P. O. V. Helena Wilde
-Como anda o seu passaporte? -A atendente pergunta, a voz forçada tentando transparecer meiguice.
-Passaportes não andam. -Respondo, impacientemente enquanto entrego rápido o documento nas mãos da mulher. -Aparentemente, você também não já que estou esperando aqui há seis minutos por um maldito check-in.
Ela franze o cenho enquanto confiro pelo que deve ser a quinta vez o relógio no meu pulso.
-Certo, seu passaporte está em dia. -Ela diz, a voz agora controlada para manter o tom baixo.
Eu praticamente conseguia ouvir os pensamentos dela "Esperto que o avião dessa imbecil caia". É, eu sei. Não deveria estar tratando qualquer pessoa assim, mas estava atrasada e quase conseguia ouvir o barulho dos meus sonhos se afastando junto com o avião no qual eu deveria estar.
Assim que a atendente imprimiu minha passagem, me precipitei para frente e iniciei uma corrida olímpica até o portão 4 do aeroporto. Chegando na Sala de Embarque, me deparei com os olhares divertidos dos comissários que já deveriam estar acostumados com a visão de alguém como eu às sete da manhã: Uma garota de dezessete anos com pijamas brancos e chinelas de borracha atravessando o aeroporto com uma bagagem de mão. "Eles já devem ter visto situações piores", pensei tentando me consolar.
-Tenha uma boa viagem. -Um comissário de bordo falou assim que terminou de conferir minhas passagens.
-Eu terei. -Disse sorrindo enquanto cambaleava até o avião, o peso da bagagem me fazendo andar em zigue-zague.
O lado bom de se estar viajando de pijamas em um avião com mais de cinquenta pessoas com destino à Laketown é o fato de que você está indo com mais de cinquenta pessoas para Laketown! Sim, um lugar onde ninguém te conhece e em que um mar de oportunidades se desdobra diante dos que são corajosos o bastante para fazer uma investida.
Descarrego a bagagem sobre o suporte e desabo em uma das poltronas reclináveis com um suspiro de cansaço. Solto os cabelos e tento me encolher para reter o calor naquele espaço tão frio embaixo de uma das saídas de ar. Ah, dane-se o frio: Eu peguei o avião!
Estou sorrindo comigo mesma quando sou interrompida por alguém próximo:
-Ah, não. -A voz feminina me surpreende. -Helena Wilde?
Fechei os olhos por dois segundos, nada mais do que isso. Acho que não é sequer calculável o quanto eu precisava daquele tempo para me recompor após tudo dentro de mim ter quebrado com aquelas simples palavras. Dentre tantos lugares, tantos aviões, tantos destinos eu havia acabado ao lado de Kelsey Carters.
-Não acredito! Somos tão sortudas por conseguirmos estes assentos!
"Tudo depende do ponto de vista."
-Mas é claro! -Falo abrindo um sorriso forçado.
-O que planeja fazer em Laketown? -Ela indaga, a voz afetada.
Subitamente, a palavra "mochileira" não parece impressionante o bastante. Sair pelo mundo com apenas o suficiente de dinheiro e trabalhando em empregos medíocres para manter a vida não deve ser o certo a se falar para alguém como Kelsey Carters, que poderia pagar um papel higiênico feito de ouro.
-Visitar uma tia-avó distante. -Respondo após alguns segundos. -Está doente, a coitada.
-Ah, melhoras. -Ela fez uma expressão de desânimo que durou um instante antes do rosto se iluminar novamente. -Adoro o que está usando.
Sinto o rosto corar. Por algum tempo, havia esquecido que estava usando pijamas.
-Ah, sim. Foi uma emergência e eu tive de agendar esse vôo com urgência, por isso estas roupas. Tudo pela família. -Dei um sorriso forçado e encostei a cabeça na poltrona.
-Mas é claro! Você está certa, Helena! Espero que sua tia-avó melhore. -Ela deu uma piscadela e apertou meu braço de modo encorajador.
-Obrigada...
-Como vai o Josh? -Ela me interrompeu, o sorriso falso subitamente sumindo dos lábios.
-Acho que vai bem. -Franzi o cenho. Eu não me lembrava de ter sido nomeada babá dos ex-namorados da Kelsey.
-Ah, bom. -Ela pareceu concentrada por meio segundo e eu apreciei o momento. Não era sempre que você conseguia imaginar engrenagens funcionando dentro da cabeça de uma garota como Kelsey. Ou qualquer coisa funcionando lá dentro.