caminho sobre as pedras.

Elas eram perfeitamente planas, mas mesmo assim eu precisava ter cuidado, pois eram pequenas, mal meu jovem pé de 7 anos de idade se apoiava em uma, eu precisava buscar o apoio da segunda. E desse jeito segui por um tempo que até hoje não sou capaz de contar. Horas? Dias? Segundos? Não sei, não sei... Não importa. Em meu caminho, vi coisas que me assombram até hoje, vozes que sussurram em meus pesadelos mais escuros, mãos desesperadas batendo na superfície morta do lago, mãos que ainda agarram-me a noite e me tiram o fôlego até que eu acorde sobressaltado, gritando e chorando. As coisas que eu vi naquela escuridão me perseguem até hoje.

Inclusive ela...

Principalmente ela...

Quando finalmente cheguei no final da trilha de pedras, vi que as águas estavam mais claras, e eu podia ver algo no fundo, uma luz brilhava no fundo do lago. Naquele momento, em minha inocência juvenil, não parei para pensar como aquilo tudo poderia estar acontecendo dentro de um velho armário de minha casa, coisa que hoje atormenta meu sono, mas lembro-me que naquela vez eu estava assustado demais para pensar.

Desprovido de minhas faculdades mentais normais, eu pulei no lago.

Eu sabia que, uma vez naquele lago denso como o silêncio, eu jamais poderia sair. Por muito tempo, achei que fosse por causa do peso da água. Hoje eu sei que era por causa dela. Nadei, nadei até meus pulmões doerem, até eu me agarrar a lembrança de ar como uma criança recém nascida se agarra a mãe. E de repente, me sinto livre.

A claridade me engolira por completo, ofuscando minha visão. Quando finalmente retomei o precioso sentido, olhei em volta e, surpreso, percebi que não havia mais água, e que eu podia respirar novamente. Tomei longas doses de ar, como se fosse o bem mais precioso de minha vida, e vasculhei a pequena câmara em que me encontrava.

Era pequena, não maior que o quarto em que eu estivera antes de entrar no armário. Era feito de grossos blocos de pedra, sem pintura. A iluminação vinha de pequenas lamparinas que brilhavam com uma luz alaranjada irracional, forte, mas gelada. Atrás de mim a água fazia uma parede, impedida por algum tipo de magia de entrar naquela espécie de santuário mórbido. E, à minha frente, havia uma porta com grades. As grades eram de ferro escuro, desenhadas a semelhança das portas de elevadores. Atrás, uma porta dupla de madeira desgastada me chamava quase que pelo nome, me impelindo a seguir em frente.

Sem pensar duas vezes, eu fui.

Puxei a grade que se recolheu com um grande rangido, ficando de frente para a porta. A madeira desgastada ainda conservava um pouco da pintura branca de outrora, e não precisei de muito esforço para abri-la.

Me deparei com um cenário um tanto inusitado. Um elevador. Isso, exatamente o que você está lendo, meu caro, um elevador. Lembre-se, eu não estou louco, nem você. Você acabou de ler isso, um elevador.

Era pequeno, tinha o chão de mármore velho e branco, com decorações em verde. Uma parede desgastada, branca com uma listra verde circulando-a. Uma fraca luz no teto do pequeno elevador era mais do que suficiente para manter o ambiente num tom mórbido de decadência. O mostrador, em números romanos, indicava o XI andar, o que era absurdamente bizarro. Me lembro muito bem de estar sozinho quando entrei no elevador.

A luz piscou.

- Olá.

Senti um gelo em minha espinha tão grande quanto nunca voltei a sentir em minha vida. Eu estava sozinho no elevador, eu tinha certeza disso, no entanto, uma doce e inocente voz acabara de pronunciar uma singela palavra, um simples “olá”. Creio que a única coisa que me impediu de gritar e sair correndo foi a visão da criatura que havia dito “olá”.

E digo, meu caro, foi a visão mais bela do mundo.

“Ela” talvez seja o pronome adequado a se usar para me referir àquilo. “Ela” tinha a aparência de uma garota, parecia ter a minha idade. Os cabelos eram prateados, tão claros quanto o branco, lisos, com pequenos cachos nas pontas longas. Ah, ela era pálida, de um pálido fantasmagórico, inumano, mas belo, diria até mesmo que era uma pele bem cuidada, apesar disso parecer estranho. Seus olhos eram a coisa mais estranha e bela que já vi em minha vida. Eram grandes, tinham um profundo contorno preto ao redor da íris, esta era de um branco luminescente que parecia iluminar-me nas profundezas da alma, simplesmente hipnotizantes. Seus lábios, sentia-os frios, mesmo a distâncias, eram brancos como os de pessoas mortas, cortados por pequenas manchas pretas, formando uma espécie de listrado.

Suas roupas eram estranhas. Usava um vestido branco e preto que me lembrava aquelas figuras da Era Vitoriana, embora não fosse tão volumoso. Um grande laço negro adornava sua cintura, dando a ela um aspecto inocente. Seus pequenos sapatos negros se mexiam inquietos, ela parecia estar com vergonha.

- Olá – ela repetiu, com um pouco de impaciência na voz.

Tomado pelo medo, nada pude fazer a não ser gritar e me jogar contra a porta a minha frente, que lentamente se abriu. Enquanto saia correndo, pude ver de relance a garota pálida se pressionar na direção oposta, com um olhar misto de medo e mágoa. No entanto, isso não me impediu de correr o mais rápido que pude.

Não vi como passei pelo pântano sombrio de antes, tampouco como voltei ao meu tamanho normal quando passei pelo buraco no armário, eu só me preocupava em fugir, fugir o mais rápido que eu podia.

Quando finalmente tomei um tempo para respirar, vi que eu estava novamente no quarto perdido da minha casa. Eu estava ofegante, cansado e um pouco molhado. Deixei-me cair encostado na parede do quarto, para tomar fôlego. Quando minha mente se acalmou, tive tempo para pensar na loucura que havia sido aquilo. Eu realmente havia visto aquilo que vi? Era impossível. Lembro-me bem que na época eu ainda não compreendia as coisas que estão além deste mundo. Eu era uma criança ingênua.

Mas não fui por muito tempo.

Quando tomei coragem de sair do quarto, finalmente lembrei-me o motivo de ter ido parar lá, e tive medo de meu pai estar ainda mais furioso com minha fuga, mas quando o encontrei na sala principal da casa, ele parecia mais calmo, quase que relaxado. Imagino que as 3 ou 4 garrafas de bebida tenham ajudado um pouco nisso.

Passei o resto daquele dia inquieto, pensando no que eu vira. Durante o jantar, mal toquei no prato, embora fosse uma de minhas comidas favoritas. O importante, no entanto, foi que eu decidira voltar para aquele lugar sombrio, em busca de respostas.

Nesse ponto, meu amigo, gostaria de tirar algumas palavras para amaldiçoar minha curiosidade infantil. Se eu não fosse tão curioso como é comum às crianças, eu teria uma boa vida atualmente. Mas eu fui curioso, oh sim, eu fui muito curioso.

Quando chegou meia noite, fui sorrateiramente me esgueirando pela casa, em busca daquele estanho quarto. Eu estava com medo, mas minha curiosidade superava tudo, o que me impelia para frente, até que me vi novamente diante daquele estranho pântano. Por algum motivo, não senti tanto medo dele quanto da primeira vez, e atravessei-o sem grandes problemas, apesar de constantemente me assustar com braços ou pernas que emergiam do fundo da escuridão.

Quando finalmente as portas do elevador se abriram, ela já estava me esperando. Tinha um olhar magoado em minha direção, mas não demonstrou resistência quando entrei no pequeno cubo.

- Ola? – ela perguntou, com um pouco de medo

- Olá... Quem é você? – respondi, ainda um pouco trêmulo, olhando fixamente para a garota

Ela se limitou a sorrir e a porta do elevador se fechou, o que me assustou. O contador de andares acima da porta começou a se mover, o que eu achei completamente bizarro, tendo em vista que eu supunha ainda estar dentro do armário.

Ela estendeu a mão para mim, em um gesto carinhoso e disse: - Amigos! – com um tom alegre na voz. Eu, quase inconscientemente, apertei a mão que ela me estendia, e respondi com um “amigos” fraco e quase sem som, o que não pareceu abalar aquele jovem rosto sorridente.

- Vamos conversar – ela disse, quando o contador começava a voltar os “andares”

E conversamos. Os assuntos? Já não me lembro bem, foram dos mais diversos. Conversamos desde sobre brincadeiras infantis, até mesmo sobre aquele estranho pântano. Segundo ela, aquele era o lugar para onde os corpos das pessoas eram mandados, depois de serem decompostos, era uma espécie de cemitério eterno. Aquilo me perturbou de uma maneira que acho difícil de descrever, mas sua mão fria como a de um morto pareceu acalmar-me e impedir que eu entrasse em histeria. Por mais que conversássemos, ela continuava se negando a me contar quem era, e com o tempo eu passei a chamá-la simplesmente de “Amiga”, o que ela parecia gostar.

Com o tempo, minhas visitas à minha amiga se tornaram cada vez mais frequentes. No começo, meus pais e irmãos notaram minha constante ausência e me questionaram sobre tal, mas a medida que eu ia inventando desculpas e mentiras cada vez mais aguçadas, eles desistiram de tentar entender, e começaram a simplesmente ignorar o fato. Logo, mudei minha cama e minhas coisas para o quarto com o armário, e passei ali grande parte de minha vida.

Minha amiga parecia gostar de minhas visitas. A cada dia ela me esperava mais e mais perto, chegando até mesmo a me esperar nas margens do lago. Nós riamos, conversávamos e brincávamos. Corríamos pela escuridão sem fim, pulávamos pelas pedras do lago até o infinito horizonte sombrio, embora ela me advertisse de nunca deixar aquela substância negra tocar-me a pele. Digo, meu caro, que aquela talvez tenha sido a época mais feliz da minha vida.

Minha amiga se tornou minha primeira namorada, como você já deve estar esperando.

À medida que eu crescia, ela fazia o mesmo, adquirindo curvas belas, aliadas com sua voz gentil e sorriso simpático. Lembro-me até hoje de nosso primeiro beijo. Estávamos correndo pela escuridão, ela parecia incansável, enquanto eu já ofegante, parei para descansar. Sorrindo, ela voltou para onde eu estava e agarrou minha blusa e me puxou para perto de si, juntando seus lábios frios aos meus. Senti meus lábios enrijecerem, tal qual na noite mais fria de inverno. Depois, ela se afastou envergonhada, embora seu rosto não demonstrasse sinais de estar corado, e voltou a correr pela escuridão.

Quanto mais velho eu ficava, mais sérias se tornavam nossas conversas. Agora ela me contava todas as histórias daqueles que estavam nos pântanos. Eu já não me assustava com aquelas histórias, na verdade elas fizeram crescer uma paixão em mim por anatomia e pelo mistério da morte, fato que seria muito proveitoso para mim em alguns anos. Nessa época também, eu percebi que por mais “viva” que ela parecesse, de fato ela estava morta. Não havia dúvidas quanto a isso, sua pele fria, seus lábios sem vida, tudo me dava a certeza quanto ao estado de minha “querida”, como passei a chamá-la.

Foi nessa época, também que ela começou a me segredar sobre aquilo que ela chamava de “Segunda Grande Guerra”. Segundo ela, logo o mundo seria novamente tomado pelo medo e pela dor, pois a Alemanha se ergueria contra o mundo, num dos cenários mais sangrentos dos dias de hoje. No entanto, ela me alertou a manter o assunto quieto, pois ninguém jamais acreditaria em mim, e assim o fiz.

Com o decorrer do tempo, de fato, as previsões de minha querida se tornaram reais. Com um pouco de jeito, alguns bons contatos e um pouco de discrição, fui capaz de evitar ser arrastado para aquele inferno no qual se tornara a Europa. Esse tempo, no entanto, não foi mais pacífico para mim do que para os demais.

Quando sai de casa a fim de estudar Medicina em uma importante universidade de meu país, deixei minha querida para trás, pois ela terminantemente se recusava a sair do armário. Tenha em mente, meu caro, que uma criança que cresceu vendo a corpos decompostos em uma lagoa negra não pode ter tido a melhor das formações “morais”. Isso, aliado com o fato de cada vez mais eu estar incomodado com o fato de minha amada ser uma mulher morta, fez com que eu buscasse o calor dos vivos. Não vou me delongar por minhas aventuras aqui, meu caro, então iremos direto ao dia em que eu e Sasha, minha esposa, nos mudamos para minha antiga casa, depois da morte de meus pais.

Não, eu não havia esquecido de minha antiga amada, mas eu não esperava que fosse acontecer o que aconteceu.

Enquanto arrumávamos as mudanças, decidi ir para meu antigo quarto, visitar minha amiga. Ela me esperava com os olhos cheios de saudade, no local mais externo que podia chegar, o interior real do armário. Tive um susto quando abri a porta e me deparei com ela... Como estava bela. Suas curvas haviam se tornado particularmente atraente, embora seu rosto ainda tivesse a mesma simpatia de sempre. Ela tinha muita coisa para contar, disse que lamentava a morte de meus pais, e que cuidava com carinho de seus corpos, me pediu para ir com ela para o “Mundo das Sombras”, para que pudéssemos passar mais tempo juntos e...

- Querido, pode vir me ajudar aqui?

A voz de Sasha interrompeu a euforia de minha amiga, dando a ela uma expressão sombria e gelada. A mágoa e a raiva se contorciam em seu rosto. Se ela fosse viva, não duvido que estaria chorando.

- Eu não acredito... Como você pode? – ela disse, fugindo para as sombras do interior do armário

Aquilo me assustou e me perturbou. Fui ajudar minha esposa ainda preocupado com aquele olhar de minha amiga. Se eu soubesse como as coisas aconteceriam, eu teria fugido dali tão rápido quanto da primeira vez que vi “ela”.

O que aconteceu de fato foi que, certo dia, Sasha estava terminando de arrumar as mudanças quando descobriu aquele velho quarto. Eu estava na sala, particularmente ocupado com um jornal com noticias da guerra, quando ouvi um grito estridente vindo do interior da casa. Corri o mais rápido que pude, temendo que Sasha tivesse descoberto o que estava escondido no armário. Mas foi pior...

... Foi muito pior.

Quando entrei no quarto a primeira coisa que eu vi foi a porta do armário aberta. A segunda, foi o sangue que cobria todo o cômodo.

Sasha estava morta. Não apenas morta, completamente mutilada, de seu corpo apenas a cabeça parecia estar “intacta”, embora faltasse um de seus olhos. Seu corpo fora cortado em pedaços, estes haviam sido revirado e a carne havia sido espalhada e jogada por todos os lados. Seu intestino estava partido em uns 6 pedaços, pelo que pude contar, formando uma macabra decoração sobre os cantos do cômodo. O sangue da carnificina respingara até mesmo no teto, dada a violência do golpe.

Minha amiga estava um pouco diferente, aquela foi a primeira vez que a chamei de “Monstro”.

Ali, fora do armário, ela era uma besta de corpo branco como ossos. Tinha o corpo magro e forte, com cabelos brancos esvoaçando como os de uma banshee. Seus olhos eram duas órbitas rubras, que brilhavam de ódio. Sua boca era um perturbador rasgo sem fundo sombrio, com pontiagudos e longos dentes negros. Seus braços, finos e negros nas pontas, estavam tingidos até os cotovelos de sangue. Quando me viu, ela chiou e correu de volta para o armário, retomando sua forma humana, me olhando com uma cara inocento, murmurando: “Me desculpe”

Atônito, eu não fiz nada além de cair de joelhos e chorar. Pude ouvir o monstro me chamando, pedindo para que eu viesse com ela para o interior do armário. Com um gesto de raiva, bati a porta do armário com força, enquanto ela me olhava com mágoa.

Não foi fácil explicar para a polícia o que acontecera, e eles não estavam muito dispostos a acreditar na minha história do monstro. No entanto, todos concordaram que era impossível que eu tivesse feito aquilo, e deram o caso por encerrado, pois não tinham funcionários o suficiente para lidar com um caso daqueles, tendo em vista os esforços de guerra.

A partir daí, meu caro, minha vida se tornou um inferno.

Eu queimei o armário, na esperança de acabar com aquele demônio. Mas de alguma forma, ela escapara antes de eu poder trancar as portas, e desde então ela me seguiu não importa onde eu fosse. Minha vida passou a ser um constante rastro de morte por onde eu passava. Todas as pessoas com as quais me relacionei, todos os meus amigos, minha família, até mesmo meus pacientes, todos morream de formas assustadoramente perturbadoras. Comecei a ter sérios problemas com a polícia, o que me obrigou a fugir e me esconder em uma pequena casa no interior do país. É aqui que agora vivo, é aqui que agora escrevo.

Hoje vivo sozinho, somente eu e ela compartilhamos a casa. Durante o dia ela se esconde de mim, mesmo que eu não faça questão de procurá-la, e durante as noites mais escuras, quando não há Lua no céu, ela vêm até mim, em sua forma humana, pedindo perdão, pedindo para que eu volte com ela para as sombras. Hoje já não me importo mais com seus lamentos, me cansei de mandá-la embora e de tentar adivinhar o que ela é. Ela é um monstro, e é isso que importa.

Com isso, meu caro leitor, concluo que não sou louco. Toda essa história é absolutamente verídica, eu não matei minha mulher, nem meus amigos ou parentes. Eu nunca receitei errado as receitas de meus pacientes para vê-los sofrer. Eu não sou louco, afinal, se eu fosse louco...

... Por que eu teria uma arma apontada para minha cabeça?


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Notas finais do capítulo

Bem, essa história foi baseada em um sonho que tive certa vez... É, não foi uma noite muito agradável. Porém, espero que tenham gostado, e se possível comentem o que acharam. Para outros contos e histórias do tipo, basta procurar em meu perfil aqui mesmo no Nyah. Obrigado por ter lido ^^



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